Nova York - Fabricio Bloisi, eleito o Person of the Year do Brasil pela American Chamber of Commerce, pegou o violão e começou a dedilhar Sweet Child o’ Mine, dos Gun’s N’ Roses, para a plateia do Itaú BBA Tech Summit, em um centro de convenções, localizado próximo da Lexington Avenue, em Manhattan.
Era o final de um painel mediado por Cristiano Guimarães, do Itaú BBA, entre Bloisi, o cofundador do iFood e atual CEO da Prosus, um colosso avaliado em mais de 110 bilhões de euros; e Hernan Kazah, cofundador do Mercado Livre e da gestora de venture capital Kaszek.
Os convidados até aplaudiram pela cena inusitada, mas a timidez não deixou que Bloisi mostrasse se, de fato, tem talento musical. Ninguém, obviamente, estava ali para escutar as notas de seu violão. O público queria saber a visão de negócios dos dois titãs da tecnologia forjados no ecossistema da América Latina.
Nessa seara, os convidados receberam o que almejavam. Em quase uma hora de bate-papo, os dois entregaram o que pensam sobre crescimento, estratégia, gestão. O NeoFeed estava lá e pinçou algumas das partes mais marcantes da conversa entre os dois empreendedores. Acompanhe:
Meta infinita?
Bloisi se diz um “psicótico” quando o tema é crescimento e parece não ficar satisfeito com o que alcançou. “A companhia nasceu de um sonho muito grande, de se desafiar e colocar metas absurdamente difíceis desde o dia um”, disse Bloisi sobre o iFood. E continuou. “Quando éramos uma empresa de 20 pessoas, há 15 anos, colocamos como meta ser uma empresa de US$ 1 bilhão quando era completamente impossível. E, quando começamos a crescer, falamos que seria US$ 10 bilhões.”
Há um ano e um mês atrás, perto de atingir esse valuation, a companhia começou a pensar na próxima meta. “Falamos em US$ 20 bilhões, mas já é algo próximo. Aí já colocamos US$ 100 bilhões. O tempo inteiro da nossa cultura a gente coloca metas muito audaciosas e corre para chegar lá”, diz Bloisi. Curiosamente, diz ele, na mesma época, ele foi alçado ao posto de CEO da Prosus, que vale mais de US$ 100 bilhões e a meta agora é chegar a US$ 200 bilhões.
Hernan Kazah, do Kaszek, por sua vez, diz que nunca imaginou, desde o dia zero, que o Mercado Livre chegaria a um valuation que hoje é de US$ 127,5 bilhões. “A gente queria valer US$ 1 bilhão e atingimos isso no IPO. Depois, igual ao que o Fabricio falou, fomos imaginando US$ 5 bilhões, US$ 10 bilhões”, afirmou Kazah. Ele diz que é importante ter ambições, mas o mais importante é ter planos para chegar lá.
A cultura do sonho
No iFood, os funcionários são estimulados a cultivar o sonho grande e compartilhar com todos. “Não basta ter sonho grande, você tem que contar para todo mundo, porque aí você se compromete com ele para tomar decisões difíceis, se superar e trabalhar para chegar lá”, diz Bloisi. O empreendedor, no início, tinha o sonho de ter um helicóptero e conseguiu. O novo sonho é ir para o espaço. Hoje, a companhia tem um mural dos sonhos e todos os quase 7 mil funcionários compartilham o sonho com um número e uma data para todos verem. “Esse mural dos sonhos é muito importante na nossa cultura. Isso energiza a empresa”, diz Bloisi.
Todos são – e devem – ser substituíveis
“A gente tem o desafio de que todo líder tem que ser substituído. Meu trabalho é ser desnecessário para que eu possa fazer algo diferente e novo. Estamos o tempo inteiro nos desafiando: ‘como você vai ser substituído? Ah! Não consigo.’ Então você não é um líder bom o suficiente”, diz Bloisi.
De empreendedor a investidor (E o maior erro)
Hernan Kazah diz que o negócio da Kaszek envolve muito de futurologia. “Temos que imaginar o modelo de negócio, a tecnologia, se essa tecnologia vai dar certo e gerar receita. Mas, além disso, como é que vai ser a atitude desse founder daqui a 10 anos. E isso é muito mais difícil do que imaginar um modelo de negócio”, afirmou ele. “Tentamos interagir o máximo possível com os empreendedores. Mesmo assim, erramos. E, parte do negócio, é aceitar os erros.” Mas qual, afinal, seria o maior erro? “A dor maior é quando o erro foi ter feito uma parceria com um empreendedor que não tinha os valores, não tinha um compromisso que imaginávamos. Se o empreendedor é o que imaginávamos e a tecnologia não dá certo, não tem problema. Mas, se o empreendedor não é o que imaginávamos, isso é o que mais dói.”
Trabalho, família e bem-estar
Rafael de Albuquerque, fundador da companhia de dados Zoox, que estava na plateia, indagou os dois sobre como conciliar a vida executiva e o tempo com a família – um dos grandes desafios de qualquer profissional nos dias hiperconectados de hoje, ainda mais para grandes empreendedores como Bloisi e Kazah.
Kazah disse que “tem algumas ideias”, mas não sabe se tem uma resposta correta. “Por um lado, eu não gosto desse conceito work-life balance, para mim o trabalho é parte do que eu adoro fazer e é um desafio tentar achar o momento justo de cada uma das coisas. O fato de eu gostar tanto de fazer o que eu faço é um bom exemplo para as minhas filhas e também é importante para elas verem que eu deixo isso de lado para ficar com elas. Eu achei o equilíbrio? Não, mas estou tentando ter isso, é difícil, um desafio constante”, diz ele.
Bloisi também deu seus pitacos sobre o tema e se disse psicótico com trabalho, “o tempo todo desesperado para fazer US$ 100 bilhões, estou sempre desesperado”. “Mas eu era muito mais desiquilibrado do ponto de vista de saúde mental e física, há sete anos”, diz ele. Bloisi contou que teve uma hérnia de disco que o debilitou, teve de fazer uma cirurgia e foi um gatilho para mudar de vida. Além de exercícios semanais, de estar presente em eventos escolares das filhas, passou a tirar férias “incomunicáveis” da empresa. No ano passado, por exemplo, fez o caminho de Santiago de Compostela.