Ainda é impossível dissociar a trajetória da consultoria Falconi da figura de seu fundador, Vicente Falconi. Ex-professor da Universidade Federal de Minas Gerais, ele ganhou a alcunha de guru da gestão ao aconselhar e inspirar figuras de peso do empresariado brasileiro.
A lista é longa. Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles, o trio à frente do fundo 3G Capital. E inclui ainda nomes como Edson de Godoy Bueno (1943-2017), fundador da Amil, o publicitário Nizan Guanaes e os banqueiros Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, do Itaú Unibanco.
Prestes a completar 79 anos, Falconi ainda atua como presidente do Conselho de Administração da consultoria. Mas, pouco a pouco, a empresa começa a estabelecer um novo roteiro para caminhar com as próprias pernas.
A próxima parada dessa trilha já está definida. Conhecida por ajudar a ditar os rumos e estratégias de seus clientes, a companhia está criando o seu próprio veículo de investimentos.
Batizada de Falconi Capital, a nova empreitada será um spin-off da consultoria e atuará como um fundo de private equity, destinado a aportes em empresas de médio porte.
O valor a ser captado ainda não está definido. No formato a ser implantado, a Falconi Capital adotará o modelo de deal fund. Na prática, serão montados fundos específicos para investir em segmentos específicos da economia. E as cifras envolvidas serão estabelecidas de acordo com cada caso.
No radar, a princípio, estão quatro setores: varejo, saúde e beleza, educação e alimentos. Além de recursos no mercado, a captação poderá passar também pelos sócios da Falconi.
“Passamos tantos anos olhando negócios, diagnosticando empresas e entendemos que era o momento de aproveitar essa experiência com outra finalidade”, diz Viviane Martins, CEO da Falconi.
A executiva, que assumiu a posição em outubro de 2018, é um dos símbolos dessa nova fase da Falconi. Na empresa desde o ano 2000, ela é a primeira mulher e também o primeiro nome forjado nos quadros da companhia a ocupar o posto.
Viviane é uma pupila de Vicente Falconi. E ganhou relevância no mapa de sucessão da consultoria. O fundador, por sua vez, vem reduzindo sua presença no dia a dia da empresa.
Desde 2014, a Falconi adotou o modelo de partnership. Nesse contexto, o guru está diminuindo, ano a ano, sua fatia na consultoria. Essas ações, por sua vez, são oferecidas a novos sócios escolhidos dentro da própria empresa.
O fundo não é o único spin-off no radar. Em outubro, a Falconi lança uma nova operação separada do negócio principal que será responsável por uma plataforma digital de educação corporativa, com foco inicial em empresas.
A partir de recursos de inteligência artificial, a ideia é oferecer trilhas personalizadas de conhecimento aos funcionários dessas companhias. Os conteúdos serão baseados no que Viviane classifica como as competências do trabalho do futuro.
O projeto está em fase final de formatação, o que inclui a definição do modelo de cobrança a ser adotado. A aposta em assinaturas, nos moldes de companhias como o Netflix, é um dos formatos em avaliação.
Tecnologia como pilar
A inspiração do Netflix e de outros modelos similares não está restrita à nova plataforma. Há cerca de dois anos, a Falconi elegeu a tecnologia como um dos pilares de sua reinvenção. E esse processo ganhou velocidade a partir da gestão de Viviane.
A nova orientação nasceu da percepção de que a tecnologia e os componentes digitais estão no centro de mudanças radicais nos modelos de negócios dos mais variados setores da economia. Da antiga fama de “pessoal do suporte”, os executivos da área passaram a exercer um papel cada vez mais estratégico nas companhias.
Nesse contexto, o modelo tradicional da Falconi já não era suficiente. “Somos uma empresa de gestão, mas não acreditamos mais em gestão sem tecnologia. Essa é a nossa agenda número um”, diz a executiva.
Ela destaca que o conhecimento, base de toda a atuação da Falconi, hoje está disponível em diversas plataformas. E é disseminado em uma velocidade muito maior. “Corremos o risco de sermos substituídos”, afirma. “E essa ameaça pode vir de qualquer lugar, inclusive das startups”, observa Viviane.
Recentemente, a Falconi comprou a Stratec, empresa brasileira que desenvolve softwares de gestão estratégica
A trilha para concretizar essa virada também se traduz no apetite por novos negócios. Recentemente, a Falconi comprou a Stratec, empresa brasileira que desenvolve softwares de gestão estratégica, em frentes como análise de desempenho, matriz orçamentária e gerenciamento de projetos.
Em fase de constituição de uma joint venture com a companhia, o plano é incorporar esses sistemas ao portfólio de ofertas da consultoria.
A estratégia passa por outras aquisições. A Falconi acaba de criar uma estrutura dedicada a essa frente e já negocia com outras duas companhias. Tecnologias e conceitos como análises de dados, machine learning e inteligência artificial são os principais alvos de futuros acordos. Nesse escopo, no entanto, o objetivo é internalizar as ferramentas e incorporá-las ao portfólio, e não estabelecer novos spin-offs.
“Muitos aspectos do método criado pelo Falconi sempre farão sentido para os negócios, mas isso por si só já não é mais o bastante para a consultoria se manter relevante”, diz uma fonte ouvida pelo NeoFeed. “Agora, não se transforma uma empresa tão tradicional em digital do dia para a noite.”
A procura por novos ativos passa, necessariamente, por outra vertente que ganhou força recentemente. A Falconi desenvolveu um ecossistema com cerca de 300 empresas parceiras, boa parte delas startups.
Na prática, a consultoria identifica quais empresas atendem necessidades específicas de iniciativas que desenvolve junto aos seus clientes. E conecta essas duas pontas para tornar esses projetos mais ágeis e assertivos.
O trabalho de aproximação com esse ambiente, especialmente no que diz respeito às startups, envolve a conexão com aceleradoras e iniciativas como o Inovabra Habitat e Cubo, hubs de inovação de Bradesco e Itaú Unibanco, respectivamente.
O mapeamento também ultrapassa fronteiras. Nesse ano, Viviane e outros sócios da consultoria têm feito visitas periódicas ao Vale do Silício e a polos de inovação em países como China e Israel. Nesse último, startups de segurança, agronegócio e educação são algumas das possíveis novas parceiras em avaliação.
Cultura interna
Para consolidar a sua guinada tecnológica, a Falconi entendeu que também era preciso cuidar, em paralelo, de outro aspecto. “Se queremos ser mais ágeis e incorporar a tecnologia na nossa espinha dorsal, precisamos fazer isso, primeiramente, dentro de casa”, afirma Viviane.
Em seu processo de transformação digital, a Falconi criou um laboratório de desenvolvimento
Uma das iniciativas nessa direção foi a criação de um laboratório de desenvolvimento. A nova estrutura resume, em boa parte, as mudanças que estão sendo incorporadas ao tradicional método de trabalho da Falconi.
O laboratório é responsável tanto pelo desenvolvimento de ferramentas internas, como de recursos específicos para projetos em clientes e também novos negócios que já nascem digitais.
A estrutura trabalha com metodologias ágeis e a formação de squads, que contam com a participação de equipes específicas de consultores, internos e em campo, de acordo com a demanda e a área incluída no projeto em questão.
O trabalho inclui ainda a participação de parceiros externos do ecossistema desenvolvido pela empresa. “O laboratório funciona como o cérebro que faz a coordenação entre todos esses elos”, explica Viviane.
Entre outros benefícios com a nova proposta, ela cita a maior velocidade e a eficácia. “Hoje, fazemos entregas mensais aos clientes, que já geram resultados. Antes, o ciclo demorava, em média, três meses.”
Um dos frutos desses esforços para refinar e atualizar o seu método tradicional é a OBZ Digital, plataforma que automatiza os projetos de orçamento base zero nos clientes.
Outra vertente é a adoção do Watson, plataforma de inteligência artificial da IBM. A ideia é consolidar todos os conhecimentos adquiridos nos projetos tocados pela consultoria em sua trajetória nesse sistema. Ou seja, transmitir ao robô essa bagagem para que ele seja capaz de fazer cruzamentos dentro desse histórico e de extrair insights para os projetos em andamento.
As novidades também passam pelas ferramentas oferecidas à equipe. A primeira delas é batizada de Falconi Fast Forward. A consultoria migrou a Universidade Falconi, sua plataforma de capacitação interna, para um ambiente 100% digital. E adicionou conteúdos externos a esse pacote, além de recursos que permitem interações entre os participantes.
Outro projeto recente é o Colabora, espécie de rede social interna para a troca de experiências e a busca de auxílio para projetos. Em um exemplo de abordagem, um consultor em São Paulo pode postar uma demanda específica e, em outra ponta, um colega do escritório no México, com conhecimento naquela questão, oferece os caminhos para tornar o processo mais ágil e eficiente.
No mapa
Além da cultura interna, a Falconi também está olhando, literalmente, para fora. Os planos da consultoria envolvem ganhar mais escala no exterior. Hoje, a empresa mantém escritórios no México e nos Estados Unidos, que já respondem por 26% da receita.
A Falconi prepara agora a abertura de uma unidade na Europa
A empresa prepara agora a abertura de uma unidade na Europa, região na qual já possui clientes em 11 países. A incursão deverá acontecer entre 2020 e 2021. Quatro mercados concorrem para o investimento: Portugal, Espanha, Holanda e Bélgica.
Depois desse novo passo, as próximas paradas podem incluir países da América do Sul, como Colômbia e Peru, e também o continente africano.
Diante de tantos projetos e planos em andamento, Viviane ressalta que a Falconi ainda tem muita estrada a percorrer para concretizar sua transformação. “Já fizemos muita coisa, preservando nosso DNA e, ao mesmo tempo, trazendo novos valores para a empresa”, diz. “Mas queremos ir muito mais longe.”
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