O iFood é, de fato, o maior player do mercado de food delivery do Brasil. Mas, de acordo com Fabricio Bloisi, o fundador da Movile e CEO da empresa de delivery, esse é apenas o começo. “Seremos 10 vezes, 20 vezes maiores”, diz Bloisi ao NeoFeed.
Quem o conhece sabe que não é arrogância de sua parte – o próprio se diz megalomaníaco –, mas suas ambições são pautadas por iniciativas que vão além do food delivery. A ideia dele é criar um ecossistema, a exemplo das chinesas Tencent e Alibaba, aqui no Brasil.
E suas prioridades já foram definidas. O iFood, cujo 100% do controle foi parar nas mãos da Movile depois que a Prosus (empresa da Naspers) comprou os 33,3% que pertenciam ao Just Eat, vai pisar no acelerador em duas áreas: mercados e fintech.
Em mercados, o plano é aumentar o número de categorias e a abertura de dark stores. Na área de fintech, o iFood pretende aumentar a carteira de crédito, hoje na casa dos R$ 300 milhões, e expandir sua atuação na área de benefícios – onde conta com mais de 650 mil usuários de seu vale-refeição, números que, até então, não tinham sido revelados.
O iFood tem um faturamento anual de US$ 1 bilhão, mas ainda dá prejuízo. No ano passado, de acordo com balanço fiscal encerrado em março de 2022, foram US$ 206 milhões no vermelho. Mas Bloisi diz que a operação de food delivery já atingiu o lucro.
Em uma rara entrevista, ele conta como pretende transformar o iFood em uma big tech brasileira. “Temos uma possibilidade de criar um ecossistema muito forte como existe na China. Aqui no Brasil, espero que tenha dois ecossistemas: o Mercado Livre e o iFood. A minha estratégia é oferecer e fazer mais coisas”, afirma.
Atualmente, a companhia conta com 6 mil funcionários, presença em 1,7 mil municípios do Brasil, 40 milhões de clientes e 200 mil entregadores que atendem um total de 70 milhões de pedidos por mês. E, por ter acordos de exclusividade com algumas das maiores redes de fast food, está dentro de uma panela de pressão que esquentou muito nos últimos dias.
Na segunda-feira, 22 de agosto, o Rappi e outras empresas (leia aqui) entraram com uma nova petição no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra o iFood pedindo para que os contratos de exclusividade sejam eliminados.
“Temos certeza de que o que a gente faz é legal. E quero lembrar que todas as empresas do Brasil e do mundo têm, todas sem exceção, restaurantes exclusivos nos quais elas fazem algum tipo de investimento.”
Bloisi prossegue. “Hoje, só 8% dos restaurantes são exclusivos. Quando houve a reclamação no Cade, eles pediram que a gente não assinasse nenhum acordo depois daquilo e não assinamos nenhum novo. Só renovamos o que já existia. Desde então, o número vem caindo.”
Sem dar nomes, ele fala sobre a concorrência. “Existe um player global que investiu alguns bilhões de dólares aqui, uma empresa latino-americana, que não conseguiu crescer muito como a gente. E mesmo um player americano, que é global e executa bem no mundo inteiro, não ganhou tanto market share em relação a gente e terminou saindo do país”, afirma.
Seu argumento para explicar a dominância do iFood está baseado na inovação e tecnologia que, segundo ele, só a empresa tem nesse setor. “Jogando fora o complexo de vira-lata que o brasileiro tem, é possível criar uma empresa de tecnologia boa em inovação, velocidade e vencer as empresas globais”, diz.
O modelo é baseado no que ele chama de “jet-skis”. São 50 ideias (ou pequenos projetos) rodando o tempo inteiro, lideradas por grupos de cinco a dez pessoas cada. Todas testadas mensalmente e, ao final de oito meses, o projeto morre ou sobrevive.
“Um a cada dez ou 15 sobrevivem. A entrega por drone, por exemplo, surgiu de um ‘jet-ski’”, afirma. Na entrevista que segue, Bloisi explica a cultura do iFood, detalha os próximos passos da companhia e fala mais sobre a reclamação dos seus concorrentes no Cade. Acompanhe:
Na semana passada, a Movile anunciou que assumiu 100% do iFood por meio de uma operação na qual Prosus, sua sócia, comprou a participação da Just Eat por 1,8 bilhão de euros. O que muda para a empresa?
A Prosus (Naspers) são meus sócios há 12 anos, investiram na gente quando a empresa (a Movile) era pequena e tínhamos 50 funcionários. Eu que inventei investir no iFood há oito anos e hoje eles investem no mundo inteiro. Temos uma relação muito boa e isso que fizemos é muito bom. O que mudou é que a empresa estará 100% com a Movile. Começamos o iFood com uma empresa pequenininha. Nosso foco era o marketplace. Nos primeiros cinco anos a gente não entregava comida do iFood. Há três anos, entramos em outra fase, com motoboys fazendo entregas, isso já representa 35% das nossas vendas. E fomos entrando em outros negócios recentemente
Quais negócios?
Entramos na área de mercados, farmácia e pets, e operamos mais de 100 mercados nossos, dark stores em 30 cidades. Já somos líderes nesse segmento. E, nesse último ano, entramos no mercado de fintech. Durante a pandemia, fizemos crédito para restaurantes. Junto com o Itaú, adiantamos R$ 10 bilhões para os restaurantes, passamos a pagar em um dia ou dois dias em vez de um mês, o que gera um impacto de fluxo de caixa gigante e de graça. Fizemos isso por um ano e meio. Depois disso, transformamos em um negócio. Agora emprestamos e cobramos e as pessoas pagam em 10 ou 12 meses. A carteira de crédito hoje é de R$ 300 milhões. Mas o nosso negócio de fintech mais importante que começamos há pouco mais de 1 ano é o vale-refeição. Nesse período relativamente curto temos centenas de milhares de clientes.
Já é relevante para a empresa?
É a primeira vez que divulgamos isso. Temos mais de 4 milhões de estabelecimentos cadastrados por meio do cartão físico iFood Benefícios Elo, contratos com mais de 6 mil empresas e 650 mil colaboradores usando o serviço. Acho isso superimportante porque a legislação está mudando para permitir que haja mais players de vale-refeição, que é um negócio que pode ser modernizado.
"Temos mais de 4 milhões de estabelecimentos cadastrados por meio do cartão físico iFood Benefícios Elo, contratos com mais de 6 mil empresas e 650 mil colaboradores usando o serviço"
Então o iFood vai apostar muito nessa área?
Benefícios é uma área que tem espaço para muita inovação. Estamos animados para inovar lá. A área de benefícios foi feita para uma empresa vender para outra empresa. A nova lei diz que, daqui um ano, o foco é no cliente, ele escolhe o benefício dele, se estiver ruim ele troca, como ele vai gastar e como vai gastar. Isso é ótimo para o cliente e para empresas mais abertas para inovar.
Mas o que muda com a Movile assumindo 100% do iFood?
Agora vamos trabalhar mais ainda. Estamos comprando todo o iFood porque vamos continuar investindo em tecnologia, impacto e inovação. O iFood tem puxado o assunto de meio-ambiente com moto elétrica, com carbono zero, com bicicleta elétrica, embalagem reciclável. Na educação, apoiamos vários projetos, inclusive o movimento tech, que está levantando R$ 100 milhões para investir em educação no Brasil. Em inclusão, somos a maior fonte de captação para segurança alimentar, doamos milhares de toneladas de comida. A saída do sócio vai me permitir a andar mais rápido em coisas que pretendo fazer.
O que seria?
Investir mais em novos negócios e investir mais em fazer esses novos crescerem muito, que podem envolver aquisições.
Quais negócios você está mapeando?
Minhas prioridades são em mercados e fintechs. Em mercado, temos as dark stores e vários segmentos. Em fintech, a prioridade é grande. Queremos ampliar muito a nossa oferta de crédito e nossa operação de vale-refeição. Já estamos andando, mas quero investir mais e crescer mais rápido.
Você tem um número na sua cabeça?
Tenho, mas não posso falar. Mas são números grandes, gostamos de números grandes. Não somos o maior e-commerce do Brasil, como é o Mercado Livre, que é uma empresa incrível, mas não existe nenhuma que tem uma frequência e relação com o usuário como a gente. São 40 milhões de clientes e dezenas de milhões fazendo muitas compras por mês. Não é uma compra. São 10, 20, 30 e até 100 compras por mês. Ganhamos como a marca mais amada do Brasil. Quer dizer que não podemos melhorar? Claro que sempre dá para melhorar. Não tem problema? Sempre tem problema, mas os problemas como atraso de comida são num percentual pequeno. A nossa velocidade é excelente em nível global.
Qual a comparação?
Se você pedir nos Estados Unidos, vai ver que o serviço é claramente pior, é mais caro, mais lento. Não é difícil demorar 1h15 e custar três vezes mais. Aqui, o nosso tempo médio de entrega é de 27 minutos.
Você fala muito de tecnologia, de que o brasileiro não pode ter complexo de vira-lata, mas vocês devem se inspirar em alguém. Qual seria?
Temos valores de criar ecossistema. Não nos parecemos com as empresas americanas. Nos parecemos com as chinesas, como Alibaba e Tencent. É neles que a gente se inspira.
As big techs avançaram no mundo inteiro. O iFood pretende ir para outros continentes?
Minha referência maior é Tencent e Alibaba, que são fortes na China. Aqui na América Latina a gente tem o Mercado Livre. Você vê que ele não foi para o resto do mundo, está focado no Brasil, no México e Argentina. O que eles têm feito é diversificar e ampliar o ecossistema. A palavra-chave não é expansão global, é um ecossistema forte. E isso significa um conjunto de empresas que conseguem ter várias sinergias de produção, com tecnologias e dados, e de distribuição com clientes que usam vários produtos da mesma empresa. As referências Tencent e Mercado Livre são mais fortes para a gente do que a referência Facebook que foi global. Temos uma possibilidade de criar um ecossistema muito forte como existe na China. Aqui no Brasil, espero que tenha dois: o Mercado Livre e o iFood. A minha estratégia é oferecer e fazer mais coisas.
Você já criou várias empresas. Já teve momentos em que pensou que ia quebrar?
É engraçado que estou num momento com uma empresa grande, fica parecendo que tivemos a ideia, crescemos e foi isso. Na vida normal, tudo dá errado, se arrebenta para caramba, superação o tempo inteiro. Você perguntou se quase quebramos? Várias vezes. Quando fundamos a Movile, por vários anos, vivíamos de descontar duplicata dos próximos dois meses, pagar salário e ficar sem receber por até quatro meses. Quando criamos o PlayKids, no mesmo semestre, lançamos outros nove que morreram e não existem mais. Só um deu certo. Não somos bons em ter ideias boas. Somos bons em ter um monte de ideias, baratas, rápidas, colocar gente muito boa, testar, aprender, melhorar e aí, com um pouco de sorte, começar a dar certo depois. E a gente errou muito e quase quebramos várias vezes.
Quanto o iFood investe em inovação?
Não tenho a mínima ideia. Inovação faz parte da operação do iFood. Vivemos inovando, com gente testando coisas novas. E não é um cara que só faz isso. É um grupo que se forma, faz por um ano, depois troca, volta para o core e depois cresce. O importante para mim é a mente ambidestra, de saber que eu tenho sempre que ter disciplina e sempre estar sendo criativo. Isso faz parte da cultura diferenciada do iFood, estar sempre apostando se rejuvenescer. Estamos nos reinventando e nem todas as empresas conseguem se reinventar com uma divisão inteira nova por ano como a gente.
Os seus concorrentes, principalmente o Rappi e o Uber Eats (que deixou de operar no Brasil), acusam o iFood de atuar de forma anticompetitiva, com contratos de exclusividade. Inclusive foram ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). O que você tem a dizer sobre isso?
Temos certeza de que o que a gente faz é legal. E quero lembrar que todas as empresas do Brasil e do mundo têm, todas sem exceção, restaurantes exclusivos que elas fazem algum tipo de investimento. Hoje, só 8% dos restaurantes são exclusivos. Quando houve a reclamação no Cade, eles pediram que a gente não assinasse nenhum acordo exclusivo depois daquilo e não assinamos nenhum novo. Só renovamos o que já existia. Desde então, o número vem caindo. Os clientes continuam preferindo mais a gente, selecionando mais o iFood e pedindo mais para o iFood.
"Dizer que o problema é ter o restaurante exclusivo, é uma variável. Temos exclusivos assim como os concorrentes"
Não é por que tem mais mercado?
Dizer que o problema é ter o restaurante exclusivo, é uma variável. Temos exclusivos assim como os concorrentes. Outras variáveis são qualidade do aplicativo, qualidade do tempo de entrega, qualidade do atendimento ao cliente, capacidade de inovação, de mudança, do marketing, de adaptação, inteligência local. Quero te lembrar que um dos concorrentes que reclamou tem toda a tecnologia dele nos Estados Unidos, temos duas mil pessoas aqui no Brasil olhando para o Brasil. Temos atendimento ao cliente que tem os melhores indicadores. Tenho dez dimensões que eu consigo entregar melhor que todos os concorrentes. E aí eles falam que o problema é que temos restaurantes exclusivos.
Então, não é?
Mesmo caindo o número de exclusivos, os clientes continuam achando que temos uma oferta diferenciada. O que tenho a dizer é que a gente se esforça muito, com muita gente, muita energia, paixão e inovação para ter o melhor serviço do mundo. Temos trabalhado semanalmente com o Cade, fornecendo dados para eles. Não podemos muito falar sobre um processo em andamento, não deveríamos falar. Evitamos, mas sempre tem um vazamento. ‘Acusado disso, o iFood não sei o quê’. Acho que, às vezes, as pessoas ficam buscando motivos para justificar a dificuldade de concorrer.
Você disse que muitas vezes quase quebrou. Quando deu aquele estalo de que o negócio deu certo?
Assim que acontecer eu te ligo. Acho que, nos próximos cinco anos, esse negócio vai dar certo, crescer muito, ser uma empresa 10 vezes ou 20 vezes maior, líder global, referência do mundo inteiro não só em crescimento em produtos, mas também em impacto com educação, meio-ambiente e inclusão. Se acontecer, te falo. Mas a gente não gasta muito tempo olhando para trás, não. Trabalhamos um monte, dá tudo errado todos os dias, trabalha um monte todos os dias e assim vamos fazendo coisas que dão certo.
O iFood é uma big tech brasileira?
Tem espaço para criar uma empresa de tecnologia grande no Brasil, acredito piamente que isso é bom para o Brasil. Acho que, assim como os Estados Unidos e a China, que cresceram muito nos últimos anos por causa das empresas de tecnologia, que geraram muito valor, exportaram e criaram muita inovação em seus países, o Brasil precisa de várias empresas grandes de tecnologia e ter uma empresa de qualidade global aqui. E achamos que podemos ser 10 ou 50 vezes maior. Por isso não ficamos pensando muito no que fizemos, pensamos em como será o ano que vem.
O iFood dá lucro?
Não, mas vai dar. O nosso negócio mais antigo, que é a entrega de comida, está começando a dar lucro. Mas estamos investindo em áreas novas como mercados, dark stores e fintech, então temos algum prejuízo ainda.
O iFood vai entrar no projeto de Open Delivery da Abrasel?
Apoiamos bastante o Open Delivery no início e estamos entendendo como isso vai se encaixar na nossa estratégia.
Você acabou de terminar um curso de OPM em Harvard. No que ele te ajudou?
Continuar estudando é o que me faz crescer e melhorar. Leio muitos livros. Fiz mestrado na FGV, fiz Stanford e Harvard. É porque estou sempre aprendendo, melhorando, estudando coisas novas, montando modelos novos e me desafiando que eu consigo continuar presidente e o iFood continua crescendo. E quem está no iFood tem que ser desafiado para também estar estudando e melhorando. É isso que faz a empresa crescer, a cabeça que temos que aprender, nos desafiar e fazer a empresa melhor. Aprender sempre é aumentar a barra do iFood.