Sob o impulso da epidemia de peste suína que reduziu pela metade o rebanho da China, os frigoríficos brasileiros bateram recordes de exportação em 2019, com 1,84 milhão de toneladas e um faturamento de US$ 7,59 bilhões. Com esse desempenho, essas empresas turbinaram a valorização do setor do agronegócio no mercado de capitais.
A Minerva Foods, dona de um faturamento de R$ 17,1 bilhões em 2019, foi um dos ativos que colheram os frutos desse cenário. Apoiada por uma estratégia que combinava a capilaridade da produção distribuída na América do Sul e o foco em exportações, a empresa já ensaiava uma escalada na B3. E, com a janela de oportunidade, viu seu valor de mercado subir 176% no ano, para R$ 5,14 bilhões, segundo a consultoria Economatica.
O início de 2020 trouxe mais um possível roteiro para o frigorífico ampliar sua fatia no mercado internacional quando incêndios atingiram a Austrália e colocaram em risco o fornecimento do país, terceiro maior exportador mundial de carne.
No fim de janeiro, no entanto, uma nova epidemia, que veio à tona na China, acendeu o alerta para a empresa. Pouco tempo depois, o surto, batizado de Covid-19, avançou pelo mundo, ganhou status de pandemia e desencadeou uma crise sem precedentes na economia global.
Assim como as companhias dos mais variados setores, a Minerva não ficou imune aos efeitos do coronavírus. Mas, passado esse momento inicial, o frigorífico começa a dar sinais de que está preparado para enfrentar a crise e se beneficiar de novas oportunidades trazidas nesse contexto.
“Nosso hedge é a diversificação geográfica”, diz Fernando Galetti de Queiroz, CEO da Minerva, em entrevista ao NeoFeed. Ele destaca os benefícios do modelo consolidado pela empresa nos últimos anos, a partir da produção distribuída entre Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai e Colômbia. “Temos flexibilidade e agilidade para mudar caso o consumo caia em um determinado canal ou região.”
Divulgado na última terça-feira, 28, após o fechamento do mercado, o balanço da companhia referente ao primeiro trimestre de 2020 reforça essa perspectiva. Entre janeiro e março, a Minerva apurou um lucro líquido de R$ 271,2 milhões, revertendo o prejuízo R$ 31,4 milhões no mesmo período do ano passado.
Entre janeiro e março, a Minerva apurou um lucro líquido de R$ 271,2 milhões, revertendo o prejuízo de R$ 31,4 milhões no mesmo período do ano passado
Na mesma base de comparação, a receita líquida cresceu 11,8%, para R$ 4,1 bilhões. Do faturamento contabilizado nesse intervalo, 68% dos ganhos vieram de exportações. Com o resultado, as ações da companhia fecharam o pregão da quarta-feira 29 com alta de 3,36%, avaliando a empresa em R$ 5,93 bilhões.
Em entrevista ao NeoFeed, Queiroz fala sobre os reflexos da Covid-19 na operação e em frentes como o comportamento de consumo. E traça boas perspectivas não apenas para a companhia, mas também para todo o setor. “O agronegócio será um dos motores para a retomada do País”, afirma. Confira:
Como a Minerva vem respondendo aos desafios dessa crise?
Quando se tem um problema muito complexo, é preciso fazer escolhas. Não há uma solução. Você ganha de um lado e perde do outro. E nós estamos vivendo, efetivamente, um problema dessa magnitude.
E quais foram as escolhas feitas pela empresa diante dessa situação?
Nosso negócio é intensivo em mão de obra. Como primeira medida, decidimos colocar em quarentena as pessoas do grupo de risco. Deixamos todos em casa, demos apoio, kit de alimentação e garantimos a renda que tinham, mesmo quem era horista. Nós também ampliamos a transparência e a comunicação, mostrando quais medidas estávamos tomando e a razão delas estarem sendo adotadas.
Você falou sobre perdas. A Minerva reportou uma redução nos abates de 15,9% no Brasil e de 11,4% em toda a operação no primeiro trimestre...
Nossa opção foi pela saúde. Reduzimos a velocidade, aumentamos o espaçamento e intensificamos uso de equipamentos de segurança nas fábricas. Com essas medidas, reduzimos a produção total, mas garantimos aos funcionários uma segurança muito maior. Além disso, instalamos medidores de temperaturas em cada uma das unidades, importamos 7 mil testes rápidos de Covid-19 e intensificamos os trabalhos nas comunidades onde estamos. Fizemos uma doação de R$ 10 milhões de alimentos de equipamentos, de testes, de UTI móvel, entre outras iniciativas. Não adianta o funcionário estar protegido dentro da fábrica se a comunidade no entorno estar exposta.
Existe alguma previsão de quando a produção retomará o volume pré-crise?
O novo normal é a produção reduzida. Nós paramos as fábricas para avaliar o impacto da crise e agora estamos readquirindo, gradualmente, produtividade. Mas, seguramente, não vai ser o mesmo volume de antes. Enquanto não surgir uma vacina, uma cura, a realidade da produção será, invariavelmente, menor.
E como a empresa está preparada para enfrentar essa realidade?
Nós nos beneficiamos muito de uma lógica que seguimos seis anos atrás, de diversificar nossa presença na América do Sul, que é a região no mundo onde se tem os melhores custos e vantagens competitivas para se produzir carne bovina. De negativo, existe a volatilidade das moedas, a parte sanitária, que muda de país para país, e a parte política. Mas nosso hedge é ter justamente essa diversificação geográfica.
Quais outros elementos sustentam essa estratégia?
Outro pilar fundamental é o foco na exportação. Temos 15 escritórios distribuídos nos principais países compradores, o que permite que estejamos muito perto das pontas consumidoras. No mercado interno, decidimos concentrar a distribuição no pequeno e médio varejo, e no food service. Com esses movimentos, nós unimos o fato de estar na plataforma mais eficiente de produção de carne bovina a uma capilaridade bastante grande na distribuição, seja nos mercados internos ou externos.
"Enquanto não surgir uma vacina, uma cura, a realidade da produção será, invariavelmente, menor"
Como esse modelo ajuda o frigorífico a reduzir os impactos de uma crise dessa magnitude?
Ele nos dá flexibilidade e velocidade na tomada de decisão. Esse foi um dos grandes pontos na execução da nossa resposta. Na estratégia, nossos fundamentos seguem os mesmos. O que muda é a tática. Você se adapta se movendo de uma geografia para a outra. Temos agilidade para mudar caso o consumo caia em um determinado canal ou região. O que nós fizemos, de início, foi mapear e focar nossas energias nos mercados que estavam sofrendo menos ou já em recuperação, como a China e o norte da Europa. E estamos mais focados em ter uma participação maior da exportação. Mas cada decisão é tomada semanalmente.
Por conta da crise?
Já trabalhávamos assim. O que mudou foi a frequência das reuniões. Temos um grupo que se reúne diariamente para avaliar o que está acontecendo em cada mercado e as questões regulatórias, que estão mudando muito rapidamente. Também estamos fazendo reuniões semanais com todos os países, trocando experiências, focando a preservação do capital de giro e o monitoramento da logística para garantir a execução do que está em andamento. E temos outro comitê onde olhamos para frente, buscando enxergar o que vai ser o mundo pós-crise, as mudanças que vão ser permanentes e quais delas vão exigir a reestruturação da nossa estratégia.
E quais tendências vocês já estão identificando?
Quem mais sofreu, o grande perdedor nessa crise até o momento foi o food service, no mundo inteiro. Em parte, ele foi substituído pelo varejo. E no varejo, o consumidor está tendo um comportamento diferente, comprando produtos mais básicos e cortes mais baratos. Esse consumidor está muito ligado na questão do preço, porque todos estão com receio do desemprego da redução de renda.
Você acredita que esse comportamento de consumo vai persistir no médio prazo?
Acho que esse trade down vai perdurar por um bom período. Vai depender de como as economias vão reagir e de quanto tempo elas levarão para voltar ao que chamávamos de normal. Pelo que estamos vendo, isso acontecerá com maior velocidade em países desenvolvidos e na China, onde o governo vem interferindo positivamente na economia, para dar mais liquidez. Temos que avaliar os países em desenvolvimento, onde se tem menos instrumentos para que o dinheiro chegue no pequeno e médio, na população carente, em quem efetivamente precisa. Nesse contexto, acredito que cada país vai estar mais focado naquilo que é efetivamente eficiente.
No caso do Brasil, qual será o papel do agronegócio nesse cenário?
Nós estamos ganhando espaço e somos eficientes em todas as commodities agrícolas, seja soja, milho, açúcar, café, laranja. O agronegócio será um dos motores para a retomada do País, para a volta à normalidade e para minimizar o tamanho do vale que vamos sofrer na nossa economia. Existem países que já passaram pelo pior da crise ou que sofreram menos. E esses mercados que já estão em recuperação passarão a ser uma oportunidade para nós aqui na América do Sul.
Como isso está se refletindo no segmento de carne bovina?
No primeiro trimestre, os Estados Unidos reabriram para a carne do Brasil, a Rússia para a carne da Colômbia e a Arábia Saudita para o Paraguai e o Uruguai. Já havia uma redução grande no rebanho da Austrália e a febre suína reduziu o rebanho chinês em mais de 50%. Agora, em função da Covid-19, a Índia diminuiu a produção de carne de búfalo e muitos funcionários das fábricas americanas foram contaminados, o que fez com que diversas dessas operações fechassem as portas. Isso leva um tempo para retomar. Esses fatores estão favorecendo a América do Sul.
O avanço da Covid-19 está contribuindo para derrubar algumas barreiras?
Há uma grande preocupação com o abastecimento, o que explica o fato de muitos países estarem trabalhando na redução de impostos de importação. Sem dúvida, o mundo vai precisar se ajudar mais. As restrições e barreiras sanitárias estão diminuindo. E mesmo que sejam medidas emergenciais, isso dá ao Brasil uma oportunidade única de prover alimento para todo o mundo, e não apenas carne bovina.
Em contrapartida, há algum empecilho para que o País aproveite essa janela?
O que impede o Brasil de fazer mais é o fato de que temos um sistema tributário bastante complexo de retenção de créditos, que são o capital de giro das empresas. As receitas estaduais são extremamente lentas na liberação desses recursos. Existem gargalos em logística também, mas eles exigem investimentos de médio e longo prazo, que estão no radar dos governos. Já as medidas de facilitação de obtenção dos créditos tributários, dentro das regras, podem ser tomadas de imediato.
A China é o principal destino dos produtos do agronegócio brasileiro. Como você avalia as polêmicas recentes criadas por ministros do governo federal e pelo deputado Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, envolvendo o país?
Eu não vou entrar em debates. Mas digo o seguinte: temos a Teresa Cristina, ministra da Agricultura, falando com bastante propriedade pelo setor. Ela sabe como é importante o País ter opções e um relacionamento comercial, independentemente de ideologia. Então, estou 100% fechado com a ministra dentro das declarações que ela tem dado.
"A ministra Teresa Cristina sabe como é importante o País ter opções e um relacionamento comercial, independentemente de ideologia"
Outra questão polêmica relacionada à crise é o isolamento horizontal. Como você se posiciona nesse debate? É possível tirar lições de outros países nos quais a Minerva opera?
É difícil comparar porque as realidades são diferentes. Um exemplo interessante de país que teve menos restrições é a Alemanha. Mas isso só foi feito com o governo garantindo 80% dos salários e com uma estrutura de saúde que, antes era criticada pela ociosidade, mas que agora tem se mostrado extremamente adequada para um surto. Cada país tem que acabar encontrando a sua fórmula.
E qual seria a fórmula para o Brasil?
É difícil opinar, pois não tenho dados para julgar. Mas talvez tenhamos a necessidade do isolamento por mais tempo. Acho que o caminho é ter protocolos mais rígidos, tanto municipais como estaduais, para garantir uma retomada das atividades com segurança, respeitando algumas regras e sempre olhando dados como disponibilidade de leitos e curva de contaminação para estabelecer se a abertura pode ser mais ou menos flexível em cada região.
Do ponto de vista da Minerva, a empresa tem caixa para suportar uma crise mais prolongada?
Fechamos o trimestre com uma posição de caixa de R$ 6,3 bilhões, o que nos dá liquidez. O setor passou por um período de consolidação muito forte e nós nos posicionamos como um dos consolidadores sem ter entes governamentais na nossa base de acionistas. Fomos ao mercado e nos alavancamos para estabelecer nossa expansão e a nossa diversificação geográfica em um processo que foi finalizado com as últimas aquisições, em 2017. Desde então, nossa meta foi desalavancar a operação e transformar a companhia em uma geradora de dividendos. Esse tem sido nosso guia.
Além dessa política de redução de dívidas e de preservação de caixa, quais são as outras prioridades?
Somos a única empresa no mundo do setor de carne bovina que tem o International Finance Corporation (IFC – braço do Banco Mundial para o setor privado) em sua base acionária, o que nos dá um carimbo de sustentabilidade. Queremos focar cada vez mais nichos especiais de mercado, que valorizam essa questão, especialmente nos países desenvolvidos. Somos fornecedores de clientes mundiais que querem se certificar de que estamos comprando gado em locais onde não houve desmatamento, onde não houve trabalho infantil. Então, o plano é nos diferenciar e mostrar que é possível produzir carne bovina respeitando o meio ambiente e as comunidades nas quais estamos inseridos.
Você acredita que essa abordagem será reforçada entre as empresas no pós-crise?
Com essa pandemia, nós estamos vendo que caminhar junto com o poder público, especialmente nas comunidades no seu entorno, é fundamental. Sem dúvida nenhuma, as empresas do futuro precisarão ter essa postura e essa consciência sobre as suas responsabilidades e sobre a importância de trabalhar de mãos dadas com o setor público.
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