Luiz Barsi Filho esteve fora de combate. Nos últimos meses, o maior investidor individual da bolsa de valores precisou se concentrar em vencer um câncer de pele. A última sessão de radioterapia aconteceu na quinta-feira, 30 de novembro.
Mas a de Barsi continuará nos próximos dias, embora ela saia da área da saúde para o campo jurídico. Desde 18 de outubro deste ano, Barsi e sua filha Louise são acusados por Maurício Ferrentini de uma recomendação de investimento em ações da resseguradora IRB que causou uma perda a ele de R$ 15,9 milhões.
O NeoFeed teve acesso a uma série de documentos, trocas de mensagens e notificações extrajudiciais dessa história que envolve o investidor que é referência no chamado buy and hold, com um patrimônio total estimado em R$ 4 bilhões, e Ferrentini, filho de um grande amigo de Barsi e que, por isso, criou laços afetivos e de confiança.
Em abril de 2021, Ferrentini procurou Barsi em busca de uma indicação de investimento. Com R$ 21 milhões disponíveis, Ferrentini queria sugestões para seguir a cartilha dos dividendos de Barsi e garantir uma renda passiva mensal de, aproximadamente, R$ 150 mil.
Ao questionar Barsi sobre a divisão desse dinheiro, Ferrentini teria ouvido que o melhor seria colocar em IRB, uma resseguradora que estava passando por um processo de transformação após a gestora Squadra questionar uma série de inconsistências no balanço da companhia.
Barsi teria pedido um voto de confiança e recomendado a Ferrentini que entrasse em contato com João Malta, o assessor de investimentos da Boa Vista responsável pela alocação. Em 15 de abril de 2021, Ferrentini dá a ordem para Malta comprar R$ 15,9 milhões a preço de mercado de IRBR3.
O montante investido por Ferrentini em uma ação equivalia a pouco mais de 80% do patrimônio dele naquele momento. Com mais de R$ 10 milhões, ele é considerado um investidor profissional, ou seja, aquele que assina um termo de confirmação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que tem amplo conhecimento da estrutura do mercado de capitais e capacidade de tomar as próprias decisões.
Mas seguir os passos de Barsi era uma atitude corriqueira para Ferrentini. Ele utilizava a Ellite Corretora para comprar e vender ações. E quando Barsi transferiu o seu patrimônio para a Boa Vista, sugeriu que Ferrentini fizesse o mesmo. “Eu confiava cegamente nele”, disse a pessoas próximas, que relataram ao NeoFeed.
Em 15 de abril de 2021, a ação do IRB estava sendo negociada a R$ 187,50 (para efeito de comparação, todos os valores nesta reportagem estão atualizados com o resultado do grupamento de ações da companhia na proporção de 30 para 1). O papel já acumulava uma desvalorização de quase 25% somente naquele ano.
Ferrentini entendeu que a estratégia era para o longo prazo, mas, no início de 2022, quando a ação caiu para menos de R$ 100, ele passou a questionar o assessor João Malta e Barsi sobre o desempenho da companhia.
Em 28 de junho de 2022, em troca de mensagens, Barsi disse para ele ficar tranquilo que a empresa ainda estava em processo de ajuste. E que ele mesmo estava comprando mais ações - Barsi detém 1,24 milhão de ações do IRB em carteira, o que equivale a 1,5% do total emitido pela resseguradora.
Mas a ação continuou em queda e Ferrentini entrou em desespero. Passou a acionar de forma insistente tanto Malta como Barsi cobrando uma solução.
Em mensagem de WhatsApp que o NeoFeed teve acesso, de 26 de outubro de 2022, Malta diz para Ferrentini: “sim, realmente, é uma situação muito difícil, não sei nem o que dizer, fico chateado, por não ter me intrometido, porque geralmente não deixo um cliente comprar um papel só”.
No dia dessa mensagem, o valor em carteira das ações de IRB de Ferrentini era de R$ 1,75 milhão. Pessoas próximas a Ferrentini disseram ao NeoFeed que Barsi o recebeu na sede da Boa Vista no começo de 2023 e que teria dito a ele que “o coloquei em uma situação bem complicada”.
Naquele momento, eles teriam acertado uma espécie de “devolução do dinheiro”, embora no mercado de renda variável não existam garantias de ganhos nem proteção contra perdas.
Como não seria possível fazer essa transação com a compra das ações de IRB de posse de Ferrentini, a proposta de Barsi era de um empréstimo de mútuo. Ferrentini preferia uma doação, mesmo tendo de pagar o imposto sobre o valor recebido.
Em 15 de março deste ano, Barsi teria enviando uma mensagem para que ele vendesse as ações de IRB. Com o fechamento naquele pregão aos R$ 20,79, Ferrentini recebeu R$ 1,54 milhão - os papéis da resseguradora na sua carteira viraram pó (desde o dia em que vendeu as ações, o IRB acumula valorização de mais de 140%).
No dia 28 de março deste ano, Barsi assinou um contrato de empréstimo financeiro no valor de R$ 5,9 milhões. Oferecido em garantia desse crédito, Ferrentini colocou um apartamento duplex no bairro paulistano do Jardim Paulista.
Nas últimas semanas, o imóvel dado como garantia se tornou o novo ponto de tensão na controversa relação de Barsi e Ferrentini. O apartamento foi alienado e a garantia não foi substituída no contrato. Neste momento, Barsi pede o pagamento do valor em dinheiro, acrescido da inflação até outubro - pouco mais de R$ 6 milhões.
Por meio de uma notificação extrajudicial, Ferrentini afirma ter sofrido prejuízos irreparáveis com a desvalorização do papel e cobra uma “devolução do dinheiro investido atualizado, acrescido de honorários advocatícios, no montante total de R$ 25.778.088,99”.
Em réplica desse documento, o clã Barsi alega estar sendo alvo de "chantagem ao condicionar o depósito dos valores (descabidos) sob pena de exposição pública da família”.
Nesse mesmo documento extrajudicial que o NeoFeed teve acesso, Ferrentini diz que tomou a decisão de investir em IRB por recomendação de Barsi, que era próximo do então CEO da resseguradora, Antonio Cassio dos Santos, e de Louise, que teria informações privilegiadas da empresa por ser do conselho fiscal da companhia.
O clã Barsi sempre almejou mas nunca conseguiu uma cadeira em qualquer conselho da resseguradora. Em 2022, Louise tentou uma vaga no conselho de administração e não alcançou os votos necessários. Em outubro deste ano, ela tentou novamente, mas sem sucesso. O eleito para a cadeira de conselheiro independente foi Antonio Cassio, o ex-CEO.
No IRB, Louise foi escolhida em julho de 2022 como parte do comitê de auditoria estatutária, que tem a função de auxiliar o conselho de administração nas funções de auditoria e fiscalização.
No documento com o pedido de indenização aos Barsi, Ferrentini também questiona a participação da Boa Vista Assessoria de Investimentos, que seria o veículo utilizado para executar todas as recomendações feitas por Luiz Barsi.
Plugado ao BTG Pactual, o escritório atende a mais de 5 mil clientes, somando R$ 5 bilhões em patrimônio assessorado, com um time de 28 profissionais. O agente autônomo tem como sócio-responsável André Luiz de Oliveira Bartholomei e não é restrito ao círculo de indicações dos Barsi. Em agosto deste ano, Louise adquiriu uma participação minoritária no negócio.
História de família
O caso chama a atenção tanto por Ferrentini ser considerado um investidor profissional como por ter laços afetivos com a família Barsi.
Ele é filho do economista e jornalista Nello Ferrentini (1935-2016), que foi diretor do Diário Popular e abriu o primeiro espaço para Barsi escrever na imprensa sobre o mercado de ações.
Embora se conhecessem da Ordem dos Economistas do Brasil, entidade criada em janeiro de 1935 na Faculdade de Ciências Econômicas de São Paulo, Nello e Barsi estreitaram a amizade após a publicação desse texto no jornal em abril de 1971.
“A repercussão foi tão boa que Nello me convidou a escrever textos semanais”, escreveu Barsi na página 56 do seu livro “Rei dos Dividendos”.
Barsi continuou escrevendo e se tornou editor quando o Diário decidiu criar um caderno de mercado de capitais. Durante o pregão, ele ficava entre a bolsa e as corretoras de valores e no fim do dia completava a jornada no fechamento do jornal diário.
Ao longo desses mais de 40 anos, as famílias se tornaram próximas. Pessoas ligadas a elas contaram ao NeoFeed que havia carinho nessa relação, participação em eventos como festas de aniversário e casamentos e liberdade para telefonemas e trocas de mensagens no WhatsApp.
Na terça-feira, 21 de novembro, Ferrentini protocolou na CVM um documento pedindo apuração sobre o caso pelas “supostas infrações administrativas cometidas por Luiz Barsi Filho, Louise Barsi e João Sarmento Pimentel Malta, por meio da corretora Boa Vista Investimentos, especialmente diante de comportamentos considerados antiéticos”.
Em um dos trechos, ele diz que “Luiz Barsi, João Malta e Louise Barsi, por meio da corretora Boa Vista Investimentos, em tese, caso tenham se utilizado de informações privilegiadas e sigilosas para obtenção de vantagem com as ações da IRB Brasil, podem ter praticado, além da manipulação de mercado e do insider trading, também, o ato ilegal de front running”.
Além da CVM, esse mesmo documento foi entregue para o Ministério Público Federal em 22 de novembro.
É bom frisar que Luiz Barsi Filho responde a um processo administrativo na CVM para apurar as responsabilidades pelo uso de informações privilegiadas da Unipar Carbocloro antes da divulgação do fato relevante de junho de 2021.
Procurado, Maurício Ferrentini não se manifestou até o fechamento da reportagem.
Ao NeoFeed, a assessoria de Barsi encaminhou a seguinte nota, que está na íntegra:
“Em relação aos vossos questionamentos, Luiz Barsi Filho esclarece que: Barsi é notoriamente conhecido no mercado financeiro como um dos maiores e mais antigos investidores pessoa física da bolsa de valores brasileira B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão (“B3”), com vasta experiência no mercado de investimentos, em especial em negócios de longo prazo, reconhecido por sua competência e idoneidade; sempre consciente de que o mercado de valores mobiliários é um mercado de renda oscilável, portanto sujeito a diversas variáveis, de ordem econômica, políticas, sociais, endêmicas, dentre outros múltiplos fatores.
“Barsi não possui vínculos societários com a Boa Vista Investimentos, escritório de Agente Autônomos de Investimentos. Barsi é um cliente da Boa Vista, como qualquer outro. Luiz Barsi Filho não administra carteiras de terceiros, a não ser a sua própria, e não atua como assessor de investimentos.
“Barsi já divulgou diversas vezes sua crença no potencial reestabelecimento do IRB, informando que manterá sua participação relevante, por acreditar ser um investimento de longo prazo, conhecido no mercado como “buy and hold”. O posicionamento de Barsi é público, conforme amplamente veiculado pela mídia nacional. Todas as informações veiculadas sobre Barsi em diversas entrevistas são fornecidas com base em seu conhecimento e experiência pessoal no mercado de ações, nunca com o intuito de prometer resultados específicos ou fazer declarações enganosas para induzir qualquer investidor, incluindo Maurício Ferrentini, a tomar decisões financeiras. As pessoas se espelham em Barsi, tal como se espelham em qualquer investidor de tamanha notoriedade. E ninguém pode ser punido por ser modelo de um sucesso notório.
"Maurício Ferrentini é um investidor profissional. Como é sabido, investidores profissionais gozam de certos direitos e obrigações. Investidores profissionais têm acesso a uma gama mais ampla de produtos e investimentos no mercado financeiro. Cada investidor profissional é responsável por suas próprias decisões. É importante destacar que essa classificação como investidor profissional tem o propósito de reconhecer a experiência e a capacidade financeira dos investidores e, consequentemente, permitir que eles tenham maior flexibilidade no mercado de capitais, assim como maiores autorresponsabilidades.
"Importante frisar que, como o próprio Ferrentini aduziu, havia entre ele e Barsi um vínculo afetivo oriundo de suas famílias. O próprio Barsi já revelou, em sua autobiografia, a amizade com o pai de Ferrentini, já falecido.
"Vale destacar que Louise atua como membro do comitê de assessoramento do Conselho do IRB-RE (comitê de auditoria) empossada em julho de 2022 (ou seja, um ano depois que Barsi investiu na Companhia)."