Costumo abrir algumas das minhas palestras brincando com o fato de que, muito provavelmente, a maioria dos presentes nunca tenha passado pela mesma dificuldade que eu ao tentar explicar o seu trabalho para a sua mãe nos almoços de final de semana. Acho até compreensível. Por que minha mãe deveria entender o meu trabalho, se muitas empresas, que poderiam se beneficiar da sustentabilidade como estratégia, também não fazem a menor ideia do que seja um estrategista de sustentabilidade nem da importância de sua atividade?

A dificuldade de entendimento não se dá, no entanto, apenas no círculo familiar mais próximo. Vivi-a ao longo de minha carreira, como se fosse um carma a resgatar. Para não ser mais confundido, como já fui tantas vezes, com um sujeito biodesagradável, um bedel pregador de restrições, um extraterrestre baixado à Terra para salvar o planeta, comecei a me autodenominar como um terapeuta de empresas cuja atuação consiste em colocar o sistema capitalista no divã para levá-lo a refletir sobre e corrigir os seus defeitos.

Entenda a metáfora, por favor. Não se trata de questão ideológica. Nenhum outro sistema econômico conseguiu gerar mais riqueza (o PIB global cresceu de US$ 1,36 trilhão para US$ 80 trilhões em 50 anos) nem melhorar mais a expectativa de vida das pessoas ou estimular mais o crescimento, o desenvolvimento individual e o empreendedorismo. Ao mesmo tempo, nenhum outro sistema distribui tão mal a riqueza gerada, consome tão excessivamente recursos naturais nem se apoia, de forma tão contundente, numa visão utilitária das pessoas, abrindo mão de valores humanos em nome de números e balanços favoráveis.

Que o capitalismo tem virtudes e vícios não há nenhuma novidade. O novo, se assim se pode classificar, é que a sustentabilidade tem sido, conceitualmente falando, uma espécie de guia de revisão dos vícios desse sistema na medida em que prega um novo jeito de pensar e fazer negócios, mais ético, íntegro, transparente, responsável, respeitoso ao ser humano e cuidadoso em relação ao planeta.

Durante anos, imaginei ser um Amyr Klink nessa aventura solitária em que me envolvi por convicção. Não foram poucas as vezes em que me enxerguei como uma espécie de ativista de causa impossível. Ou como integrante de uma seita fundamentalista cujas crenças pareciam interessar a um grupo exclusivo de iniciados “do Bem.”

Em duas décadas, passei por diferentes fases. Na primeira, fui tratado como um romântico que tentava associar num mesmo conceito três instâncias inconciliáveis: negócios, sociedade e meio ambiente. Na segunda, como um bipolar que vivia o falso dilema entre ser lucrativo ou ser sustentável. E na terceira, como teórico de um discurso bem-intencionado mas utópico, sem relação com a realidade empresarial.

As últimas semanas me trouxeram, no entanto, a sensação de que não só não estou sozinho nessa jornada como entraram em cena, para valer, aliados importantes que jogavam na defesa, entre eles os investidores. Vamos aos fatos.

No último dia 19 de agosto, a Business Roundtable, associação empresarial norte-americana, lançou um manifesto assinado por 181 CEOs de companhias como Amazon, Apple, Coca-Cola, Novelis, AES e Pepsi, com uma mensagem clara e direta: além de lucro, empresas devem gerar valor para todos os seus stakeholders e bem-estar social para sociedade.

O documento, denominado Declaração sobre o Propósito de uma Corporação, estabelece um novo parâmetro em responsabilidade corporativa orientado por compromissos como os de entregar valor ao cliente, promover o desenvolvimento amplo, a diversidade e a inclusão dos colaboradores, atuar sob a influência de rigorosos princípios éticos e de transparência, proteger o meio ambiente e as comunidades e gerar valor de longo prazo.

Um mês depois, em meio ao debate global sobre as queimadas na Amazônia, uma ONG chamada Ceres, com 230 investidores e uma carteira global de US$ 16,2 trilhões, divulgou manifesto solicitando de empresas medidas urgentes contra o desmatamento das florestas tropicais “que desempenham papel crucial no combate às mudanças climáticas.”

Os investidores querem uma política de não desmatamento de comoditties, com compromissos e prazos e determinados cobrindo toda a cadeia de suprimentos, um sistema transparente de monitoramento e um relatório anual sobre exposição e gerenciamento de riscos.

Que o capitalismo tem virtudes e vícios não há nenhuma novidade. O novo é que a sustentabilidade tem sido uma espécie de guia de revisão dos vícios

Esta não foi a primeira grande manifestação pública pró-sustentabilidade de investidores. Nos começos de 2018 e 2019, Larry Fink, CEO da BlackRock, maior gestora de recursos de private equity do mundo (US$ 6,84 trilhões) escreveu uma emblemática carta aos CEOS das empresas que recebem investimento de sua companhia.

A mensagem, mais uma vez, não deixou dúvida: empresas sem propósito, que não estiverem atentas aos elementos que compõem o E.S.G (conjunto de medidas ambientais, sociais e de governança, em tradução livre para o português) vão ficar pelo caminho.

Note bem: não se trata de uma carta qualquer assinada por um líder qualquer. Mal comparando, é como se o Tim Cook, CEO da Apple, empresa com maior valor de mercado do mundo, escrevesse uma carta aos seus fornecedores e parceiros dizendo que a, partir de agora, a companhia só faria negócios com empresas que fossem certificadas em sustentabilidade.

Nesse intenso processo de revisão dos defeitos do capitalismo, tem surgido novos e importantes players em todo o mundo. Um deles é o Sistema B, movimento global que reúne empresas mais sustentáveis e que tem na brasileira Natura um dos seus principais protagonistas. No último dia 25 de agosto, o Sistema B saudou o manifesto das 181 empresas americanas com um anúncio no The New York Times dizendo: sejam bem-vindas e vamos ao trabalho!

O sistema B nasceu em 2006 nos EUA e já conta com 3 mil empresas certificadas em 64 países. No Brasil, há 4,4 mil em processo de certificação. É um movimento que cresce todo dia, assim como o do chamado capitalismo consciente, conceito criado em 2009 por Raj Sisódia e John Mackey, um dos fundadores do Whole Foods.

Pesquisas recentes apontam um aumento crescente dos chamados investimento sustentáveis, compostos por fundos de empresas vistas como mais prósperas, mais cuidadosas em relação às questões socioambientais. Em abril, a Aliança Global de Investimentos Sustentáveis estimou em US$ 30,7 trilhões o volume de dinheiro colocado em investimentos sustentáveis nos cinco maiores mercados do mundo. Houve um crescimento de 34% em apenas dois anos.

Estudo da Morningstar, divulgado em agosto, indicou que, no primeiro semestre de 2019, os fundos americanos orientados por critérios de sustentabilidade movimentaram US$ 8,4 bilhões contra US$ 5,4 bilhões em 2018. Segundo o mesmo levantamento, 34% dos fundos europeus sustentáveis incluíram-se entre os 25% mais rentáveis de sua categoria no último ano. Cerca de 63% estão entre os 50% de melhor retorno. Na prática, sustentabilidade significa cada vez mais retorno líquido e certo.

Os investidores brasileiros também estão atentos e conectados com o movimento global. Segundo a Anbima, quase nove entre dez (85%) gestores de fundos brasileiros consideram algum aspecto social, ambiental ou de governança na hora de investir recursos de sua carteira total de RS$ 2,79 trilhões.

Desde que a Bolsa de Valores de São Paulo, hoje B3, criou o ISE- Índice de Sustentabilidade Empresarial, em 2005, as empresas que o compõem tiveram uma valorização de 243% contra os 219% do Ibovespa. Os números são incontestáveis.

Sempre que perguntam as razões pelas quais o movimento pró-sustentabilidade estaria ganhando força mais recentemente, arrisco dizer que o novo quadro tem a ver com a ascensão dos millennials e a sua crescente pressão sobre os mercados.

Representantes de uma geração que nasceu já sob a ameaça das mudanças climáticas, a potencial escassez de recursos naturais e a crise ética e de valores nas empresas de todo o mundo, os millennials querem, podem, sabem que podem e estão fazendo mais. Representando 35% da força de trabalho do mundo, eles já se decidiram em que empresas querem trabalhar, comprar e investir: nas mais sustentáveis, com valores alinhados aos seus.

*Ricardo Voltolini foi um dos primeiros consultores de sustentabilidade empresarial no Brasil e especialista em liderança com valores. Autor de nove livros, entre os quais se destaca “Conversas com Líderes Sustentáveis – O que aprender com quem fez ou está fazendo a mudança para a sustentabilidade”, publicado pela Editora Senac São Paulo. É professor de Sustentabilidade convidado da Fundação Dom Cabral e do ISAE/FGV (Curitiba)

 

Siga o NeoFeed nas redes sociais. Estamos no Facebook, no LinkedIn, no Twitter e no Instagram. Assista aos nossos vídeos no canal do YouTube e assine a nossa newsletter para receber notícias diariamente.