Toda vez que você fala em seu smarphone ou acessa a internet por meio da rede móvel pela tecnologia 4G, há uma chance em duas de que a infraestrutura por trás disso seja da sueca Ericsson, empresa do setor de telecomunicações, que vale US$ 27,2 bilhões.
A companhia diz que conta com 50% das estações rádio bases, as populares antenas, que fazem a tecnologia 4G funcionar no Brasil.
Portanto, quando uma parcela grande de pessoas deixou o trabalho e foi trabalhar em casa por conta da pandemia da Covid-19, a Ericsson, assim como as empresas de telefonia, estiveram sob grande pressão.
“O tráfego da rede móvel subiu por volta de 30%. E o da rede fixa mais de 70%”, diz Eduardo Ricotta, presidente da Ericsson para o Cone Sul da América Latina, para o NeoFeed.
Para enfrentar esse tsunami de dados, a Ericsson contou com a experiência do que havia acontecido na Europa, onde também é uma das principais fornecedoras. Foram ajustes em seus equipamentos, bem como uma negociação com Netflix e Facebook que fizeram com que o caos não se instaurasse.
Mas Ricotta, na verdade, está de olho na próxima onda tecnológica. É a tecnologia 5G, que em testes reais apresentou taxas de transmissão até 100 vezes superior a das redes 4G.
Em um momento em que as redes de telefonia 5G se tornaram alvo de fake news, que diziam que elas propagavam o coronavírus e diminuíam a imunidade das pessoas, facilitando a infecção e turbinando a pandemia, Ricotta acredita que a tecnologia será fundamental para a retomada da economia brasileira.
Nesta entrevista, Ricotta defende ainda que o leilão das frequências da tecnologia 5G seja feito ainda este ano, diz que espera que o governo não queira usar a disputa para arrecadar recursos e afirma que manterá os investimentos de R$ 1 bilhão em sua fábrica em São José dos Campos. Acompanhe:
As telecomunicações são hoje um bem essencial. Como a Ericsson se organizou para enfrentar esse momento?
Quando entramos em um lockdown parcial, o que aconteceu? O tráfego da rede móvel subiu por volta de 30%. E o da rede fixa mais de 70%. Então, houve um trabalho que precisou ser feito de forma rápida para aguentar o tráfego. Se não, a rede colapsava e caía. Imagine ficar, em uma cidade como São Paulo, sem celular e sem Wi-Fi. Seria o caos.
O que foi feito para aguentar esse aumento de tráfego repentino?
Trabalhamos junto com as operadoras. Vimos os movimentos que vinham acontecendo, desde quando começou a pandemia, e estudamos o perfil de tráfego que estava acontecendo na Itália e na Espanha. E avisamos os clientes: ‘olha, o que deve chegar aqui é como se fosse uma onda’.
"Avisamos os clientes: ‘olha, o que deve chegar aqui é como se fosse uma onda’"
Um tsunami?
Isso, um tsunami. Mas havia tempo para trabalhar e evitar esse tsunami. Na rede móvel, durante o dia, o tráfego é maior nos centros comerciais. Agora, esse tráfego passou para as bordas das cidades. É onde estão as residências. Todo o dimensionamento que fazemos é baseado no perfil de tráfego que já se conhece. Sabemos que na avenida Paulista (região de alta concentração de escritórios em São Paulo) vai ter um monte de gente lá no horário comercial. Mas, com a quarentena, a avenida Paulista está vazia. Tivemos tempo para sentar com as operadoras e tentar ajustar a rede, como expansão de hardware e ajustes de software para dar mais capacidade. Adaptamos ao momento que estamos vivendo. E passamos bem. Não teve nenhum problema crítico mesmo com aumento grande de tráfego.
As operadoras tiveram que comprar mais equipamentos para aguentar esse aumento de tráfego?
A maioria dos ajustes foi de software. Teve também alguma expansão de hardware, onde era muito crítico. E teve também uma coisa importante que foi uma conversa com Netflix e Facebook. Eles diminuíram a qualidade dos vídeos. Isso foi importante porque se consome menos capacidade de rede. Mesmo com o tráfego aumentando, a rede não virou um caos. Teve ajuda de todo mundo.
A rede chegou perto de entrar em colapso?
Não chegou. Elas são bem dimensionadas no Brasil. Temos um problema ou outro, mas devido a dificuldade de instalar antenas. Mas não chegou a ficar perto de colapsar.
Qual é o perfil de acesso no Brasil?
Basicamente foi vídeo, por dois motivos. Um é o streaming de vídeos, em serviços como Netflix, e os acessos às redes sociais, como Facebook e Instagram. Tudo isso consome mais (banda). O perfil de acesso da Itália e Espanha foi bem similar ao do Brasil. E a outra coisa foram os vídeos através de videoconferências. Pega o Zoom. Em um dia, teve 25 milhões de pessoas se cadastrando. Isso também teve impacto. Foi um incremento grande de vídeo até porque está todo mundo trabalhando de uma forma colaborativa usando vídeo.
Já faz mais de um mês que alguns Estados ou cidades estão em quarentena, com as pessoas em casa. As redes já estão estabilizadas?
Sim, estão. Acredito que vai ter uma grande mudança na forma como trabalhamos e estamos tentando entender o que vai acontecer daqui para frente do ponto de vista de tráfego.
E qual a sua opinião?
Acredito que vai continuar crescendo. Tivemos uma experiência diferente, de trabalhar remotamente. Acredito que vamos trabalhar mais remotamente do que trabalhávamos antes. Vimos que funciona. Teve um número grande de viagens que foram evitadas. É bacana porque ajuda na questão do CO2 no mundo inteiro. Acabamos vendo que é possível fazer uma conferência sem viajar. É possível falar com o cliente. É possível dar uma assistência que você dava em campo, mas você pode fazer por vídeo. Estamos encontrando novas formas de trabalhar. Isso vai continuar.
Estamos encontrando novas formas de trabalhar. Isso vai continuar
Como isso impacta o negócio da Ericsson?
Se permanecer como estou falando, acredito que impacta positivamente. Vai ter mais colaboração, mais interação através de vídeo. E tudo isso sobe o tráfego da rede. Vai precisar de mais infraestrutura. Tem outro impacto positivo: o 5G. O 5G pode ajudar na retomada econômica do Brasil.
Por falar em 5G, você acredita que o leilão sai esse ano?
Acho que há um esforço grande da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações, órgão regulador do setor) em querer que aconteça esse ano. Hoje, olhando pelo o que estou acostumado a ver no Brasil, vai sair esse ano. Se houver algum desvio no caminho, algo que não está se prevendo, cai para o primeiro trimestre do ano que vem. Essa é perspectiva. Se puder fazer esse ano, seria muito bom para o País.
O que a Ericsson defende no leilão do 5G?
Defendemos um leilão com viés de infraestrutura e não arrecadatório. É superimportante para desenvolver o País. O bolso das operadoras é um só: ou eles pagam a frequência ou a infraestrutura. O que temos falado com a Anatel e com o próprio governo é que telecomunicações são um serviço básico. O governo tem de olhar o leilão fim a fim, não só o custo da frequência, mas qual a arrecadação total que ele vai ter. Sabemos que tendo uma infraestrutura expandida, além de você criar mais competitividade para o País, o governo consegue arrecadar mais.
A Ericsson fez algum estudo do impacto econômico do 5G no mercado brasileiro?
Fizemos um estudo que, se você aumentar a cobertura em 10%, consegue ter um aumento de arrecadação de imposto por volta de R$ 30 bilhões por ano.
Entendo a reivindicação de se ter um leilão que não seja arrecadatório. Mas vamos olhar o cenário hoje em que a crise fiscal, que já era grave, vai ficar ainda maior com os gastos emergenciais por conta do coronavírus. Realisticamente, você acredita que há chances de ter um leilão que não seja arrecadatório?
Acredito sim. Já mostramos que o governo vai ganhar mais deixando o custo da licença mais baixo. Está provado por A mais B que você ganha mais. A carga tributária no setor de telecomunicações é altíssima. Se você tem mais tráfego, mais cobertura, mais pessoas conectadas, você vai ter uma arrecadação maior. Por mostrar para eles que esses números são verdadeiros, eu acho que faz todo sentido fazer um leilão não arrecadatório mesmo na situação atual.
No ano passado, a Ericsson anunciou um investimento de R$ 1 bilhão para produzir equipamentos 5G no Brasil. Com essa crise, vocês estão reavaliando esse investimento?
Esse investimento continua. Temos cinco fábricas no mundo. Não produzimos só equipamentos para o Brasil. Produzimos para outras partes do mundo. Estamos fazendo a implantação da linha de produção na fábrica em São José dos Campos.
Quando vocês vão começar a produzir os equipamentos de 5G no Brasil?
São equipamentos de infraestrutura que vão nas torres para prover a cobertura nas cidades. Acredito que até o fim do ano a fábrica esteja preparada para começar a produzir. E, aos poucos, vamos aumentando a produção de acordo com a demanda.
Se não tiver leilão de 5G esse ano, qual o plano da Ericsson?
Vamos exportar. Hoje, falo que a Ericsson é uma exceção. O Brasil exporta 12% do PIB. Se compara com o resto do mundo, a média é muito maior do que 12%. É 25%. No Brasil, a Ericsson exporta 40% da produção. Óbvio que a gente produz 2G, 3G e 4G. O 5G vai entrar numa escala menor.
Como está a posição da Ericsson no mundo na questão 5G?
Temos 86 acordos de entrega de equipamentos 5G no mundo. Mas acredito que mais importante do que olhar o número de acordos é olhar o que já entregamos. Temos quase 30 redes no mundo funcionando com a tecnologia Ericsson.
Onde são?
Nos Estados Unidos, todas as operadoras estão trabalhando com 5G da Ericsson. Todas, sem exceção: Verizon, AT&T, T-Mobile. Na Europa, são várias operadoras, como Vodafone e Swisscom. Temos contratos no Japão, na Austrália, na Nova Zelândia e agora também na China. Estamos entregando 5G praticamente em todas as partes do planeta.
O governo dos Estados Unidos já deixou claro que não pretende comprar tecnologia chinesa no 5G e tem pressionado diversos países a fazer o mesmo. Isso ajuda a Ericsson?
Essa é uma questão entre governos. Não entramos nessa discussão. Estamos focados em prover a tecnologia para nossos clientes. É uma discussão entre países, muito maior do que a gente. Não acho que ajuda a Ericsson. Precisamos focar no cliente. Somos líderes de market share no Brasil, com toda a concorrência que temos. E não quero perder o meu foco.
"Você poderia viver hoje sem o Uber, sem o Spotify, sem o Netflix? Por que tudo isso foi criado? Porque teve a rede 4G"
Estamos falando em 5G, mas há várias localidades no Brasil que só tem 3G. A transição tecnológica não está sendo muito rápida?
Posso te fazer uma pergunta? Você poderia viver hoje sem o Uber, sem o Spotify, sem o Netflix? Por que tudo isso foi criado? Porque teve a rede 4G. Se não, era impossível ter o serviço Uber. Pega streaming de vídeo. Ele foi criado depois da disponibilidade de dados. Criou-se a eficiência na cadeia inteira. Foi rápido porque em cima de uma tecnologia você desenvolve muita coisa. É o que vai acontecer também no 5G.
Qual vai ser o impacto do 5G?
Você vai começar a impactar outros setores da economia. O setor de saúde, de educação, de entretenimento, agricultura. São impactos em vários setores, como a indústria 4.0, com suas fábricas inteligentes.
Como vai se comportar faturamento da Ericsson em 2020?
Não abrimos os dados de um país da Ericsson. Apresentamos os números globais do primeiro trimestre do ano. E eles estão em linha com o que estava previsto (o faturamento foi de US$ 5,1 bilhões e o lucro de US$ 223 milhões). Não estamos prevendo nenhuma mudança de metas. Acreditamos que a Ericsson vai conseguir fechar o ano com os mesmos objetivos de antes da crise.
Como está a operação no Brasil: você está mantendo ou cortando?
Estamos mantendo. Não fizemos nenhum corte. Estamos com as pessoas trabalhando remotamente.
Só as pessoas da fábrica e as que dão manutenção em campo para as antenas não estão em casa?
Exato. Esse trabalho não conseguimos fazer remotamente ainda. Na fábrica, temos um procedimento todo diferente. Testamos a temperatura das pessoas antes de entrar, temos espaçamento maior, estamos trabalhando com um número de pessoas menor na produção. Trabalhamos com máscara. Temos uma série de procedimentos que precisamos adotar até conseguir voltar à normalidade.
A produção foi reduzida?
Reduzimos em 50% o número de funcionários para respeitar um afastamento maior. Estamos fazendo isso por algumas semanas, mas não impacta o que temos que entregar para manter as redes operando.
Quando, afinal, vamos voltar à normalidade?
É difícil de responder. Acredito que, pelo que estou vendo, principalmente no Estado de São Paulo, que, a partir do dia 10 de maio, deve ter uma retomada devagar. Na Ericsson, temos 85% dos funcionários trabalhando remotamente. A princípio, vamos deixar a critério dos funcionários trabalharem remotamente ou no escritório, pelo menos nas duas ou três primeiras semanas. Até retomar a confiança de que podemos pegar um carro ou um elevador com um monte de gente. É óbvio que vamos precisar ter um revezamento maior dentro da empresa para ter um espaçamento de pessoas um pouco maior do que tínhamos. Provavelmente, teremos de expandir o número de dias de home office. Hoje, permitimos dois dias da semana. Talvez tenhamos de aumentar.