A nomeação de Scott Bessent para o estratégico cargo de secretário de Tesouro do futuro governo do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciada na semana passada, continua rendendo polêmica.

A reputação de ser um investidor frio, especialista em turbulências econômicas e profundo conhecedor do mercado financeiro foi reforçada nesta quarta-feira, 27 de novembro, com a revelação do jornal britânico Financial Times de que o principal fundo de investimento de Bessent, o Key Square Capital, ganhou muito dinheiro em 2022 apostando na explosão da inflação dos EUA na época.

De acordo com o jornal, que citou várias fontes do mercado financeiro, a Key Square Capital obteve retornos de 29% em 2022 ao apostar que a inflação seria mais duradoura do que as previsões feitas à época pelo Federal Reserve, o Fed, o banco central dos EUA.

A estratégia do fundo de Bessent consistiu em vender a descoberto ativos de rendimento fixo que enfrentariam dificuldades à medida que os bancos centrais aumentavam as taxas de juros.

O sucesso de Bessent em 2022 ocorreu num momento em que a perturbação da cadeia de abastecimento, o aumento dos preços da energia após a invasão da Ucrânia pela Rússia e os pesados gastos com estímulos relacionados com a Covid-19 contribuíram para levar a inflação dos EUA ao nível recorde de várias décadas, de 9% ao ano, causando sofrimento generalizado ao consumidor.

O excelente ano de 2022 marcou uma recuperação para a Key Square Capital, que recentemente atraiu críticas devido aos anos de vacas magras, quando a sua estratégia de investimento macro – como a de outros fundos com foco semelhante – lutou para encontrar uma vantagem num período de taxas de juro mais baixas.

Embora os retornos da Key Square tenham disparado, o S&P 500 caiu mais de 18% em 2022. O índice composto da Hedge Fund Research recuou cerca de 4% naquele ano. O fundo de Bessent subiu novamente dois dígitos em 2023 e está no caminho certo para fazer o mesmo em 2024.

Obsessão pelo Fed

A revelação trouxe novas cores à obsessão de Bessent pelo Fed, revelada durante a campanha eleitoral, quando o investidor – que atuava como conselheiro de Trump – sugeriu ao então candidato, em caso de vitória, nomear um “presidente sombra” do Fed até 2026, quando termina o mandato de Jerome Powell, atual presidente do BC americano e desafeto de Trump.

Bessent, que inicialmente despontou como favorito para nomeação para o Tesouro, foi perdendo espaço às vésperas de ser confirmado por Trump devido a outros pesos-pesados de Wall Street que começaram a ser sugeridos ao presidente eleito por Elon Musk, que sempre se opôs ao candidato nomeado.

Musk tentou emplacar o chefe de private equity Marc Rowan ou o investidor Howard Lutnick, CEO da Cantor Fitzgerald, tradicional empresa de serviços financeiros, no lugar de Bessent - que segundo o dono da Tesla representava o “business-as-usual”, numa forma depreciativa de se referir ao investidor.

A bem-sucedida operação de 2022, porém, reforçou a reputação de Bessent como especialista em turbulências financeiras, o que seus apoiadores dizem que pode ser crítico para ocupar o cargo estratégico no governo Trump.

O futuro secretário do Tesouro será responsável pela jurisdição do mercado financeiro e por decisões de grande impacto da agenda econômica de Trump, como a imposição de tarifas de importação, emissão da dívida pública, política fiscal e cambial, além da gestão dos títulos do Tesouro, entre outros temas.

“Ele viu quase tudo em termos de questões que poderiam surgir, provavelmente mais do que qualquer pessoa que ocupou o cargo anteriormente”, disse ao jornal britânico Stanley Druckenmiller, investidor bilionário e próximo ao novo secretário indicado.

Segundo ele, o fato de Bessent não ser um investidor tão bem-sucedido quanto os nomes indicados por Musk foi decisivo para sua nomeação. “Se ele tivesse se saído muito bem como gestor de fundos de hedge, então seu negócio estaria em um tamanho que ele não poderia ou não iria assumir um cargo no governo”, acrescentou Druckenmiller.

Bessent iniciou sua carreira financeira trabalhando com o investidor George Soros – uma figura odiada pelo entorno de Trump, entre eles Elon Musk – quando o famoso chefe do fundo de hedge apostou contra a libra esterlina, em 1992.

Na época, a operação com participação de Bessent rendeu US$ 1 bilhão de lucro a Soros. Ele abriu um fundo próprio em 2005 que não foi bem-sucedido e voltou a trabalhar com Soros em 2011, atuando como diretor de investimentos do fundo de hedge que virou family office.

Durante sua segunda passagem, Bessent obteve cerca de US$ 10 bilhões em lucro para Soros, de acordo com a Bloomberg. Entre suas grandes apostas estava uma venda a descoberto contra o iene do Japão, que produziu um lucro inesperado de US$ 1 bilhão em 2013.

Em 2015, Bessent abriu a Key Square Capital, levantando US$ 4,5 bilhões - incluindo US$ 2 bilhões aportados por Soros, que depois venderia sua participação.

No governo, o futuro secretário do Tesouro supervisionará a gestão da dívida do governo, que se aproxima de US$ 29 trilhões. Ele afirmou que Trump buscará reduzir os déficits orçamentários federais para 3% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim do último ano fiscal, a partir de aproximadamente 6,2% do PIB.

Quanto à proposta mais polêmica do presidente eleito – de impor tarifas de importação de 10% - Bessent admitiu em algumas ocasiões que Trump está sinalizando uma abordagem maximalista como tática de negociação. "As tarifas são uma ferramenta útil para alcançar os objetivos de política externa do presidente”, disse durante a campanha.

A essência da política tarifária de Bessent é que as empresas podem ter um certo período de tempo para garantir que estão alimentando a economia dos EUA ou então enfrentarão o peso da imposição de tarifas. “A arma tarifária estará sempre carregada e sobre a mesa, mas raramente descarregada”, disse Bessent antes da eleição.