Em setembro de 2020, quando abriu capital na B3, a Boa Vista tinha uma mensagem clara aos investidores: 94% da cifra de R$ 1,2 bilhão da oferta primária seriam reservados a aquisições. De lá para cá, o birô de crédito começou a cumprir essa promessa com as compras da Acordo Certo e da Konduto.
Agora, os 6% restantes dos recursos, descritos no prospecto do IPO como destinados a “novas iniciativas”, também começam a ganhar visibilidade na estratégia da companhia. A principal iniciativa nessa direção é o Centro de Excelência em Analytics (CEA), lançado oficialmente em abril.
Batizada internamente de Fábrica de Algoritmos, a estrutura quer fazer jus ao nome. Até o fim do ano, a unidade quer produzir um arsenal de algoritmos que vai alimentar os produtos e serviços da Boa Vista.
“As empresas já têm acesso a muitas bases de dados. O que diferencia, de fato, é o que você faz com essas informações”, afirma Dirceu Gardel, CEO da Boa Vista, ao NeoFeed. “Nosso plano é ser a referência nessa área de inteligência analítica e é o CEA que vai nos ajudar a chegar a essa posição.”
O CEA tem recursos de inteligência artificial, machine learning e técnicas de modelagem que permite “industrializar as variáveis” usadas nos algoritmos. “Conseguimos produzir soluções em uma semana”, diz Elmer Dotti, diretor do CEA. “E vamos entregar mais de 52 novas famílias até o fim de 2021.”
Para alcançar essa meta ambiciosa, a Boa Vista tem de lidar com um outro número desafiador. Em operação desde dezembro de 2020, o CEA conta com 77 profissionais, entre cientistas de dados, matemáticos e estatísticos. A projeção é encerrar o ano com 140 funcionários.
Para driblar a carência de profissionais especializados no Brasil, um dos expedientes é a contratação de profissionais remotos em países como Estados Unidos e Portugal, ou mesmo em outros estados, como Ceará.
A principal iniciativa, porém, é a capacitação de funcionários da própria empresa. Para isso, o birô quer estruturar programas de pós-graduação lato sensu, mestrado e doutorado com instituições parceiras. O primeiro contrato foi fechado recentemente com a Unicamp.
Parte dos dados que será trabalhada por essa equipe vem das informações cadastrais do Serviço Central de Proteção ao Crédito, administrado pelo birô, e do Cadastro Positivo. Mas o CEA não estará restrito a essas fontes. A ideia é construir modelos mais sofisticados a partir de diversas bases de dados.
Um dos exemplos da safra já criada pelo CEA é um score de recuperação de crédito. Para auxiliar na análise da situação financeira do consumidor, o motor por trás da solução inclui a correlação com dados como o nível da retomada da atividade econômica da região onde ele reside.
Outra solução desenvolvida é um score que permite a um banco ou a uma concessionária identificarem os consumidores mais propensos a buscar um financiamento para a compra de motos populares.
“Temos uma ferramenta para a validação da política de crédito com mais de 12 novos modelos, além de indicadores macro e microeconômicos”, diz Dotti. “E vamos lançar 7 modelos de cobrança que envolvem mais de 100 variáveis.”
Para Cezar Taurion, vice-presidente de inovação da Ciatécnica Consulting e titular da coluna Mente Programada, no NeoFeed, a iniciativa do CEA é positiva, pois sinaliza um primeiro passo para o uso mais complexo de recursos analíticos.
Ele faz, no entanto, uma ressalva. “Fico na dúvida quanto ao volume projetado de algoritmos, nesse prazo”, diz. “Até mesmo porque nem empresas como Google e Amazon trabalham nesse ritmo.”
À parte dessa questão, o CEA é uma das apostas da Boa Vista para turbinar seus números. No primeiro trimestre de 2021, a receita líquida da empresa teve um ligeiro avanço de 0,6%, para R$ 165,2 milhões.
Segundo a empresa, a receita das soluções analíticas cresceu 5,6% no período e ajudou a compensar a queda na linha dos serviços de recuperação. As ações da Boa Vista, avaliada em R$ 6,1 bilhões, acumulam uma desvalorização de 7,2% em 2021. Desde o IPO, o recuo é de 3,8%.
Para reverter esse desempenho e também reforçar seu portfólio de inteligência analítica, a outra grande frente são as aquisições. Nessa área, a empresa tem cerca de 20 empresas mapeadas para eventuais acordos.
“Temos quatro negociações em estágio mais avançado”, afirma Gardel, CEO da Boa Vista. “À medida que a gente consiga agregar outras capacidades e bases de dados ao que já temos, a ideia é nos distanciar da nossa principal concorrente, nessa frente mais analítica.”
Líder do setor, a tal rival citada por Gardel é a Serasa Experian, que também vem se mexendo para fortalecer seu portfólio nessa área. Um desses movimentos envolveu a aquisição, em abril, da Brain Ag, empresa de big data especializada em operações financeiras do agronegócio.
Ao mesmo tempo, a companhia também conta com o seu centro de analytics e big data, batizado de DataLab, que vem ampliando a combinação de novas fontes de dados com a aplicação de algoritmos de inteligência artificial.