A partir de um leque crescente de negócios derivados da cana de açúcar, a Cosan ergueu um império composto por ativos como Raízen, Rumo, Radar, Moove e Compass. E que, levando-se em conta apenas as operações listadas em bolsa, tem um valor de mercado somado de mais de R$ 86 bilhões.

Nos últimos anos, porém, o grupo de Rubens Ometto fincou os pés em outro espaço, que também vem se mostrando bastante fértil: o mercado de gás. Ainda pouco falada, a mais nova aposta da holding nessa fronteira é a Edge.

Lançada no início de 2024 e movida por combustíveis que impulsionam a descarbonização e a transição energética, a empresa acaba de assinar seu contrato de maior fôlego, com duração de quatro anos e início de operação em janeiro de 2025.

O acordo envolve 12 fábricas da Saint-Gobain, da Cebrace e da Pilkington em São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina, respectivamente. Com a oferta via mercado livre de 580 mil metros cúbicos diários, o contrato é o primeiro da Edge na indústria de vidros. E o primeiro a incluir, além do gás natural, o biometano.

“Esse é o nosso maior contrato de mercado livre”, diz Demétrio Magalhães, CEO da Edge, ao NeoFeed. Veterano de Cosan, o executivo tem passagens por Raízen e Compass, e acaba de completar 13 anos na holding. “Ele passa por toda nossa a tese”.

Outro dado, que ainda não inclui o novo contrato, dá uma medida da evolução dessa tese. Em menos de um ano de operação. a Edge já tem uma receita mensal de R$ 200 milhões. Gerada em contratos de longo prazo, esse montante garante uma receita anual que supera a casa de R$ 2 bilhões.

De olho nessas cifras, a empresa vinha sendo incubada desde 2021, com a ideia de destravar valor em outros elos da cadeia de gás. Até então, a Cosan se restringia ao mercado cativo, com distribuidoras operando em áreas delimitadas, sob as regras e preços definidos pelas agências reguladoras de cada região.

O grupo estreou nesses espaços em 2012, com a compra da Comgás. E reforçou esse portfólio de distribuição com outros M&As, como a aquisição da Gaspetro e a Commit, uma joint venture com a japonesa Mitsui. Em 2020, a Cosan criou a Compass, holding que reúne seus ativos no segmento.

Além de estender os limites do grupo ao mercado livre de gás e ao biometano, a Edge, marca mais nova no guarda-chuva da Compass, passa por uma terceira via: o mercado off-grid, com o atendimento via modal rodoviário a empresas que não estão conectadas à malha de gasodutos de distribuição.

A Cosan não economizou para consolidar esse modelo. O grupo já aportou mais de R$ 1,5 bilhão durante a gestação da Edge. A maior parcela, de cerca de R$ 1 bilhão, foi destinada ao Terminal de Regaseificação (TRSP), no Porto de Santos, que começou a ser construído em 2021.

Com um navio que armazena e regaseifica o gás natural liquefeito (GNL), o TRSP entrou em operação em abril deste ano e tem uma capacidade de 14 milhões de metros cúbicos por dia. Para se ter uma dimensão, o Brasil consome cerca de 50 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural.

“O terminal é um estoque por definição e nos dá mais flexibilidade na oferta”, afirma Magalhães. “Com essa flexibilidade e os contratos de compra de gás que temos, temos uma agenda comercial forte para oferecer condições diferenciadas e trazer mais clientes para o mercado livre.”

Outra parte dos recursos foi usada justamente para abastecer o terminal, que hoje tem um estoque de cerca de 110 milhões de metros cúbicos. As duas principais fontes são os Estados Unidos e o Catar, mas a empresa também compra gás da Bolívia e do pré-sal.

Outros R$ 450 milhões foram reservados a uma unidade de purificação de biometano, em Paulínia (SP), em parceria com a Orizon. A unidade terá capacidade de produzir 180 mil metros cúbicos por dia e início de operação previsto para o segundo semestre de 2025.

Ainda em biometano, a Edge fechou um contrato de dez anos com a São Martinho para vender, a partir de 2025, o material derivado de resíduos da cana-de-açúcar na usina Santa Cruz, em Américo Brasiliense (SP). E tem um acordo semelhante com a Orizon em Itapevi (SP), com início de operação em 2026.

Esses projetos já asseguram um volume entre 300 e 450 mil metros cúbicos por dia de biometano à empresa. Mas a Edge não descarta novos acordos para ampliar essa oferta para além de São Paulo.

Demétrio Magalhães, CEO da Edge

“Um dos papéis do biometano é ter um blend com o gás natural, assim, nossa prioridade é buscar plantas próximas da rede de gasodutos”, diz. “Vamos analisar se a melhor forma será nos posicionarmos via equity ou um acordo comercial.”

Essa análise pode passar, inclusive, por outras empresas da Cosan. Apesar de a Edge ser o veículo do grupo para a comercialização de biometano, a Raízen, por exemplo, já realizou algumas vendas do biocombustível.

“A Raízen pode ser um potencial fornecedor, assim como a Orizon e a São Martinho”, diz Magalhães. “Não há concorrência, e sim, complementaridade. Eles produzem biomassa e nós compramos e purificamos a molécula.”

Na ponta da demanda, ele reconhece que o biometano ainda tem desafios de infraestrutura e de preço para ser mais competitivo. “Por isso, estamos buscando clientes que estejam dispostos a pagar um prêmio pela descarbonização e o atributo verde que ele traz”, afirma.

Magalhães enxerga, porém, bons sinais no setor de mobilidade e em frentes como o programa Combustível do Futuro, que criou o marco legal dos biocombustíveis e obriga que produtores e importadores de gás natural comprovem, anualmente, a compra ou o consumo de uma quantidade mínima de biometano.

Na pegada da descarbonização

É também no mercado de mobilidade e na pegada da descarbonização que a Edge começa a ganhar tração no segmento de off-grid. Nesse mês, a empresa assinou seu primeiro contrato na área com a Virtu GNL, em transportes pesados, com duração de dez anos.

Previsto para entrar em vigor no quarto trimestre de 2025, o acordo irá abastecer a frota da Virtu e prevê o fornecimento de 150 mil metros cúbicos diários de GNL, o equivalente ao consumo de cerca de 800 caminhões.

“A descarbonização vai passar por várias respostas e o GNL é uma delas”, diz Magalhães. “Hoje, no Brasil, 15% das emissões de CO2 vêm de mobilidade e, dentro disso, 65% vêm de frota pesada. O GNL será uma opção muito forte nessa agenda.”

Em outros roteiros, a Edge já está com mais rodagem. Em distribuição, por exemplo, a empresa tem contratos de fornecimento de gás natural para a Comgás e a SCGás. Mas é no mercado livre que a companhia começa a acumular, de fato, mais quilometragem.

“A ideia era começar a destravar esse mercado em 2025, mas essa tese mais do que se provou nesse ano”, afirma Magalhães. A empresa já havia assinado seis contratos no mercado livre, que movimentam quase 500 mil metros cúbicos por dia, quase o mesmo volume do novo acordo, o que só reforça sua relevância.

Os primeiros contratos no mercado livre vieram da indústria de cerâmica, com empresas como Delta Porcelanato, Lef e Incopisos. Mas existem em outros setores grandes consumidores de gás, além dos já citados, que estão no radar da Edge. Entre eles, fertilizantes e químicos.

“A competitividade de muitas indústrias passa por essa flexibilidade. O Brasil está travado em 50 milhões de metros cúbicos por dia há 15 anos”, diz Magalhães. “Em apenas um exemplo, se convertêssemos 100% da frota pesada movida a diesel, destravaríamos cerca de 150 milhões de metros cúbicos diários.”

Enquanto faz essas contas, a Edge já começa a contribuir no resultado da Compass. A partir da entrada em operação do TRSP, a empresa entregou um volume total de 177 milhões de metros cúbicos de gás no segundo trimestre e registrou um Ebitda de R$ 162,4 milhões.

Com um Ebitda total de R$ 1,37 bilhão no período, a Compass destacou que o início das operações do TRSP foi um dos fatores que ajudaram a neutralizar os impactos negativos do menor volume distribuído de gás natural no trimestre e do pior mix nas margens do segmento de distribuição.

Em relatório, o BTG Pactual também reservou uma menção especial para a Edge. “O TRSP trará maior estabilidade aos resultados da Edge, o que esperamos que ajude o mercado a reconhecer melhor o valor do que acreditamos ser uma oportunidade ainda subestimada”, escreveram os analistas do banco de investimento.