A volta de Donald Trump à Casa Branca deverá aumentar inflação interna nos Estados Unidos, reduzir o crescimento global e causar um reordenamento nas relações entre blocos comerciais devido ao provável acirramento da briga dos Estados Unidos com a China, o que poderá beneficiar o Brasil.

Essas e outras previsões sobre os efeitos da vitória de Trump na eleição presidencial americana – algumas surpreendentes – são de Christopher Garman, diretor executivo para as Américas da consultoria de risco político Eurasia.

Garman abordou o que a gestão Trump deverá causar tanto nos EUA como no cenário geopolítico global a partir de janeiro durante participação no Itaú Views, podcast do time de Research do Itaú BBA, que foi ao ar nesta segunda-feira, 18 de novembro, e do qual o NeoFeed selecionou alguns trechos.

No bate-papo com Marcelo Serrano, analista de research para pessoa física do Itaú BBA, Garman elege o acirramento da guerra comercial entre EUA e China, país que está com crescimento econômico baixo e depende de exportações, como o tema que mais deverá causar tensão pelas mudanças que podem trazer ao cenário geopolítico, incluindo nas guerras em curso.

Ele cita o exemplo da União Europeia, que está preocupada não apenas com a eventual sobretaxa de suas exportações para os EUA, como com o corte de financiamento militar para a Otan, prometido por Trump.

Com isso, a guerra comercial pode levar não só a UE como outros países a aproveitar essa disputa EUA-China para jogar nos dois lados, tentando alguma barganha. É aí que o Brasil pode ser beneficiado com esse movimento global de buscar alternativas às tarifas mais elevadas de importação dos EUA.

“A União Europeia, particularmente a Alemanha, está muito interessada em firmar um acordo comercial com o Mercosul, é possível sair um anúncio na reunião de cúpula dos dois blocos, que vai ocorrer em 20 de dezembro, em Montevidéu”, diz Garman, lembrando que o agro brasileiro também poderá se beneficiar de mais exportações com aumento da guerra comercial dos EUA com a China.

Quando assumir a Casa Branca, em janeiro, beneficiado com a maioria obtida no Congresso, o diretor da Eurásia espera um Trump com menos freios do que no seu primeiro mandato para impor sua agenda econômica, baseada em três eixos: protecionismo, política anti-imigratória e expansão fiscal, que tendem a alimentar a inflação interna nos EUA, fortalecer o dólar e reduzir o crescimento global.

“A má notícia para o Brasil é que as moedas de mercado emergentes, como o real, devem se desvalorizar e, se isso ocorrer, é claro que coloca dificuldades na capacidade da política monetária brasileira de reduzir juros, pois um ambiente global mais adverso deverá impactar nos fluxos de investimentos e na política econômica brasileira, que vive esse cenário de incerteza fiscal”, adverte.

Aumento de tarifas

O protecionismo de Trump, segundo Garman, virá forte. Apesar de o republicano prometer impor tarifas de 60% às importações chinesas e de 10% às dos demais países (a taxa média de tarifas de importação dos EUA hoje é de 11,3%), o analista afirma que dificilmente o pacote será completo.

“Na Eurasia, acreditamos que a tarifa de importação chinesa pode subir para 20% ou 30% e a tarifa de 10% linear dever ser implementada de forma mais faseada”, afirma. Ele espera o mesmo em relação à política de imigração, pois a promessa de campanha de deportar os 11 milhões de imigrantes ilegais é impossível de ser cumprida.

Por isso, aposta num “índice de deportação factível” bem menor, entre 1 milhão e 1,5 milhão de ilegais. Citando estudo do Instituto Pierce, a deportação de 1,3 milhão de imigrantes pode levar a um aumento da inflação de mais de 1% e também a uma queda do PIB dos EUA de 1,8% em três anos.

Garman destaca outro ponto da agenda econômica de Trump: a expansão fiscal, resultado da redução de impostos para empresas e aumento de arrecadação com importações. “Os mercados estão reagindo bem porque também esperam mais desregulamentação, o que é positivo para o ambiente de negócios”, diz.

O analista afirma que, apesar do propalado avanço da extrema direita na eleição dos EUA, a vitória de Trump deve ser atribuída mais a fatores econômicos causados pelos efeitos da inflação pós-pandemia do que a uma onda conservadora que estaria varrendo o mundo.

Ele observa que a inflação nos EUA chegou a 9% ao ano em 2022, elevando o preço dos produtos. Embora a inflação já tenha caído e o país continue com forte crescimento e desemprego baixo sob o governo Joe Biden, pesquisas indicaram que a principal preocupação nos estados-pêndulos, que decidiram a eleição, era o custo de vida.

“A inflação é um calcanhar de Aquiles de qualquer governante, foi esse o tema levou candidatos do governo em eleições na Europa, Índia e África do Sul a sofrerem reveses”, diz, ao reforçar seu argumento de que razões econômicas se sobrepuseram às ideológicas na eleição dos EUA.

Garman também surpreendeu ao abordar suas expectativas em relação aos dois grandes conflitos atuais, no Oriente Médio e na Ucrânia: “Diria que os riscos de um escalonamento mais global de ambas as guerras permanecem improváveis com Trump na Casa Branca”, afirma.

Segundo ele, o Irã não deve empreender uma ação militar que leve Israel a atacar instalações de petróleo ou do programa nuclear iraniano em represália: “Clifford Kupchan, chairman do Eurasia, tem mantido contato com autoridades iranianas e o que ele tem dito é que o Irã respeita profundamente o poder bélico americano e não deseja uma guerra mais ampla.”

Quanto à Rússia, Garman não tem dúvida de que o presidente Vladimir Putin saiu fortalecido com a vitória de Trump, que deixou claro que não pretende financiar militarmente a Ucrânia nem manter a promessa de Biden de defender o princípio da integridade do território ucraniano.

“Trump, que fala em terminar com a guerra em 48 horas, deve propor um acordo que respeite os ganhos territoriais de cada lado, ou seja, em 2025 deveremos ter uma corrida dos russos para tentar obter uma maior fatia territorial da Ucrânia para tentar negociar algum tipo de acordo nesse sentido, à revelia dos aliados dos EUA na Europa”, diz.

Nesse cenário que mistura aumento do protecionismo americano, dólar forte, redução de crescimento econômico global e eventual escalada na guerra da Ucrânia, o diretor da Eurasia conclui com outra advertência ao Brasil.

“O impacto dessas políticas deve começar a ficar claro no final do ano que vem, véspera da eleição presidencial de 2026, por isso diria que a vitória de Trump vai dificultar a vida do presidente Lula em 2026”, prevê Garman. “Mas não devido a uma onda ideológica, mas por gerar um ambiente global mais adverso para países como o Brasil.”