Em um mercado onde apenas duas novas licenças de Sociedade de Crédito, Financiamento e Investimento (SCFI) foram concedidas em 12 meses para Magalu Pay e Kanastra, a Multiplike acaba de se tornar a terceira empresa a receber essa autorização do Banco Central.
As SCFIs são mais conhecidas como financeiras e passam a ter uma nova regulamentação a partir de setembro. O Conselho Monetário Nacional atualizou as normas (estavam em vigor desde 1959) e essas empresas, além de poder captar via CDBs e letras financeiras, poderão fazer via Operações Estruturadas (COEs) e recursos no exterior.
"Estamos bem posicionados no mercado de capitais com uma securitizadora que é uma das maiores do Brasil em FIDC multicedente e multisacado e temos três FIDCs que performam muito bem”, diz Volnei Eyng, fundador e CEO da Multiplike ao NeoFeed.
“Mas faltava a instituição financeira para termos competitividade tributária e usar diferentes 'gavetas' conforme a necessidade", complementa.
A decisão está diretamente ligada ao custo de captação. Atualmente, a Multiplike capta em torno de R$ 3 bilhões por mês e paga 120% do CDI. Com a licença SCFI, a expectativa é reduzir esse custo para 100% do CDI através de LCIs e LCAs, gerando uma economia mensal estimada entre R$ 5 milhões e R$ 6 milhões.
A nova estrutura também proporcionará importante diversificação de fontes. Além dos R$ 3 bilhões mensais captados via mercado de capitais, a Multiplike poderá acessar outros tipos de funding.
"Com o Fundo Garantidor de Crédito, normalmente uma pequena instituição financeira capta entre 95% e 98% do CDI. Teremos diminuição significativa do custo de funding e importante pulverização de fontes", diz Eyng.
De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários, a Multiplike detém R$ 3,7 bilhões entre gestão de recursos e estruturação de operações de securitização, o que a coloca na segunda colocação entre os maiores FIDCs multicedente e multisacado do País.
A transição para uma financeira não é apenas uma mudança de categoria regulatória. Ela representa um investimento em infraestrutura tecnológica e de segurança.
A Multiplike comprometeu R$ 15 milhões apenas nos contratos iniciais de segurança da informação e sistema de gestão. A empresa escolheu a mesma plataforma utilizada pelo C6 Bank.
Essa modernização tecnológica é fundamental para o posicionamento estratégico da empresa. Enquanto os FIDCs oferecem personalização e agilidade, as instituições financeiras possuem vantagens em experiência do usuário e funcionalidades, algo que a Multiplike pretende incorporar ao seu modelo de negócios.
Além da óbvia redução de custos de captação, a licença SCFI resolve diversas dores operacionais que impactavam diretamente a experiência do cliente. Por exemplo, a Multiplike utiliza a BMP com banking as a service, o que, segundo o CEO, gera desconforto aos clientes quando veem o número bancário de terceiros em suas transações.
"Mesmo enviando boleto ou duplicata mercantil com nosso nome, o número do banco não era nosso. O cliente via no DDA o nome da BMP e isso gerava desconforto", diz Eyng.
Com a estrutura própria, a verticalização permitirá reduzir custos, melhorar a competitividade e entregar uma experiência diferente ao cliente final.
A ambição da Multiplike é liderar uma transformação no mercado de crédito corporativo brasileiro. Com foco específico em agronegócio e mercado imobiliário, a empresa pretende aproveitar o momento de mudanças tributárias para oferecer condições mais competitivas que os bancos tradicionais.
"Somos o maior parceiro financeiro de crédito de muitas empresas hoje. Nossa missão é desbancarizar o crédito das médias e grandes empresas, assim como o Nubank fez com pessoas físicas e a XP com investimentos", afirma o CEO.
Com 26 anos de atuação e posição de destaque no segmento de FIDC multicedente e multisacado, a Multiplike não se vê como uma startup em busca de legitimidade no mercado.
Diferentemente de muitas fintechs que migram completamente para o modelo bancário, a Multiplike quer adotar uma estratégia híbrida. A empresa manterá todos os negócios atuais - securitizadora, três fundos e parceiros existentes - enquanto escala gradualmente a instituição financeira.
"Não vamos substituir nada. Vamos escalar a instituição financeira mantendo os parceiros atuais e o negócio atual. O foco permanece em crédito para médias e grandes empresas, isso não mudará", diz Eyng.
Fator para aprovação
A estratégia de crescimento está alinhada com um planejamento apresentado ao Banco Central, que projeta crescimento mais acelerado na instituição financeira do que no mercado de capitais ao longo dos próximos cinco anos. Embora os detalhes específicos das metas não possam ser divulgados, o CEO afirma que existe um cronograma para expandir a participação de mercado.
A aprovação da licença SCFI para a Multiplike acontece em um momento delicado do mercado financeiro brasileiro. O BC tem se mostrado extremamente rigoroso nas concessões, especialmente após problemas recentes envolvendo vazamentos de informações sensíveis, do PIX a casos de lavagem de dinheiro em sociedades de crédito direto.
"Pegamos uma época de vazamento das SCDs, problemas com PIX, casos de lavagem de dinheiro. O Banco Central está extremamente exigente, então até é surpresa nossa autorização sair neste momento tão delicado", diz Eyng.
O executivo atribui o sucesso da aprovação a três fatores fundamentais que o Banco Central avalia: capacidade econômica do controlador, projeto consistente para os próximos cinco anos, e conduta ilibada dos envolvidos.
O cronograma de implementação prevê cinco a seis meses para que a nova instituição financeira comece efetivamente a atender clientes. Durante esse período, a Multiplike precisará cumprir diversas exigências burocráticas do BC, implementar mudanças de governança interna e estabelecer as sinergias operacionais necessárias.
Uma mudança simbólica importante será a alteração do nome corporativo. Pela legislação da autarquia, a instituição financeira do conglomerado deve dar nome ao grupo todo, então a Multiplike se tornará Banco Multiplike nos próximos seis meses.