Gustavo Couto costuma brincar que é um carioca, naturalizado baiano e “made in SP”. Boa parte dessa personalidade tem origem na estrada percorrida pelo executivo em mais de 20 anos de carreira. Ele acumula passagens – e mudanças de CEP – por empresas como Shell, CSN, Suzano e Petrobras.

Em fevereiro de 2019, essa trajetória levou o executivo de 45 anos a um novo endereço profissional. E desde então, como CEO da Vamos, ele tem o desafio de consolidar a empresa do grupo JSL na dianteira de um mercado ainda pouco difundido no Brasil: o aluguel de caminhões, máquinas e equipamentos.

Fundada em 2015 e dona de uma receita de R$ 1,2 bilhão em 2019, a Vamos atua também com a venda de máquinas e caminhões novos e seminovos. Mas é no braço de locação, que inclui ainda ofertas como tratores, escavadeiras e empilhadeiras, que a empresa enxerga a pista livre para ganhar mais tração.

“A locação ainda é uma opção pouco conhecida no mercado e, mesmo nesse contexto, nós dobramos o tamanho da empresa nos últimos três anos”, diz Couto, ao NeoFeed, sobre a divisão que respondeu por 65% da receita da Vamos em 2019. “Temos o plano de dobrar novamente a operação em três anos e, para isso, o desafio é ampliar nossa capilaridade comercial.”

No passo mais recente nessa direção, o grupo está testando um modelo para levar essa opção aos caminhoneiros autônomos. Para isso, tenta viabilizar a oferta por meio de empresas que já trabalham com frequência com um grupo de motoristas dentro desse perfil.

Nesse formato, essas companhias funcionariam como fiadoras da locação do caminhão. Caso os motoristas deixem de pagar pelo serviço, a companhia em questão assume a parcela. No momento, a Vamos tem dois projetos-piloto com uma empresa do setor alimentício e uma petroquímica, envolvendo 50 caminhões.

Recentemente, a Vamos também passou a oferecer a alternativa da locação em sua própria rede de concessionárias de caminhões novos. No segmento, a empresa atua com a marca Transrio, com 14 lojas nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins.

A próxima etapa é a criação de canais para a oferta por meio de parcerias com empresas e elos de toda essa cadeia. O radar inclui desde fornecedores, como implantadores de baús, até representantes de vendas. “Eu brinco que precisamos encontrar as nossas milhares de consultoras da Natura”, diz Couto.

Com os grandes clientes já atendidos por sua própria equipe de vendas, a Vamos enxergou nesse novo percurso um atalho para se aproximar dos pequenos frotistas, um perfil que pode incluir, por exemplo, pequenos comércios ou indústrias que usam poucos caminhões próprios em suas operações.

Segundo a Fenabrave, o Brasil tem hoje uma frota de 3,4 milhões de caminhões, com uma idade média de 20,3 anos

A Vamos também começa a estender a oferta às suas concessionárias de máquinas e equipamentos, uma rede que inclui 14 lojas da marca Valtra e uma unidade da Komatsu. Além de turbinar a locação desses ativos, o plano é explorar as vendas cruzadas. “Estamos começando esse trabalho agora”, afirma Couto. “Afinal, no campo, ao lado de um trator, sempre tem um caminhão.”

Alguns dados ajudam a entender o mercado que a Vamos quer desbravar. Segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), o Brasil tem hoje uma frota de 3,4 milhões de caminhões, com uma idade média de 20,3 anos.

Menos de 1% dessa frota é alugada, de acordo com a Associação Brasileira de Locadoras de Automóveis (Abla). Pelos cálculos da entidade, a Vamos detém uma participação de cerca de 80% no segmento.

Modelo

Enquanto acrescenta novos pontos a esse roteiro, Couto tem uma lista de argumentos para convencer mais clientes a embarcarem nesse formato. O principal deles é o conceito de que a locação é uma alternativa mais econômica paras as empresas renovarem suas frotas.

“Alugar um caminhão pode ser até 30% mais barato do que comprar”, afirma o executivo. “A empresa não precisa se endividar ou imobilizar capital para comprar um ativo que não é a sua atividade principal.”

Hoje, na carteira de locação da Vamos, o segmento de agronegócios é o carro-chefe, com uma fatia de 40%, seguido por transporte e logística, com 21%. Essa base inclui empresas como Raízen, Bunge, Klabin, Eldorado e Enel, além de varejistas como Grupo Pão de Açúcar (GPA) e Centauro.

Além do aluguel do ativo, esses clientes têm a opção de incluir no acordo os serviços de manutenção, que são ofertados a partir de uma rede de 2,2 mil oficinas próprias e parceiras da Vamos. Com esse modelo, 84% dos contratos de locação da companhia têm cinco anos ou mais de duração.

Na frota da divisão, a idade média gira em torno de dois anos. Com cinco anos de estrada, esses caminhões deixam de integrar a oferta da locação e são vendidos nas dez unidades da rede de concessionárias de seminovos da Vamos.

Na outra ponta dessa equação, a Vamos conta com sua escala e poder de barganha para negociar condições comerciais mais favoráveis junto às montadoras na compra dos caminhões que compõem a oferta.

Gustavo Couto, CEO da Vamos

“Somos os maiores compradores de caminhões do Brasil”, diz Couto. “No ano passado, compramos cerca de 4% da produção brasileira.” Em 2019, foram vendidos 101,7 mil caminhões no País, segundo a Fenabrave. “No período, nós investimos quase R$ 800 milhões em novos ativos para locação.”

A carga pesada da Vamos nos aportes destinados a um mercado ainda incipiente encontra um respaldo nas fontes consultadas pelo NeoFeed, que enxergam um grande potencial para esse segmento no Brasil nos próximos anos.

“Cerca de 80% das empresas brasileiras têm frotas próprias. Mas o negócio de boa parte delas não é caminhão”, diz Paulo Miguel Junior, presidente da Abla. “Além de não desembolsar o valor da compra, quem contrata a locação não tem que se preocupar com manutenção, seguro e toda a gestão do ativo.”

Para Celso Kassab, sócio líder da área de consultoria em logística da Deloitte, os benefícios do modelo foram ressaltados na Covid-19. “A crise reforçou a importância de preservar caixa”, diz. “E em um cenário de maior restrição de crédito, a locação de caminhões tem tudo para disparar no País.”

À parte dessa projeção, no primeiro trimestre, já sob os primeiros efeitos da pandemia, a receita líquida da Vamos cresceu 7,9%, para R$ 295,5 milhões. Desse total, R$ 145,7 milhões vieram de locação, R$ 104 milhões de serviços e R$ 45,8 milhões da venda de caminhões, máquinas e equipamentos.

A companhia encerrou o período com 449 contratos e 13.529 ativos locados. Entre os acordos fechados, um dos destaques foi a renovação e a ampliação do contrato com o grupo francês Tereos, no valor aproximado de R$ 70 milhões, envolvendo 300 caminhões e a inclusão dos serviços de manutenção.

“Não tivemos nenhum impacto na pandemia, ao contrário. E o desempenho no segundo trimestre foi tão bom quanto no primeiro”, diz Couto. “Nós fechamos o primeiro semestre com um investimento em ativos próximo do que fizemos em todo o ano de 2019.”

Para as fontes ouvidas pelo NeoFeed, a necessidade de alta disponibilidade de caixa para financiar a compra de ativos é uma barreira de entrada para novos competidores nesse espaço. E, até o momento, esse cenário tem sido favorável a Vamos.

“Para o formato de locação fazer sentido, é preciso investir em um portfólio amplo e variado de caminhões”, observa Kassab, da Deloitte. “E não são tantas empresas no mercado com recursos e também escala para negociar boas condições com as montadoras.”

Miguel Junior, da Abla, acrescenta: “Mesmo as locadoras de automóveis ficam receosas de entrar nesse mercado”, afirma. “Todas as dinâmicas são diferentes. Desde o preço e o ciclo de um caminhão até a gestão do ativo.”

A seu favor, a Vamos conta ainda com o benefício de estar sob o guarda-chuva da JSL, grupo dono de uma receita de R$ 2,3 bilhões no primeiro trimestre e de um valor de mercado de R$ 5,6 bilhões, e que tem um longo histórico de atuação no setor de logística.

No primeiro trimestre, a receita líquida da Vamos cresceu 7,9%, para R$ 295,5 milhões. Desse total, R$ 145,7 milhões vieram de locação

Isso não significa que a empresa vai acelerar sozinha nessa estrada. Além de players regionais, como a Ouro Verde, de Curitiba, que tem uma frota de 7,3 mil caminhões e máquinas, empresas como a locadora Unidas, mais conhecida pelo aluguel de carros, também já estão investindo nesse formato.

Para se manter na ponta e seguir com seu ritmo forte de investimentos, a Vamos chegou a protocolar, em janeiro deste ano, seu pedido para a abertura de capital na B3, com a expectativa de captar até R$ 1,5 bilhão. Boa parte dessa cifra seria destinada a compra de ativos para locação. Em março, no entanto, a empresa suspendeu o processo diante da chegada e do avanço da pandemia.

Couto diz que a decisão não impactou os planos da empresa. Além do acesso a linhas de crédito, a Vamos captou, por exemplo, R$ 500 milhões com a emissão de certificados de recebíveis do agronegócio (CRA). Em 2019, a empresa já havia levantado R$ 1,3 bilhão com esses e outros instrumentos no mercado de capitais.

“Temos uma boa posição de caixa e a alavancagem controlada, o que nos permite seguir crescendo sem o IPO”, afirma Couto. Ele não descarta, porém, voltar a entrar na fila para uma oferta pública. “Mas não precisamos e não estamos discutindo esse tema agora. Ao menos, não no curto prazo.”

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