Por oito meses, a aquisição do Castello Banfi, vinícola na região de Montalcino, de onde saem os mais belos brunellos, no coração da Toscana, foi negociada entre a família Mariani e os executivos da LVMH, sigla de Louis Vuitton Moët Hennessy, um dos mais importantes conglomerados de luxo do mundo. No final, a transação não foi concluída e o mercado se pergunta se faltou glamour ao Castello Banfi para entrar no portfólio da LVMH.
A propriedade de 2,8 mil hectares tem um castelo medieval, um pequeno hotel, o Il Borgo, membro do Relaix & Chateaux, um restaurante sofisticado, além dos vinhedos e dos olivais. Seus vinhos, mesmo conceituados e sendo uma marca com muita entrada no mercado americano, não estão na categoria de um Biondi Santi, que criou a “receita” do brunello, um Gaja (a vinícola Pieve Santa Restituta) ou de um Casanova di Neri, que foi o queridinho das altas notas de Robert Parker.
O mesmo não aconteceu com dois châteaux da Provence, a região clássica dos vinhos rosés franceses. Em maio do ano passado, a LVMH adquiriu o Château Galoupet e, em dezembro de 2019, comprou 55% do Châteaux d’Esclans. Com o crescimento consistente do consumo deste estilo de vinho, o grupo adquiriu vinícolas focadas em qualidade e que elaboram rosados modernos e mais complexos.
O d’Esclans, por exemplo, teve consultoria de Patrick Leon, que foi enólogo do Château Mouton Rothschild e que criou rosés com estágio em passagem em barricas de carvalho. “O grupo está contente com as vendas, mas ainda não há previsão de trazer estes rótulos para o Brasil”, diz Davide Marcovitch, presidente do grupo LVMH para América Latina, Caribe, África.
Bernard Arnault, o chairman da LVMH, soube construir o seu império no mundo do luxo com marcas sempre muito conceituadas ou com potencial de se tornarem objeto do desejo entre os consumidores. O conglomerado começou a nascer em 1987, com a fusão da Moët Hennessy com a Louis Vuitton, até então empresas familiares, que já tinham marcas fortes, mas não tanto vigor financeiro.
A Moët Hennessy, que engloba as bebidas do grupo, tem um papel importantíssimo nesta trajetória. “A Moët Hennessy reúne marcas importantes, que têm o poder de abrir o mercado”, afirma o consultor Martin Gutierrez, sênior business Adviser da MCF Consultoria, focada no mercado de luxo. Mas a divisão já foi mais relevante nos números financeiros do grupo, que tem as marcas do mundo da moda como carro-chefe.
Em 2010, os vinhos e destilados representavam 16% das receitas anuais da LVMH. Na recente divulgação de resultados, referente ao primeiro semestre de 2020, a receita da divisão de bebidas ficou em 1,985 bilhão de euros contra os 2,486 bilhões de euros no primeiro semestre de 2019. O montante representa pouco mais do que 10% da receita de 18,393 bilhões de euros nos primeiros seis meses de 2020.
Nos lucros, a Möet Hennessy trouxe para o conglomerado um ganho de 551 milhões de euros no semestre. É um valor 29% abaixo do que o registrado em igual período de 2019, resultado direto da retração de consumo principalmente dos champanhes em tempos de pandemia.
Conhaques e destilados representaram 448 milhões de euros – são bebidas em geral com maior margem de lucro –, enquanto champanhes e vinhos contribuíram com 103 milhões de euros para o resultado. Destilados e conhaques são muito fortes em vendas, principalmente no mercado asiático, com as marcas Glenmorangie, de uísque escocês, ou a vodca Belvedere.
Na filosofia de Arnault, dono de uma fortuna de US$ 88 bilhões, suas marcas são administradas como unidades independentes em marketing e estratégias de negócios. Elas têm seus próprios representantes, o que no mundo das bebidas significa até herdeiros de marcas tradicionais.
Olivier Krug, da sexta geração da família Krug, é o embaixador desta maison de champanhe. Assumiu este cargo quando a empresa familiar foi vendida para a LVMH. Com a independência, digamos, criativa das marcas, o board centraliza o controle dos recursos financeiros e os sistemas de distribuição.
E este modelo segue mesmo com as restrições da pandemia. “Nesta época de quarentena, os investimentos são pontuais, seguindo a necessidade de chegar em cada consumidor, em sua particularidade”, afirma o consultor Gutierrez.
Mesmo assim, Gutierrez acredita que, no médio prazo, a empresa possa ter um canal direto com o consumidor de bebidas de luxo aqui no Brasil. Nos Estados Unidos já existe o site Clos 19, com informações e vendas de produtos da Veuve Clicquot, Dom Pérignon, Ruinart, entre outras.
Para trazer o cliente mais perto das marcas, o próprio Olivier Krug participou de uma apresentação online com os clientes brasileiros e acompanhado de um menu do restaurante Kinoshita, entregue por delivery. “Estamos realizando lives em formatos diversos com as marcas, mas o modelo foi pouco reproduzido no Brasil pela questão da língua”, conta Paula Frerejean, gerente deste segmento da LVMH no Brasil.
Por aqui, as ações foram mais focadas em parcerias com revendedores locais destas grifes, como restaurantes em seus deliveries, e promoções em e-commerce. “Mesmo na quarentena, vivemos o paradoxo de manter toda a herança de nossas marcas, algumas com mais de 300 anos de história, com a atualidade”, resume Paula.
Marcovitch conta que a procura pelos produtos de maior valor surpreendeu a filial brasileira. Sem citar dados, ele diz que marcas premium, como Dom Pérignon, Ruinart e Krug, vêm registrando recordes de venda no Brasil nos últimos três meses. “A melhor explicação é que, impedidos de viajar, os consumidores de maior poder aquisitivo estão abastecendo suas adegas por aqui”, diz o executivo. E abastecendo com frequência.
Mesmo com esta procura em alta, o Brasil só deve receber a próxima safra de Dom Pérignon no primeiro semestre de 2021. “Com a pandemia, o lançamento foi escalonado e tem um intervalo maior entre os mercados”, explica Paula. Este champanhe será o primeiro vintage da gestão do chef de cave Vincent Chaperon, que substituiu Richard Geoffroy, enólogo que nos mais de 20 anos que passou no cargo, se tornou um marco da história deste champanhe.
Sem herdeiros de Dom Pérignon, o chef de cave tende a ser um embaixador da marca, trazendo, em cada degustação, um sentido de exclusividade ao produto. Geoffroy foi ainda mais longe. Ele criou o conceito de plenitudes dos champanhes, que prevê que este vinho espumante pode ter dois ou três ápices de qualidade. O primeiro acontece quando ele é lançado, em geral uma década depois da colheita. O segundo acontece cerca de cinco a sete anos depois, com o ainda maior tempo de estágio nas caves subterrâneas.
Outro bom embaixador das marcas é o francês Pierre Lurton. Na França, o enólogo é o responsável por duas vinícolas particulares de Bernard Arnault, que não pertencem ao LVMH. São o Cheval Blanc, um dos grandes tintos de Bordeaux, e o Château D’Yquem, o mais conceituado vinho de Sauternes. Lurton é também o responsável pelo projeto Cheval des Andes, de vinhos premium na Argentina.
Com primeira safra em 1999, o Cheval des Andes vem ganhando qualidade ao longo dos anos. A safra de 2017, que chega ao mercado em setembro, recebeu 100 pontos do crítico James Suckling. A de 2016 já tinha recebido 99 pontos. O vinho argentino, ainda, passou a ser negociado na “Praça de Bordeaux”, o que ajudou a trazer conhecimento e prestígio ao tinto.
O reconhecimento desta, digamos, nova marca de luxo levou a filial brasileira a decidir importar não apenas o Cheval de sua safra mais atual como garrafas de safras mais antigas. Até o final do ano, chegam garrafas de 2002, 2004 e 2008, estas em formato Magnum. São lances assim que vão escrevendo a história das bebidas de luxo do grupo.
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