O Mercado Livre tem ambições e preocupações incomuns para empresas do varejo tradicional. Uma delas é ganhar a disputa pela principalidade para se tornar a principal ferramenta de serviços financeiros para seus clientes.
Alguns avanços dessa estratégia foram apresentados no balanço do terceiro trimestre, o primeiro em que o cartão do Mercado Pago foi o mais utilizado em compras no Mercado Livre no Brasil.
A soma das operações comerciais e financeiras resultou em uma receita líquida de US$ 7,4 bilhões, uma alta anual de 39%, enquanto o lucro operacional subiu 30% e fechou em US$ 724 milhões. Já o lucro líquido teve uma ligeira alta de 6%, encerrando em US$ 421 milhões.
Richard Cathcart, diretor de RI do Mercado Livre, conta que a maior relevância do cartão foi impulsionada pelas vantagens concedidas dentro do marketplace, como a possibilidade de parcelar em mais vezes sem juros.
“Conforme o e-commerce vai ganhando importância e as pessoas compram mais no Mercado Livre, o benefício de poder acessar mais parcelas cresce. Isso é muito poderoso”, diz Cathcart ao NeoFeed. A carteira de cartões de crédito aumentou 104% em relação ao mesmo período do ano passado, para US$ 4,8 bilhões.
O Mercado Livre encerrou o trimestre com US$ 16,5 bilhões em volume de vendas brutas (GMV), uma alta de 28% em dólar e de 35% em bases neutras de câmbio. A receita líquida em e-commerce foi de US$ 4,2 bilhões, um crescimento de 33% em dólar. O faturamento líquido da fintech foi de US$ 3,2 bilhões, um aumento de 49% em dólar.
Mas não é só dentro do próprio marketplace que o cartão de crédito do Mercado Pago tem ganhado espaço. Neste trimestre, a companhia informou pela primeira vez que a maior parte do volume total de pagamentos gerados pelo cartão de crédito é feita fora do marketplace.
No último trimestre, a fintech movimentou um total de US$ 71 bilhões em pagamentos, sendo US$ 47,7 bilhões via adquirência, que representa todos os pagamentos processados e liquidados via Mercado Pago, tanto no marketplace quanto fora dele.
“Isso é um sinal muito positivo, porque queremos que as pessoas usem o cartão para o dia a dia. Queremos que seja o melhor cartão possível para comprar no Mercado Livre, mas também para comprar gasolina, ir ao supermercado ou à farmácia”, diz ele.
Para incentivar o uso do cartão além das compras online, a empresa firmou parcerias para que o cliente ganhe cashback em Meli Dólar em compras realizadas com o cartão Mercado Pago no McDonald's, 99 ou nos postos Petrobras. O cashback é de 2% a 10% e restrito a assinantes do programa de benefícios Meli+.
A estratégia, que é semelhante à adotada por outras fintechs, como o Nubank, começou em agosto e — ainda que em estágio inicial — é vista como uma propulsora desse maior uso do cartão fora da plataforma. “São incentivos que melhoram muito a proposta de valor do cartão de Mercado Pago.”
Embora não revele qual o percentual de clientes que utilizam o Mercado Pago como principal cartão de crédito, a companhia afirma ter ganhado 8 pontos percentuais no quesito principalidade, na comparação anual. Os números, segundo o diretor de RI, foram feitos a partir de pesquisas com clientes.
Ao fim do terceiro trimestre, a fintech do Mercado Livre tinha 72 milhões de usuários ativos, 29% acima do mesmo período do ano passado. O aumento da carteira de crédito total foi de 83% no ano contra ano, para US$ 11 bilhões, enquanto os ativos sob gestão subiram 89%, para US$ 15,1 bilhões.
Com o amadurecimento das operações de cartão de crédito no Brasil e México, onde iniciaram em 2021 e 2023, respectivamente, o Mercado Pago, agora, quer impulsionar o produto na Argentina, sua terra natal, onde foi lançado em agosto.
Apesar da baixa penetração dos cartões de crédito na Argentina, onde menos de 40% da população tem cartão de crédito, Cathcart afirma estar confiante, devido à grande base de usuários da fintech no país, com mais de 60% da população cadastrada na plataforma – atraída pela conta remunerada e sistema de pagamentos.
“Temos uma base muito grande e muito engajada na Argentina. Então, estamos bem animados com os planos para o cartão. Acredito que seja uma das peças finais que precisamos para o nosso usuário poder dizer ‘eu não preciso ter nenhum relacionamento com um banco tradicional’.”
O poder do frete grátis
Outra estratégia que teve início no Brasil e pode ser exportada para outras regiões de atuação do Mercado Livre é a redução do valor mínimo para frete grátis. Por aqui, o programa foi lançado em junho, com compras a partir de R$ 19 liberando entrega gratuita, ante o valor anterior de R$ 79.
O programa, que iniciou no segundo trimestre com aumento de gastos em marketing, derrubou a margem de lucro da empresa, que segue pressionada, em 5,7% — uma queda de 2 pontos percentuais em relação ao trimestre anterior. A empresa, no entanto, acredita que esse é um efeito passageiro e segue confiante com a estratégia.
O terceiro trimestre foi o primeiro completo com a redução do valor mínimo para entrega gratuita e os resultados têm animado a direção da companhia. “O impacto foi muito positivo. Atingimos recordes de frequência de compra, conversão de vendas e retenção. Então, os resultados são impressionantes”, disse Cathcart.
O executivo afirma ainda que a redução do valor mínimo para frete grátis foi fundamental para acelerar o crescimento do GMV em dólar no país, que saltou de uma alta anual de 18% no segundo trimestre para 36% no terceiro, além de ter impulsionado o número de compradores únicos no Brasil, que aumentou 29%, e itens vendidos.
“As pessoas estão comprando com mais frequência no Mercado Livre. Passaram a comprar itens abaixo de R$ 79, que talvez não fossem comprados. Isso também trouxe novos compradores e reativou uma base que não estava comprando com recorrência.”
Cathcart afirma que, além de impulsionar a receita, as novas regras de frete grátis tiveram grande contribuição na redução, na comparação trimestral, de 8% em reais nos custos de envio por produto no Brasil. Isso, segundo ele, foi possível graças à otimização dos polos de distribuição.
“Devido à maneira como os pedidos evoluem ao longo da semana, as sextas-feiras não são tão corridas no centro de distribuição. Então, conseguimos usar esse dia para fazer as entregas dos itens vendidos abaixo de R$ 79 com frete grátis. Conseguimos usar capacidade ociosa em todas as partes da nossa malha logística”, diz.
Apesar do otimismo com os resultados da estratégia, o executivo afirma que ainda é cedo para replicar em outras regiões. “Não temos exatamente a mesma proposta de valor em todos os mercados. Foram só quatro meses no Brasil. Acho que precisa de um pouco mais de tempo antes de pensar se valeria a pena fazer isso em outros mercados ou não.”