A decepção com o pacote fiscal levou o dólar a superar a marca de R$ 6 pela primeira vez na história, acumulando uma alta de 25% neste ano frente ao real. No entanto, o pior cenário pode ainda estar por vir, na avaliação de Alfredo Menezes, sócio-fundador da Armor Capital e um dos principais gestores de câmbio do País.
“Estamos chegando a um patamar de juros que compromete a sustentabilidade da dívida. Isso é preocupante e pode reacender as discussões sobre dominância fiscal”, afirma Menezes, em entrevista ao NeoFeed.
Em um cenário de dominância fiscal, os efeitos da política monetária perdem força, o que pode levar o Banco Central a adotar taxas de juros ainda mais elevadas para controlar a inflação ou mesmo abrir mão desse objetivo para preservar a saúde da dívida pública.
“O que poderia fazer o dólar disparar é a desconfiança, um clima de dominância fiscal”, diz ele. “Não acredito que estamos tão longe disso.”
De acordo com as projeções da Armor Capital, o déficit nominal do Brasil deverá atingir 10% do PIB no próximo ano, o que poderia dobrar o valor total da dívida em menos de oito anos.
“Não falta muito para entrarmos [em um cenário de dominância fiscal]. Na verdade, já estamos caminhando nesse sentido. Para reverter essa trajetória, seria necessário discutir uma reforma administrativa e cortes de gastos mais severos”, defende Menezes.
No curto prazo, no entanto, Menezes acredita que o Banco Central terá condições de controlar a desvalorização do real por meio de uma política monetária mais agressiva.
Para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o mercado espera uma aceleração no ritmo de alta da Selic de 0,50 ponto percentual para 0,75 ponto percentual e 1,00 ponto percentual.
Segundo Menezes, qualquer movimento abaixo desse patamar pode reacender a pressão sobre o dólar. “Se nenhuma medida adicional for adotada no campo fiscal, a Selic pode chegar a 14,5%”, estima o gestor.
Além das reformas – nas quais Menezes demonstra pouco otimismo –, ele defende que uma eventual mudança na meta de inflação, atualmente fixada em 3%, poderia aliviar o cenário fiscal.
Os críticos da mudança argumentam que alterar a meta de inflação poderia deteriorar ainda mais as expectativas inflacionárias. Porém, para Menezes, essa pode ser a saída menos prejudicial.
“O que é pior: conviver com uma inflação um pouco mais alta ou enfrentar um problema com a dívida no futuro? Em um cenário de dominância fiscal, a deterioração das expectativas será muito mais severa do que no caso de uma alteração bem planejada da meta”, afirma ele.
Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista:
O dólar acima de R$ 6 tem surpreendido até mesmo as expectativas mais pessimistas do mercado. É um patamar que veio para ficar?
O último trimestre, sazonalmente, é um momento mais apertado para o fluxo de dólar no Brasil, por conta das remessas de dividendos para o exterior e pela redução nas exportações. Uma alta para R$ 5,80 é consequência desse fluxo. Já a alta para próximo de R$ 6,10 tem como principal fator o fiscal. O projeto decepcionou, não houve corte de gastos radicais, o que é normal em governos de esquerda. Estamos chegando a um patamar de juros que vai gerar um déficit fiscal nominal de 10% para o ano que vem. É um número que compromete a sustentabilidade fiscal e dobraria a dívida do país em 7,5 anos. Isso é preocupante e pode reacender as discussões sobre dominância fiscal.
Estamos longe de um cenário de dominância fiscal?
Não acho que estamos tão longe. Com um déficit nominal de 10%, os agentes vão se preocupar muito com a evolução da dívida. A solução fiscal sempre vai passar por um lugar: a inflação mais alta, que é a maior tributação. Não é à toa que o mercado precifica a taxa de juros em quase 15%. A história nos mostra que governos de esquerda não cortam gastos e mudam o patamar de inflação. Isso aumenta a arrecadação nominal, porque os preços sobem.
O argumento dos economistas que defendem a manutenção da meta de inflação é de que uma alteração pioraria ainda mais as expectativas de inflação. Considerando que uma meta mais alta permitiria um juro mais baixo, o saldo da mudança seria positivo para o Brasil?
Com o juro real em que estamos, o país não é solvente. Não adianta fazermos um “faz de conta”. Com um juro real de 7% e uma dívida de 74% do PIB, seria necessário 5% entre crescimento e superávit primário. Com o país crescendo 3%, precisaríamos de um superávit de 2%. Mas ainda temos déficit primário. O que é melhor: uma inflação mais alta ou um problema com a dívida lá na frente? Essa é a balança. Os medalhões da economia têm esse ponto de vista, de que a mudança pioraria as expectativas. Mas, se formos para um clima de dominância fiscal, a expectativa seria muito mais deteriorada do que se a meta fosse ajustada.
"Os medalhões da economia têm esse ponto de vista, de que a mudança pioraria as expectativas. Mas, se formos para um clima de dominância fiscal, a expectativa seria muito mais deteriorada"
Quanto tempo deve demorar para esse dólar mais forte bater na inflação?
Normalmente, demora entre seis e nove meses para impactar a inflação. Até acredito que, no primeiro trimestre, o dólar possa voltar para R$ 5,80 ou R$ 5,70, com a entrada da exportação de grãos. Mas o Banco Central e os agentes econômicos já consideram o dólar em torno de R$ 6. Provavelmente veremos as projeções de inflação no Focus subindo. Não é à toa que os agentes esperam uma alta de 75 ou 100 pontos-base na próxima reunião do Copom.
Entre a alta de 75 e 100 pontos-base, qual é mais provável?
Acredito que o mais provável seja 75 pontos-base, ainda que o ideal fosse uma alta de 100 pontos-base. Porém, imagina a pressão sobre o Roberto Campos se ele subir 100 pontos-base na sua última reunião do Copom. Sempre defendi um ajuste mais rápido na alta de juros, porque isso tende a resultar em uma taxa terminal menor. É melhor do que subir aos poucos. Mas acelerar de 50 pontos-base para 100 pontos-base seria uma mudança muito drástica, e não vi o BC sinalizar que pretende aumentar tanto o ritmo. Por isso, aposto em 75 pontos-base. Até porque, se for só 50 pontos-base, o real deve se desvalorizar ainda mais.
Para este ciclo de alta, é possível chegar a 15%, como o mercado precifica?
Estamos trabalhando com a expectativa de uma taxa final de 14,5%, caso não seja feito mais nada no lado fiscal. Se o mercado acredita em 14,5%, ele precifica 15% no pré-fixado. Isso acontece porque, devido ao descasamento entre ativo e passivo no Brasil, a oferta de títulos pré-fixados vem de arbitradores, que geralmente exigem um prêmio de cerca de 50 pontos-base acima de suas expectativas para a curva de juros.
Esse juro é suficiente para segurar o câmbio ou devemos ver o dólar muito acima de R$ 6,10?
Acredito que não [deve ultrapassar muito R$ 6,10], a menos que ocorra um clima de dominância fiscal muito forte. Se entrarmos nesse clima, será muito difícil que apenas a alta de juros seja suficiente para segurar o dólar.
"Hoje, o melhor termômetro do risco do país é a curva pré-fixada longa, que tem mostrado que o mercado não acredita no ajuste fiscal"
O externo tem influenciado o câmbio no Brasil, com o mercado reduzindo as expectativas de cortes de juros nos Estados Unidos?
Está claro que o dólar será uma moeda forte em um cenário com Trump, principalmente porque ele tende ao protecionismo, aumentando tarifas de importação. Além disso, Trump tem um viés mais liberal, o que deve gerar um crescimento econômico mais robusto nos Estados Unidos. Isso pode levar a juros médios mais altos por lá, fortalecendo o dólar especialmente frente às moedas do G7. No entanto, eu diria que esse não é o principal vetor da desvalorização do real. Acredito que o fiscal tenha tido um impacto maior. Basta comparar a desvalorização do real com as principais moedas emergentes. O que poderia fazer o dólar disparar é a desconfiança: um clima de dominância fiscal. Hoje, o melhor termômetro do risco do país é a curva pré-fixada longa, que tem mostrado que o mercado não acredita no ajuste fiscal.
O que falta para entrarmos no clima de dominância fiscal?
É um tema sobre o qual não gosto muito de falar, porque parece que sou o "vendedor do apocalipse". Mas não falta muito para isso acontecer. Na verdade, já estamos caminhando nesse sentido. Para reverter essa trajetória, seria necessário discutir uma reforma administrativa e cortes de gastos mais severos.
Como vocês estão posicionados?
Estamos bem defensivos no Brasil, tomado em juros longos nominais, porque vejo a solução passando pela inflação média mais alta. Com a eleição em 2026, dificilmente haverá política de corte de gastos.
Não há mais expectativa, agora só com um eventual novo presidente em 2026?
Sim, é o que eu acho.