Nesta semana, cinco meses depois de visitar a China, Tim Cook, o CEO da Apple, voltou ao país para a abertura de uma loja da marca, em Xangai. Inauguração à parte, a perda de espaço do iPhone naquele mercado tem colocado a “Grande Muralha” como um destino cada vez mais frequente do executivo.

“Não há cadeia de suprimentos no mundo que seja mais crítica para nós do que a China”, afirmou ele, em sua passagem. Mas se a China tem merecido uma atenção especial, ao que tudo indica, Cook também vai precisar reservar um bom espaço na agenda para o mercado doméstico da empresa da maçã.

Na quinta-feira, 21 de março, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, acompanhado por procuradores-gerais de 16 estados do país, anunciou que está processando a Apple sob a acusação de que a empresa construiu um monopólio no mercado de smartphones.

A ação destaca que a “conduta ampla e excludente” da empresa dificulta a troca de aparelhos pelos consumidores americanos, prejudica a inovação em aplicativos, produtos e serviços, e impõe custos elevados a desenvolvedores, empresas e usuários.

O órgão observa que, ao adotar essa estratégia, a Apple fecha as portas para que os proprietários do iPhone tenham acesso a apps, produtos e serviços que poderiam tornar esses usuários menos dependentes do smartphone em questão, carro-chefe da companhia.

“Os consumidores não deveriam ter de pagar preços mais elevados porque as empresas violam as leis antitruste”, afirmou, em comunicado sobre o processo, o procurador-geral Merrick B. Garland. Ele ressaltou que a empresa se mantém à frente da concorrência não apenas por seus méritos.

“Se não for contestada, a Apple apenas continuará a fortalecer o seu monopólio nos smartphones. O Departamento de Justiça aplicará vigorosamente as leis antitruste que protegem os consumidores de preços mais elevados e de menos opções”, afirmou o procurador.

Lisa Monaco, vice-procuradora geral, também reforçou esse discurso contra as supostas práticas da empresa: “Não importa quão poderosa, não importa quão proeminente, não importa quão popular – nenhuma empresa está acima da lei”, frisou.

Entre as diversas condutas que embasam essas alegações, o processo cita que a Apple bloqueou o desenvolvimento de aplicativos e serviços de streaming que permitiriam que os consumidores acessassem conteúdos de alta qualidade sem ter que pagar caro por um smartphone.

O pacote de acusações inclui ainda questões como a piora da qualidade de serviços de mensagens de terceiros, as limitações das funcionalidades e interações de smartwatches rivais com o iPhone e as restrições impostas às carteiras digitais de outras companhias.

A ação passa também por iniciativas que impactam segmentos como browsers, comunicação por vídeo, assinatura de notícias, entretenimento, serviços automotivos, publicidade e serviços de localização.

Em nota, a Apple observou que o processo ameaça os princípios que diferenciam seus produtos em mercados “ferozmente competitivos”. E afirmou que, caso a ação seja bem-sucedida, irá prejudicar sua capacidade de criar o tipo de tecnologia que as pessoas esperam da companhia – “onde hardware, software e serviços se cruzam”.

Já o Departamento de Justiça destaca ainda em seu comunicado os resultados obtidos pela Apple em seu último ano fiscal, encerrado em 30 de setembro de 2023. E pontua que o lucro líquido da empresa supera o de qualquer outra empresa da lista da Fortune 500 e o PIB de mais de 100 países.

Big techs na mira

A Apple não é, porém, a única big tech na mira das autoridades antitruste dos Estados Unidos. Antes da empresa, três de seus principais pares – Amazon, Google e Meta – também enfrentam processos dessa natureza no país.

Os problemas da Apple ao impor barreiras em seu ecossistema de produto e serviços não estão limitados, no entanto, ao seu “território”. Na Europa, por exemplo, a companhia foi obrigada a adotar novas práticas em segmentos como serviços de busca e lojas de aplicativos.

Outro caso envolvendo a empresa e que movimentou os tribunais foi a disputa com a Epic Games, desenvolvedora de jogos como Fortnite e Rocket League, que moveu um processo contra a Apple questionando, entre outros pontos, a exigência de que os apps fossem vendidos na App Store e a taxa de 30% cobrada pela companhia.

Fora da esfera antitruste, a Apple tem sido afetada por outros imbróglios legais. No exemplo mais recente, na semana passada, um acordo determinou que a empresa deve pagar US$ 490 milhões a investidores que se sentiram prejudicados após comentários de Tim Cook, em 2018.

Na época, durante uma teleconferência com analistas para tratar do resultado trimestral da empresa, Cook teria feito um comentário exagerado sobre a demanda dos produtos da companhia na China, dando a entender que as vendas iriam crescer no país em um futuro próximo.

A previsão do CEO da Apple não se concretizou e, em janeiro de 2019, a companhia divulgou que seus resultados ficariam abaixo do guidance em cerca de US$ 9 bilhões – a primeira redução de estimativa nessa linha da empresa em 16 anos. Os papéis da empresa caíram 10% e geraram uma ação coletiva.

Analistas e investidores ouvidos pelo jornal britânico Financial Times entendem que a ação movida pelo Departamento de Justiça americano pode levar anos para chegar a um veredito. Eles ressaltam, porém, que, além de “distrair” a gestão da Apple, a proliferação de riscos legais pode ser um problema para a empresa.

Nessa quinta-feira, as ações da Apple registravam queda de 4,19% por volta das 14h10 (horário local) na Nasdaq. No ano, os papéis acumulam uma desvalorização de 11%. A companhia está avaliada em US$ 2,6 trilhões.