Um dia depois do governo do presidente americano Donald Trump remover o tarifaço extra de 40% para exportação aos EUA de 238 produtos brasileiros, setores beneficiados com a medida – como os de carne e café, apontados como responsáveis pelo recuo de Trump – respiraram aliviados e começaram na sexta-feira, 21 de novembro, a traçar uma estratégia com duas finalidades.
A primeira, e mais importante, é recuperar os clientes americanos que foram buscar alternativa às importações brasileiras em outros países. A segunda, menos complexa, busca reorganizar o plano logístico para retomar as exportações para os EUA o quanto antes.
A boa notícia é que, por terem grande mercado nos EUA, os exportadores de café e de carne bovina não devem ter dificuldade de retomar as exportações no médio prazo num volume próximo ao que mantinham antes do tarifaço.
Talvez seja necessário refazer contratos, passando a incluir cláusulas protetivas referentes a medidas protecionistas – em caso de recaída da política tarifária trumpista.
De acordo com especialistas consultados pelo NeoFeed, essa retomada de portfólio de clientes americanos deve levar mais tempo aos exportadores do que restabelecer a logística de exportação – que, em tese, é possível normalizar em uma semana.
Os produtos recentemente isentos representaram cerca de 11% das exportações brasileiras para os EUA em 2024, US$ 4,4 bilhões, segundo cálculos da XP Investimentos. Como resultado da atualização, 55,4% dessas exportações estão agora isentas da tarifa adicional de 40%, em comparação com 44,6% sob a medida inicial publicada em 30 de julho.
De agosto a outubro, o volume médio de mercadorias exportadas do Brasil para os EUA, ajustado sazonalmente, caiu 22,7% em comparação com a média enviada entre janeiro e julho. No entanto, essas perdas foram amplamente compensadas por exportações mais fortes para outros mercados.
Foram os casos de produtos como o café e a carne bovina, que passaram a ampliar a pauta de exportações para países como China, União Europeia, México e países da África e do Golfo Pérsico.
A sensação de alívio desses dois setores ajudou a compensar a dor pelo prejuízo acumulado ao longo de quase quatro meses por estarem fora do mercado americano e ainda deixou um gosto de vingança contra Trump - obrigado a revogar o tarifaço pelo impacto causado por esses dois produtos na inflação americana.
A xícara de café custa 20% a mais do que há um ano nos EUA, quando o então candidato Trump prometeu que os preços dos alimentos cairiam. A carne moída também teve aumento elevado, de 15% - nos dois casos, o grosso do aumento veio após a imposição do tarifaço de 40%.
Aproximadamente, 16% do café brasileiro é destinado aos Estados Unidos, que não produzem no país e compram do Brasil 34% da quantidade de café que importam anualmente.
O prejuízo dos exportadores brasileiros durante o período de sobretaxação de 40% foi de US$ 600 milhões. As importações de café brasileiro pelos EUA caíram 51,5% no acumulado entre agosto e outubro, na comparação com o mesmo período de 2024,de acordo com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).
As exportações totais de café, incluindo para outros países além dos EUA, tiveram uma queda de 20% em outubro na comparação com o mesmo mês em 2024. Foram 4 milhões de sacas ante 5 milhões no ano anterior. Apesar da queda em volume, a receita cresceu 12,6% no mesmo período, somando US$ 1,6 bilhão.
A sobretaxa americana sobre a carne bovina brasileira fez o setor amargar prejuízo de R$ 700 milhões com a queda de vendas ao país, de acordo com a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo).
Mesmo com as perdas, as exportações para outros mercados sustentam o desempenho recorde este ano. A queda estimada pela Abrafrigo considera a redução de 36,4% nas vendas totais de carne e subprodutos bovinos para os EUA entre os meses de agosto e outubro.
Retomada
A conquista de novos mercados não ilude os exportadores brasileiros – os EUA ainda são indispensáveis e, apesar da instável política tarifária de Trump, o objetivo é retomar o quanto antes o comércio com os americanos.
“Agora, o momento é de, com a competência e eficiência da cadeia de café, reconquistar os espaços nos blends do mercado americano”, afirmou o CEO do Cecafé, Marcos Matos. “Com isso, não deixamos o concorrente fazer relação comercial de longo prazo com os nossos importadores.”
Do ponto de vista logístico, a tarefa não será complicada. Jackson Campos, diretor da AGL Cargo e especialista em comércio exterior, afirma que em uma semana é possível retomar os embarques de exportação para os EUA.
“Há disponibilidade de navios e de agenda em portos em prazo tão curto porque os envios para os EUA reduziram durante o tarifaço, mas os navios continuaram operando normalmente”, diz Campos. “Basta voltar a solicitar os bookings, pois os navios continuam lá e são semanais”, acrescenta.
Segundo ele, não deverá ocorrer aumento de tarifas com as empresas marítimas por causa do cancelamento dos envios anteriores: “No geral, são mais contratos spot, de curtíssimo prazo, do que os de longo prazo; com uma ou outra exceção, não há multa por não embarcar.”
André Aidar, sócio e head de Direito do Agronegócio no escritório Lara Martins Advogados, de Goiânia (GO), porém, adverte que a insegurança jurídica causada pelo tarifaço tende a gerar mudanças contratuais na relação entre exportadores brasileiros e clientes americanos.
Segundo ele, com a imprevisibilidade intensificada no segundo mandato de Trump, os setores de café e de carne bovina tendem a adotar contratos mais cautelosos e proativos.
“Cláusulas para eventos atípicos e mudanças rápidas de cenário devem ganhar espaço, elevando custos de transação e, potencialmente, os preços finais dos produtos enviados aos EUA em comparação a mercados com maior segurança jurídica”, adverte Aidar.
O especialista explica que, em casos de impacto extraordinário (como tarifação súbita), contratos frequentemente permitem renegociação ou rescisão com base numa cláusula chamada de onerosidade excessiva. “Muitas disputas são resolvidas por câmaras de arbitragem internacionais para evitar rupturas que prejudiquem cadeias globais de suprimento”, diz.
Mesmo assim, Aidar prevê que a normalização das operações para esses produtos é esperada nas próximas semanas. “A competência de negociação do agro brasileiro, somada à disposição de importadores americanos, favorece recomposição de clientes”, acredita.
Aidar adverte, porém, para novas investidas de Trump. “O alívio tributário pode ser compensado por exigências mais duras, com substituição de tarifas por barreiras técnicas, sanitárias e ambientais, dificultando o acesso, o que vai exigir vigilância, conformidade e estratégia regulatória dos exportadores brasileiros”, avisa.