Antes comparadas às big techs por sua capacidade de entregar crescimento rápido e atravessar, sem grandes sustos, as variações econômicas, as grandes empresas de luxo da Europa parecem estar deixando esse rótulo para trás.
A mudança de cenário ocorre após o setor passar dias caóticos com companhias de referência nesse espaço entregando resultados trimestrais muito inferiores aos esperados pelo mercado. Com isso, apenas em 2024, as gigantes do segmento já perderam mais de US$ 200 bilhões em valor de mercado.
O baque começou a ser sentido no setor na segunda-feira, 15 de julho, quando a Burberry registrou uma queda de 16% em apenas um dia, após reportar um recuo de 21% nas vendas do segundo trimestre. Em 2023, a companhia já havia registrado uma queda de 40% em seu lucro.
O resultado afetou boa parte das companhias de luxo no dia, derrubando ações da Kering, dona da Gucci, Yves Saint Laurent e Bottega Veneta, e também do grupo francês LVMH. Esse foi, porém, apenas o início de uma série de resultados ruins nesse clube seleto.
Já na quarta-feira, 24 de julho, a Kering registrou queda de 11% em sua receita no trimestre em comparação ao mesmo período de 2023. No semestre, o lucro líquido da companhia teve uma retração de 51%.
Um dia antes, a LVMH, dona de marcas como Louis Vuitton, Dior, Tiffany, Moet & Chandon, Guerlain e Sephora, divulgou que seu lucro recuou 14% no trimestre, para € 7,2 bilhões. Apesar das vendas do grupo terem registrado uma leve alta no período, os papéis da companhia perderam 6,6% de seu valor no pregão após o anúncio.
Os números da LVMH foram os que efetivamente abalaram o mercado. Antes deles, havia o argumento de que a desaceleração do setor de luxo estaria relacionada aos problemas de gestão das marcas. Porém, com a gigante do setor seguindo a mesma tendência, não há como não acender um sinal de alerta.
De acordo com um levantamento divulgado pela Kinea Investimentos, braço de investimentos alternativos do Itaú, a expectativa é de que, no curto prazo, o setor passe por um processo de ajuste, com uma revisão negativa dos lucros diante da tendência de normalização no ritmo de crescimento e nas margens das companhias.
Assim, para a Kinea, o mercado deve continuar revisando para baixo as perspectivas das companhias de luxo, o que pode impactar diretamente o preço das ações.
Queda no consumo na China
O poder de compra dos consumidores chineses deixou de ser a força vital do setor e agora se transformou em uma fonte de preocupação.
Durante o período da pandemia da Covid-19, os clientes asiáticos, que costumam lotar as lojas físicas das gigantes do setor, optaram por guardar seu dinheiro, já que não havia possibilidade de comprar ou mesmo sair de casa. Porém, com o término do isolamento social, toda essa renda represada foi destinada às empresas de luxo, que experimentaram um forte aumento de demanda até o começo de 2023.
Agora, com a normalização do consumo, essas companhias estão passando por uma correção e vendo seus clientes chineses se afastarem. A LVMH registrou queda de 14% nas vendas na Ásia.
A situação é ainda mais difícil para as empresas de menor porte que tentam reverter sua sorte nesse cenário. O risco é que o mercado de luxo mais fraco deixe todos, exceto os nomes mais poderosos, expostos a uma desaceleração prolongada.
“A implementação de mudanças internas nas marcas parece ter se tornado mais complexa em um mercado de luxo cada vez mais competitivo, onde escala, talento de design e poder de marketing são importantes,” disse Thomas Chauvet, analista do Citigroup, em relatório.
Apesar do cenário negativo, algumas empresas como Brunello Cucinelli e Hermès mostram que há luz no fim do túnel. As vendas da Hermès aumentaram no trimestre e a fabricante italiana de roupas de cashmere de alto padrão também mostrou uma capacidade de suportar as condições difíceis.
Os dados não têm grande efeito no geral. “Na nossa visão, temos uma assimetria aqui: poderemos observar uma maior correção nesses valores com a desaceleração de crescimento e compressão de margens no curto prazo”, diz um trecho do relatório da Kinea. “Com isso, apesar de toda a força das empresas de luxo, temos uma visão menos construtiva para o curto prazo do setor.”