Luiz Eurico Klotz, 57 anos, é agente musical, manager e produtor de eventos há mais de duas décadas. Já foi sócio de casas como Club B.A.S.E, U-Turn e Lounge. Também foi responsável por criar o festival de música eletrônica Skol Beats em parceria com a Ambev e trouxe o Tomorrowland para o Brasil. Mas agora terá de convencer o mercado financeiro de seu talento.
Ele criou uma empresa chamada Muzikizmo para comprar participações em direitos autorais de gravações e composições de artistas consagrados e de grandes promessas da música nacional. E, junto com a gestora Rosenberg Partners, está estruturando um Fundo de Investimento em Participações (FIP) que, segundo fontes de mercado, pode levantar até R$ 500 milhões.
“Com juro baixo, existe capital pujante e necessidade de buscar alternativas, diversificação”, diz Klotz ao NeoFeed. “Por causa da pandemia e da tecnologia, a música se torna um ativo financeiro definitivo”, diz ele. Trata-se também de um ativo que gera receita recorrente com royalties e direitos autorais, ainda mais na era do streaming.
Renato Soriano, sócio-fundador da Rosenberg Partners, está ainda conversando com bancos e plataformas abertas de investimentos para identificar o melhor modo de iniciar a captação. Pode ser via instrução 400, quando vai à Bolsa ofertando suas ações a um número ilimitado de investidores, ou a instrução 476, com número limitado de investidores profissionais.
“Acho que, no varejo, vai vender igual a pão quente. Ele é um produto que tem recorrência e apelo emocional”, diz Soriano. A Muzikismo pretende comprar participações em gravações, músicas e letras de artistas de todo tipo de gênero musical. “Estamos já conversando com muitos artistas”, diz Klotz, que não pode revelar os nomes porque assinou contratos de NDA.
Mas não pretende comprar mais do que 50% dos direitos autorais de cada artista. “Queremos ser sócios deles, não ser dono de tudo. É para que eles nos vejam como um parceiro que possa potencializar as receitas com as suas obras”, diz Klotz.
O empresário explica que cada acordo fechado é como um M&A. Por isso, a companhia já nasce com um experiente time especializado em fusões e aquisições, música e tecnologia. São nomes como o de Arthur Mesnik, ex-CFO da e.bricks Ventures e atual fundador da Acta Capital; e Claudio Silberberg, que foi fundador da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI).
Ainda estão na empresa, Gui Boratto, que trabalha com música eletrônica; Béco Dranoff, um dos grandes produtores brasileiros no exterior, indicado a um Grammy e a um Oscar; Fernando Chavarro, na parte tecnológica como advisor, que esteve no time que trouxe o Rappi ao Brasil; o agente de artistas Klaus Goulart, entre outros nomes de peso do mercado. Juntos, estão mapeando quem poderia entrar no catálogo da Muzikizmo.
Só em receita recorrente anual, estima-se que o mercado brasileiro movimente R$ 2,5 bilhões por ano
Trata-se de um setor bilionário. Só em receita recorrente anual, estima-se que o mercado brasileiro movimente R$ 2,5 bilhões por ano – o que inclui os royalties fonomecânicos das gravações, com a venda de CDs, músicas digitais; receitas distribuídas pelo ECAD por conta da execução pública em rádios, shows, bares, hotéis, séries, televisão, streaming; e sincronização, quando alia a música a uma marca em propagandas, games e filmes.
A tendência é a de que cresça ainda mais. De acordo com o report Music in the Air, produzido pelo banco americano Goldman Sachs, o mercado de streaming, que hoje concentra 65% das receitas em direitos autorais, vai saltar exponencialmente nos próximos anos.
Em 2020, havia 443 milhões de assinantes de serviços como Spotify, Deezer, Apple Music, entre outros. Até o fim de 2021, serão 527 milhões e, em 2030, este número será de 1,2 bilhão de pessoas. Deverá movimentar US$ 131 bilhões por ano no fim desta década.
Para capturar esses novos assinantes e até o público mais jovem, a estratégia da Muzikizmo passa por uma revisão dos catálogos. Mais do que comprar direitos musicais de artistas que já trazem receita recorrente, o plano é amplificar a capacidade de trazer receitas. Criar novas versões de uma consagrada música ou de um álbum está nos planos da companhia.
Klotz afirma que grandes nomes como Roberto Carlos, Caetano Veloso e outros ícones da música brasileira faturam há muito tempo com direitos autorais e continuarão faturando. Mas isso não impede que suas músicas possam ganhar novas versões. Um exemplo clássico disso foi o que aconteceu com os álbuns remixados de Rita Lee e Roberto Carvalho, que acabam de ser lançados.
“Ela passou de 1,5 milhão de ouvintes mensais no Spotify para 3,5 milhões simplesmente por um trabalho de renovação”, diz Klotz. E continua. “Talvez os jovens de 15 anos, 16 anos ou 18 anos só a conheçam por conta do trabalho de renovação que foi feito. Esse é um dos exemplos do que pretendemos fazer.”
As gravadoras, é verdade, já fazem esse tipo de trabalho. Mas, diante do tamanho de seus catálogos, muitas vezes não conseguem dar a mesma estrutura e atenção aos artistas. “Algumas, contam com mais de 60 mil obras para cuidar. É impossível fazer isso de forma igual”, afirma Klotz.
Outra estratégia que deve ser adotada para fazer com as músicas sejam mais tocadas é usar as redes sociais. “Vamos trabalhar todas as plataformas, TikTok, YouTube e outras”, diz Soriano. Assim como o streaming, as redes mudaram a indústria.
O fenômeno Fleetwood Mac
O exemplo mais notório disso é o que aconteceu com a banda banda Fleetwood Mac, em outubro do ano passado. De uma hora para a outra, a sua música Dreams do álbum “Rumours” viralizou. Tudo por conta de um despretensioso vídeo no TikTok.
Ele mostrava o americano Nathan Apodaca, que, depois de ter o carro enguiçado a caminho do trabalho, sacou o skate do porta-malas e gravou a si mesmo deslizando pela rua, bebericando um suco, escutando a música.
O vídeo virou uma febre na internet e catapultou a música, sucesso da década de 1970, novamente. Entre 24 de setembro a 19 de novembro de 2020, a música foi tocada 3,2 bilhões de vezes no streaming.
Em janeiro deste ano, a gravadora BMG anunciou a compra dos direitos autorais de Mick Fleetwood em mais de 300 gravações. Isso não quer dizer que a BMG tem direito a 100% das receitas das músicas. A companhia comprou a participação de Mick. O próprio álbum Rumours é da Warner Music Group. Ou seja, a BMG agora reparte o faturamento com a Warner.
Outros integrantes do grupo também aproveitaram a onda para embolsar algumas dezenas de milhões de dólares. A cantora e compositora Stevie Nicks vendeu uma participação de 80% dos seus direitos autorais por US$ 80 milhões para o fundo Primary Wave. Já o guitarrista Lindsey Buckingham vendeu a totalidade de seus direitos autorais para o Hipgnosis Fund.
Os dois fundos acima têm sido as faces mais visíveis de uma corrida que tem acontecido no mercado financeiro em busca de direitos autorais e catálogos que possam render milhões de dólares. Na semana passada, por exemplo, a Oaktree Capital Management anunciou a compra de uma participação minoritária no Primary Wave por US$ 375 milhões.
A Oaktree Capital Management anunciou a compra de uma participação minoritária no Primary Wave por US$ 375 milhões
O Primary Wave foi fundado, em 2016, pelo veterano executivo do setor, Larry Mestel, que fez parte do top management da Virgin Records. O fundo já fez duas captações desde então. Na primeira, em 2016, levantou US$ 300 milhões com investidores como BlackRock. Na segunda, em 2019, captou mais US$ 500 milhões. Hoje, conta US$ 1,5 bilhão em ativos sob gestão e um catálogo com alguns dos principais sucessos de ícones como Ray Charles, Bob Marley e Whitney Houston.
O Hipgnosis Songs Fund, por sua vez, foi criado pelo canadense Merck Mercuriadis, executivo com longa estrada no setor, ex-manager dos Guns N’Roses, Elton John, Morrissey e Pet Shop Boys. Com capital aberto na bolsa de Londres desde 2018, ele tem um valor de mercado de 1,3 bilhão de libras esterlinas e conta com um catálogo de artistas como Neil Young, Shakira e John Newman.
Em janeiro deste ano, o fundo de private equity KKR comprou a participação majoritária no catálogo de Ryan Tedder, vocalista da banda OneRepublic. O negócio saiu por US$ 200 milhões. Mas não só pelas canções feitas para a banda. Tedder escreveu músicas com Beyoncé, U2, Paul McCartney, Adele, Stevie Wonder e outros. Em abril, foi a vez da Blackstone comprar o eOne Music, da Hasbro, por US$ 385 milhões, e adquiriu um catálogo com Chuck Berry, The Lumineers, Snoop Dogg e outras dezenas de artistas.
Soriano, da Rosenberg Partners, diz que, em média, os fundos internacionais que compram esses tipos de ativos, rendem entre 6% e 7% ao ano. Pode não ser um rendimento tão vistoso, mas a vantagem é a recorrência. Dificilmente tem solavancos. A grande arte desse negócio, entretanto, é conseguir montar um catálogo de respeito.
Indagado pelo NeoFeed sobre o que levaria um artista consagrado, que já gera receita, a vender seus direitos, Klotz afirma que existem vários motivos. “Por que o Bob Dylan vendeu seus direitos para a Universal por US$ 300 milhões? Ele tem 79 anos, seis filhos, já ganhou muito dinheiro na vida. Para ele fez sentido”, afirma. “Tem gente que talvez não queira sentar na mesa com a gente, mas talvez outros queiram.”