O que pode haver de comum entre uma empresa de artigos esportivos, outra que produz cosméticos e uma terceira dedicada a fabricar sorvetes?

Além de serem empresas nascidas nos anos 70, ainda influenciadas por ideias hippies como paz, liberdade e amor ao meio ambiente, Patagonia, The Body Shop e Ben & Jerry’s, devem parte importante de sua reputação ao ativismo pioneiro de seus fundadores.

E ainda hoje, graças à sua história, estão entre as marcas mais engajadas do mundo, o que lhes confere uma aura cool crescentemente valorizada pelos milennials.

Ativismo, segundo o dicionário Aurélio, é a transformação da realidade por meio de ação prática. Ativistas são, portanto, militantes de determinadas causas que preferem ajudar a resolver problemas a reclamar de seus efeitos.

Existem aos montes na sociedade civil. Mas ainda são espécimes raros no árido habitat empresarial, exatamente porque não se enquadraram na lógica pragmática de que negócios não devem se misturar com as opiniões e convicções pessoais dos seus idealizadores.

Existem aos montes na sociedade civil. Mas ainda são espécimes raros no árido habitat empresarial

Ivon Chouinard, Anita Roddick e a dupla de amigos Ben Cohen e Jerry Greenfield, criadores respectivamente de Patagonia, The Body Shop e Ben & Jerry’s, sempre foram vistos como outsiders.

Desafiando o ceticismo de agentes do mercado (porque ganharam dinheiro) e também os manuais de administração (porque, sabiamente, nunca os levaram completamente a sério), eles fizeram dos seus negócios empresas bem-sucedidas e, ao mesmo tempo, um canal de expressão de seus ideais. Quase sempre sob a desconfiança dos pares.

Imagine o que pensaram os especialistas de marketing, em 1972, quando Chouinard, alpinista renomado, surfista e ecologista, teve a ideia de colocar nas roupas uma etiqueta com a seguinte pergunta aos clientes: “Você realmente precisa disto?”

Que ele deveria, claro, esquecer os negócios e se dedicar a pegar ondas no Havaí ou subir montanhas no Parque de Yosemite. Afinal, só mesmo um desvairado botaria em dúvida o consumo de seu produto ao invés de estimulá-lo.

Só mesmo um desvairado botaria em dúvida o consumo de seu produto ao invés de estimulá-lo. Será?

Hoje, o consumo consciente é uma ideia relativamente bem aceita. Mais plausível, certamente, do que nos anos 1970. Nem por isso encontramos etiquetas com tal nível de honestidade nas lojas de roupas.

Anita Roddick enfrentou igual descrença. Quando fundou a sua The Body Shop, na Inglaterra, em 1976, pregando ideias como as de que uma empresa deveria almejar o “lucro ético” (sem prejuízo de pessoas e meio ambiente), contribuir para a “formação do espírito humano” e atuar com elevado “senso de comunidade”, houve quem a considerasse apenas uma figura “excêntrica”, com espírito de ONG, mais preocupada com questões socioambientais do que com resultados financeiros. Hoje integra o grupo da Natura em completa simbiose de DNA.

O sorvete da Ben & Jerry’s já era suficientemente conhecido e apreciado nos EUA, quando, em 1989, graças ao espírito ativista dos dois colegas de infância fundadores, a empresa assumiu pela primeira vez uma bandeira de interesse público: contra o hormônio para crescimento bovino e seus impactos negativos na agricultura familiar.

Daí por diante, não parou mais de usar a marca, os seus pontos de venda e, claro, o seu poder de influência, contra o racismo, a homofobia e a favor da educação e dos direitos civis. Cohen e Greenfield, personagens pouco afeitos ao business a usual, mantêm uma vida de filantropia e ativismo mesmo após a venda para a Unilever em 2000.

Observando à distância, 30 a 40 anos depois, com as referências atuais, parece difícil compreender as barreiras enfrentadas pelos pioneiros do ativismo empresarial. Afinal, questões como consumo consciente, senso de comunidade e defesa de causas como inclusão étnica, liberdade de orientação sexual e respeito a direitos humanos tornaram-se pauta comum de muitas empresas.

O fato é que, por entenderem suas empresas como extensão de suas vidas, os líderes precursores fizeram intuitivamente o que hoje muitas empresas fazem como estratégia de fortalecimento de reputação e adição de valor socioambiental à marca e para atender, de alguma forma, a pressão de colaboradores, comunidades, clientes e investidores.

Ainda assim, cabe uma pergunta provocativa: quantas empresas estão, de fato, usando o seu enorme poder de influência, e também a sua estrutura de recursos e pontos de venda, para mobilizar os seus públicos em torno de causas relevantes, para além das campanhas de comunicação pontuais?

Melhor e mais específico: quantos líderes empresariais conseguem ser reconhecidos pela defesa de ideias relevantes para a sociedade? Poucas e poucos, certamente. Apenas para efeito didático, classifico os temas atuais do universo ativista corporativo em três níveis: (1) os de fácil aceitação pública porque não geram dissensão; (2) os que implicam uma divisão mais ou menos equilibrada de opiniões; (3) e os controversos cuja tomada de posição exige maturidade e coragem.

Tratemos dos primeiros. Ninguém, mentalmente são, poderá ser contra, por exemplo, líderes empresariais que empunham bandeiras para grandes desafios sociais ou ambientais globais como a melhoria da educação pública, o uso de tecnologias a favor do bem estar e saúde das pessoas, o não desperdício de alimentos ou mesmo a valorização do voto consciente – temas defendidos respectivamente por CEOS como Tania Cosentino (Microsoft), Cristina Palmaka (SAP), Andrea Dutra (Sodexo) e Jefferson de Paula (ArcellorMittal).

Isso explica por que os seus militantes costumam ser queridos não só por colaboradores, mas por fornecedores, clientes, comunidades, investidores e também pelos pares de mercado.

A despeito da forma mais ou menos veemente e aguerrida com que são conduzidas, suas causas promovem benefícios tão indiscutíveis que raramente sofrem críticas, mais raro ainda se defrontam com algum grupo de oposição.

Os temas relacionados, por exemplo, com a diversidade em todas as suas formas (etnia, gênero, idade e orientação sexual) já não sofrem a implacável resistência de outros tempos.

Isso não quer dizer, no entanto, que agradem todas as pessoas nem que os seus problemas já tenham sido superados. Muito pelo contrário. Estão na pauta dos temas médios, de natureza moral, que entusiasmam os mais progressistas, mas ainda irritam um público mais conservador, contrário ao casamento gay, ao banheiro sem indicação de gênero, às cotas para mulheres, negros e pessoas com deficiência.

Cada vez mais aceitos, por conta da pressão dos millenials, esses temas vêm sendo objeto da pregação de líderes CEOs ativistas que querem deixar um legado pessoal. Theo Van der Loo (ex-Bayer) e Tadeu Nardocci (Novelis) são dois bons exemplos de CEOs identificados com a luta pela equidade racial nas companhias.

Theo Van der Loo (ex-Bayer) e Tadeu Nardocci (Novelis) são dois bons exemplos de CEOs identificados com a luta pela equidade racial nas companhias

Paula Paschoal (Pay Pal), Maren Lau (Facebook) e Luiza Trajano (Magazine Luiza) dividem o pelotão de frente de um batalhão cada vez maior de mulheres em defesa da promoção da mulher dentro e fora das empresas. Paulo Correa (C&A), Henrique Braun (Coca-Cola) e Adriana Castro (Bem & Jerry’s) são alguns dos porta-vozes conhecidos da questão de LGBTQI+ em suas empresas.

Crescentemente mais valorizada nos EUA, em tempos de Trump, a prática do ativismo de causas sócio-políticas quase não tem adeptos aqui no Brasil.

Talvez com receio de sofrer represálias de governos, criando embaraços adicionais e desnecessários aos negócios que aqui já operam em situação adversa, ou preocupados em poupar suas empresas do julgamento emocional da opinião pública, os CEOs parecem querer distância dos temas controversos.

No caso mais recente das queimadas na Amazônia, que gerou uma gritaria global, poucos líderes empresariais tomaram a atitude de se manifestar a respeito, preferindo reagir a entrevistas pontuais ou mesmo a assinar discretas moções de apoio. O silêncio ajuda ou atrapalha? Melhor: o ativismo gera bons resultados para o líder ou sua empresa?

Sendo este um tema empresarial novo, são escassos os estudos correlatos. Aaron Chatterji, professor da Duke University, e Michael Toffel, da Harvard Business School, dedicam-se ao assunto há cinco anos. Em 2017, realizaram uma sondagem para avaliar a influência do ativismo sobre o comportamento dos consumidores nos EUA.

Uma síntese do resultado foi publicada na revista de Harvard (01/02/2019), em matéria intitulada Os CEOs de melhor desempenho no mundo em 2017 (Daniel Mc Ginn.) Com o apoio de uma empresa de pesquisa, perguntaram a um grupo de consumidores norte-americanos sobre a intenção de comprar produtos da Apple em futuro próximo.

Para alguns, os pesquisadores apresentaram uma declaração de Tim Cook, CEO da empresa, de que a lei de liberdade religiosa de Indiana cometia discriminação contra pessoas LGBTQI+. Para outros, mostraram uma opinião genérica sobre o pensamento de gestão de Cook. Para um terceiro grupo, apenas indagaram a respeito de sua intenção de compra. 2.176 pessoas responderam à enquete.

E a conclusão foi a seguinte: o grupo de informados sobre o ativismo do CEO da Apple demonstrou vontade muito maior de comprar produtos da empresa.

Conhecer a opinião de Cook aumentou o interesse de compra por parte dos apoiadores do casamento entre pessoas de mesmo sexo sem destruir a intenção dos que são contra.

Esse resultado, na avaliação dos pesquisadores, revela que o ativismo pode ajudar ainda que a posição manifestada tenha opositores. Mas há controvérsias.

Pesquisa da empresa de Relações Públicas Weber Shandwick indica um quadro ligeiramente diverso. Segundo ela, 40% admitem maior propensão a comprar de empresas desde que concordem com a posição do CEO. Entre os que discordam, 45% se dizem menos propensos a comprar.

40% das pessoas admitem maior propensão a comprar de empresas desde que concordem com a posição do CEO

São muitas as razões pelas quais parece interessante hoje para um CEO exercer o seu ativismo. Alguns o fazem por pura convicção cidadã ou para impactar positivamente os seus públicos de interesse ou ainda para dar visibilidade pública aos valores das empresas que dirigem.

Outros entendem que, por terem poder, não podem abrir mão da responsabilidade de participar das soluções de problemas que afetam a vida de seus colaboradores, clientes e comunidades sob pena de serem julgados, mais tarde, por indiferença e omissão.

Em comum, todos querem ser percebidos – pelos millenials — como agentes de companhias movidas por um propósito que excede o imediatismo pragmático do lucro pelo lucro.

A CEOs ativistas, novos e velhos, cabe tomar o mesmo cuidado dos que, de modo geral, escolhem causas: (1) selecionar o tema por convicção; (2) dominá-lo profundamente; (3) ser nele, junto com a empresa, um exemplo de coerência; (4) verificar a afinidade dele com as expectativas e valores dos stakeholders, fazendo os ajustes finos necessários; (5) avaliar todos os riscos de defendê-lo e preparar-se para responder a eventuais objeções; (6) ponderar sobre os momentos certos de falar e calar; e (7) avaliar regularmente o impacto de sua participação no tema.

*Ricardo Voltolini foi um dos primeiros consultores de sustentabilidade empresarial no Brasil e especialista em liderança com valores. Autor de nove livros, entre os quais se destaca “Conversas com Líderes Sustentáveis – O que aprender com quem fez ou está fazendo a mudança para a sustentabilidade”, publicado pela Editora Senac São Paulo. É professor de Sustentabilidade convidado da Fundação Dom Cabral e do ISAE/FGV (Curitiba)

 

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