Um único par de tênis consome quase 5 mil litros de água para ser produzido. Composto por cerca de 40 materiais diferentes (sintéticos, em sua maioria), é de difícil reciclagem. Exige o desmonte de item por item e o envio de cada um para fluxos específicos de reaproveitamento. Uma complicação que condena, todos os anos, no mundo todo, 22 bilhões de calçados aos aterros sanitários. As consequências para o planeta são nefastas.
No últimos anos, porém, o ecossistema fashion vem buscando formas de diminuir o impacto ambiental dos tênis. As gigantes Nike, Adidas e Puma, por exemplo, utilizam uma variedade enorme de matéria-prima reutilizada – de retalhos a plástico resgatado dos oceanos. A última novidade é o “The Sustainable Knit Trainer”, confeccionado à base de folhas de abacaxi e polpa de madeira.
Lançados recentemente, os sneakers (é bacaninha chamar tênis por seu nome em inglês) marcam a chegada da americana Calvin Klein (CK) ao universo dos calçados sustentáveis. Um setor previsto para movimentar globalmente US$ 13,3 bilhões, em 2030, contra os US$ 7,7 bilhões, de três anos atrás, nos cálculos da consultoria Allied Market Research.
A malha do cabedal do “The Sustainable Knit Trainer” combina as fibras de abacaxi Piñayarn, da startup inglesa Ananas Anam, com a polpa de eucalipto Tencel Lyocell, do grupo austríaco Lenzing. Fabricado em Portugal, é vendido na Europa por, aproximadamente, 170 euros, nas cores marshmallow e preto. Não há previsão da chegada do calçado no Brasil, informa a empresa ao NeoFeed.
O momento é de estreia também para a Ananas Anam. Apresentado em 2022, pela primeira vez, o tecido Piñayarn é usado em colaboração com uma marca tradicional da moda contemporânea, fundada em 1968 pelo estilista Calvin Klein e consagrada por seu minimalismo. O que não significa que a startup seja novata no negócio. Ao contrário.
Aos 71 anos, sua fundadora, a espanhola Carmen Hijosa, é celebrada pelos fashionistas como “a inovadora que transforma abacaxis em roupas e acessórios”. De 2016, o primeiro produto da empresa foi o couro vegano Piñatex.
Tudo começou na década de 1990. Estilista pelo National College of Arts and Design, da Irlanda, ela viajou para as Filipinas como consultora da indústria de couro. Chegando lá, porém, ficou impressionada com os impactos sociais e ambientais provados pelo produto, ao longo de toda a sua cadeia –da criação dos animais ao curtimento químico. Era preciso buscar uma alternativa mais sustentável. Muito usado na produção de couro sintético, o plástico PVC definitivamente não resolveria o problema.
A inspiração para a Ananas Anam veio do barong talog, a tradicional camisa masculina, delicadamente bordada, em fibras vegetais. Segundo maior produtor de abacaxis do mundo, atrás da Costa-Rica e à frente do Brasil, o país põe fora, 25 milhões de toneladas de resíduos da fruta, anualmente.
Subproduto das colheitas de abacaxi, as folhas contêm uma das mais eficientes fibras de celulose da natureza, mas eram deixadas para apodrecer ou queimadas nos campos. Sem formação científica, aos 62 anos, Carmen foi estudar e se formou doutora em têxteis pelo Royal College of Art, de Londres. Em 2013, ela fundou a Ananas Anam.
Com uma receita anual de quase US$ 9 milhões, com seu Piñatex, a startup já estabeleceu parcerias com grandes marcas da moda. Da luxuosa Chanel às redes de fast-fashion Zara e H&M; da Hugo Boss e Laura Strambi à coleção Happy Pineapple, da Nike.
Mais alguns anos de estudos e experiências, nasceu a malha Piñayarn. A tecnologia foi inteiramente desenvolvida pela equipe de P&D da startup. O processo de fiação dispensa o uso de água e produtos químicos tóxicos e a produção se baseia em um circuito fechado, o que evita desperdícios.
Depois da coleta, as folhas são submetidas a máquinas semiautomáticas que separam as fibras da biomassa. Em seguida, aqueles fios longo de celulose são lavados, para a retirada da clorofila e da goma vegetal, e colocados ao sol para secar –no período das chuvas, vão para estufas. As fibras passam então por um processo de purificação, do qual saem felpudas e macias, para aí serem tecidas.
Iniciativas como a da CK são mais do que bem-vindas. Por causa da consolidação do estilo de vida casual, o tênis foi para além da prática esportiva. Migrou para o dia a dia e chegou até aos desfiles de Paris, Nova York e Milão.
Influenciado pelo hip hop e um dos itens mais cultuados do streetwear, o calçado adquiriu “um valor que não é apenas monetário, mas se tornou pilar da cultura popular, com uma comunidade global se formando ao seu redor”, escreve o inglês Peter Dennis, no artigo “Shoe waste: how consumption became culture”. Um movimento liderado pelos chamados “sneakerheads”, os aficionados, que fazem do calçado um hobby.