O patrimônio líquido dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC) cresceu pouco mais de 40% em 15 meses, para R$ 490 bilhões até junho deste ano. O evento Americanas fez uma parcela do risco de crédito migrar dos bancos para o mercado de capitais. E uma modalidade, em particular, ganhou força: o risco sacado, um crédito para empresas que precisam de recursos para pagar fornecedores.

Uma forma de antecipação de recebíveis, o risco sacado apareceu como o grande culpado no balanço da Americanas pelo rombo bilionário. Mas parece que foi "absolvido" e, agora, tem acumulado espaço nos FIDCs. A estimativa de fontes ouvidas pelo NeoFeed é que eles já representam entre R$ 60 bilhões e R$ 75 bilhões do patrimônio dos FIDCs - entre 12% e 15% do total.

“É um mercado que voltou a crescer bastante, principalmente depois que o risco sacado deixou de ser palavrão”, diz José Paulo Perri, da gestora Reag Asset Management.

A dificuldade em medir o tamanho desse mercado é que nem sempre o sacado (comprador, ou seja, quem deve pagar) está sozinho dentro dos FIDCs. Muitos fundos fazem uma combinação com o cedente (fornecedor, ou seja, quem deve receber) para diluir os riscos da operação, tanto de crédito como de prazo.

Um estudo da Liberum Ratings de maio deste ano com 110 FIDCs de recebíveis comerciais, envolvendo cedentes e sacados, chegava a R$ 47,9 bilhões. Essa é uma parcela do mercado total com quase 2,5 mil FIDCs.

Nesse universo há também os fundos criados pelas empresas para fomentar a cadeia de fornecedores e ser uma alternativa ao funding bancário. É uma forma de estreitar os laços comerciais e financiar a produção. Grandes empresas capitalizadas voltaram a apostar nesse tipo de operação em uma engenharia financeira que ajuda na desalavancagem do próprio balanço.

O Banco Stellantis, da montadora dona das marcas Fiat, Jeep, Peugeot e Citroen, disponibiliza uma ferramenta para fornecedores se cadastrarem e anteciparem os recebíveis, que podem se tornar um FIDC - no segundo semestre do ano passado foi lançado um para a Fiat.

Outro exemplo é a Tramontina, que, nesta semana, estava com a oferta de um FIDC, gerido pela Cultinveste Asset Management, aberta na plataforma da Anbima com taxa de CDI+2% e vencimento em 2027.

“O mercado de crédito está deixando de ser bancário e migrando para o mercado de capitais. Em menos de 10 anos, 75% do crédito vai ser captado por fundos ou empresas criando suas próprias soluções”, afirma João Peixoto Neto, sócio da Ouro Preto Investimentos, que está estruturando mais de 40 fundos neste momento.

A Ouro Preto tem R$ 10 bilhões sob gestão e 90 fundos rodando na casa. A Reag, de João Carlos Mansur, está atenta ao crescimento do mercado de crédito estruturado e no segundo trimestre deste ano adquiriu a Quasar e a Empírica para totalizar R$ 25 bilhões sob gestão.

Mas elas não estão sozinhas. A Catálise é uma gestora focada em estruturação e gestão de FIDCs com R$ 7 bilhões sob gestão e 99 fundos - e cerca de 40 em fase de formação. A Solis Investimentos, por exemplo, tem mais de 70 FIDCs.

A tendência é que o FIDC cresça cada vez mais, tanto pela rentabilidade maior que a dos títulos públicos como pelo momento da renda variável. Mas essa expansão vai exigir cuidados com a inadimplência.

É natural que a solidez do sistema bancário e a concentração de operações em cinco grandes instituições financeiras consigam mitigar o risco e evitar grandes dores de cabeça. Mas à medida que entre 5 mil e 7 mil FIDCs ocupem esse espaço (sem a estrutura de análise dos bancos), o mercado terá de lidar com os defaults.

“Ainda está só no começo, o mercado vai aprender, mas a questão do crédito é pulverização e spread adicional para suportar a inadimplência”, afirma Peixoto Neto, da Ouro Preto.

O que pode ajudar a minimizar esse problema é o uso da tecnologia, que é capaz de analisar e identificar possíveis desvios. E avisar o gestor para ser ativo com determinada operação.

“Para uma organização robusta, hoje o diferencial é a tecnologia e a capacidade de integrar o FIDC com as empresas para entender cada duplicata”, diz Perri, da Reag.

Notas eletrônicas

Se 80% de operações de risco sacado são realizadas por pequenas e médias empresas, que buscam liquidez imediata, fluxo de caixa e capital de giro, o desafio está no controle das notas emitidas.

Fernando Marinari, um veterano do mercado de crédito e fundador da Cashforce, criou uma plataforma de automatização de processos, que faz a gestão da operação, do crédito e dá segurança nas operações.

“Uma grande varejista levava de dois a três dias para pagar um fornecedor. Com a ferramenta são 5 minutos”, diz Marinari, CEO da Cashforce. “Além disso, a tecnologia é 100% auditável, com todo o histórico da nota.”

Em média, uma grande rede varejista lida com 300 notas de um único fornecedor. E são milhares deles que buscam antecipar os recebíveis com suas notas fiscais. Sem a ajuda da tecnologia, muitas vezes uma mesma nota acaba duplicada nessas operações.

A Cashforce, criada com um investimento bootstrap de R$ 10 milhões de Marinari e family and friends, vem transacionando um total de R$ 800 milhões por mês em notas fiscais. A plataforma está em redes varejistas que faturam de R$ 1 bilhão a R$ 5 bilhões, além do setor automotivo, de saúde e food service.

Uma das grandes transformações da empresa foi a instalação da plataforma na rede de supermercados Hirota, que tem duas dezenas de lojas em São Paulo, e um faturamento na casa de R$ 1 bilhão.

Por mês, o Hirota recebe 45 mil notas fiscais de 1,5 mil fornecedores. Desse total, cerca de 10% faz antecipação de recebíveis. O risco de crédito era todo da varejista, que não conseguia identificar o pagamento de “títulos frios”

“Eles administravam os fornecedores no telefone, em três janelas de pagamento por mês. Agora esse fornecedor vai no marketplace, faz a validação eletrônica e casa o título com as melhores taxas oferecidas”, diz o CEO da Cashforce.

No modo “analógico”, o Hirota tinha uma capacidade de fazer entre R$ 1 milhão e R$ 4 milhões em antecipação. Com a tecnologia e o FIDC, esse volume pode chegar a 20 vezes.

A Cashforce ganha um take rate pela operação, que varia de 0,1% a 0,35%, dependendo do risco e do volume. Para um mercado que está em desenvolvimento, esse é o preço a pagar pela transparência.