“O que vou fazer com uma menina no meio de 12 homens?”. Essa foi a frase que ouvi do entrevistador e de quem seria meu gestor quando estava sendo selecionada para meu primeiro emprego. Quando iniciei no mercado de trabalho, a área de tecnologia era um espaço quase que exclusivamente masculino.

O curso técnico em processamento de dados que fiz, por exemplo, tinha no máximo 10 meninas entre os 40 alunos. Na universidade, tampouco foi diferente: oito mulheres apenas na minha turma. Consequentemente, as oportunidades na área precisavam ser galgadas com muito esforço, trabalho e, por que não, coragem.

Nos últimos seis anos, porém, o mercado evoluiu muito. Atualmente, vemos as empresas muito atentas aos temas de diversidade e aos vieses inconscientes, que são generalizações baseadas em estereótipos de classe, raça, gênero, orientação sexual, religião ou etnia. Uma exigência das novas gerações que já se provou, por meio de estudos, que traz mais resultados para as empresas.

A consultoria e auditoria PwC prevê que a equalização de ganhos entre homens e mulheres elevaria em até US$ 6 trilhões o PIB dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), como Alemanha, Estados Unidos, Japão e Bélgica. O FMI aponta que a eliminação das desigualdades de gênero no mercado de trabalho pode aumentar em até 35% o PIB global.

Mesmo nós, que somos de uma geração anterior, hoje já não aceitamos comportamentos e frases que, tempos atrás, nem imaginávamos o quanto são impróprios. Hoje, vemos as empresas com iniciativas estruturadas para alcançar mais equidade na liderança, ajustando processos desde o recrutamento até os eventos para o público em geral. É anacrônico pensar em um painel de tecnologia hoje sem a participação de uma mulher.

Temos ainda muito o que avançar. Apesar da B3 e da CVM exigirem que dados de diversidade nos conselhos sejam incluídos nos relatórios das empresas listadas, 58% delas não têm presença feminina no board. Um outro estudo, divulgado pela Ipsos, mostrou que 27% dos brasileiros admitem se sentir desconfortáveis com uma chefe mulher.

No entanto, meu olhar sobre tais questões é bastante positivo, quando penso no futuro. Vejo que as exigências em relação à diversidade e à equidade são cada vez maiores. Este movimento de conscientização que estamos fazendo é o que garantirá a sustentabilidade do tema no futuro. A agenda ESG também é uma grande impulsionadora da igualdade de gêneros.

A consultoria e auditoria PwC prevê que a equalização de ganhos entre homens e mulheres elevaria em até US$ 6 trilhões o PIB dos países da OCDE

Além da posição assumida pelas empresas em relação à equidade, o número de mulheres interessadas na área de inovação e tecnologia, especialmente as mulheres mais jovens, aumentou. A acessibilidade proporcionada pela tecnologia mostra ser uma das razões da maior procura feminina pela área, além da flexibilidade de horários que as profissões ligadas à inovação permitem, o que contribui para que as mulheres que são mães, por exemplo, consigam conciliar a maternidade com a profissão.

É essencial que as mulheres sejam cada vez mais confiantes diante dos desafios e desenvolvam uma autoestima robusta em relação à profissão. Para cargos de liderança, a contratação de mulheres pode levar mais tempo, por causa da desigualdade da presença feminina no mercado, mas as empresas estão se mostrando mais tolerantes e empenhadas.

Outro ponto que passamos a olhar é o desenvolvimento de talentos por meio de mentorias, nos preparando para oportunidades que surgem e nos empoderando para buscar tais oportunidades.

Por falar nisso, também é extremamente relevante que nós continuemos a incentivar as meninas por meio de brinquedos voltados para STEAM (eu mesma me dei conta que não estava fazendo isso em casa, adotei a postura quando minha filha tinha cinco anos) e que tais incentivos sejam perenes durante a adolescência e a fase adulta.

A licença maternidade, inclusive, é uma experiência transformadora para as mulheres no âmbito profissional, para o bem e para o mal. Uma pesquisa recente do IBGE, de 2021, mostrou que mulheres com filhos de até três anos enfrentam mais a situação de desemprego do que mulheres que não são mães.

Experiência própria: ouvi de um gestor, quando disse que estaria por, pelo menos, quatro meses de licença maternidade (tempo estipulado por lei), que nenhum funcionário dele ficaria mais do que dois meses “fora da operação”. Quando retornei, cinco meses depois, passei a reportar para meu par.

Dentro desse cenário, um conselho que daria para a minha filha e para todas as mulheres sobre o mercado de inovação é: mergulhe de cabeça, mas certifique-se da profundidade do mergulho. A área de inovação e tecnologia é, de fato, um oceano de possibilidades. A competição é acirrada, são tubarões e sardinhas ocupando o mesmo espaço, mas existe espaço de sobra para nadar sem medo.

Para encerrar: negociem suas posições e salários. Os homens foram culturalmente ensinados a fazê-los, mesmo estando longe da perfeição. Nós também não precisamos ser perfeitas para nos destacarmos dentro de nossas áreas e construir uma carreira brilhante.

*Priscila Siqueira é head da Gympass no Brasil, com uma carreira de mais de 15 anos em empresas predominantemente de tecnologia. É mãe da Rafaela, de 10 anos.