Em junho deste ano, o Ibovespa bateu recorde ao atingir 130 mil pontos. O cenário era de otimismo: a vacinação estava avançando e a tendência era que a economia fosse reaberta novamente. A alegria, porém, durou pouco.
No mesmo mês, a variante Delta entrou no noticiário brasileiro e, embora uma terceira onda não tenha começado, o fantasma de uma nova piora voltou a atormentar os investidores, ao mesmo tempo em que o cenário político se mostrou mais instável. Na segunda-feira, 6 de setembro, a Bolsa fechou na casa dos 118 mil pontos.
Apesar da incerteza, há os que veem o copo meio cheio com a aceleração do número de vacinados e a diminuição dos casos de mortes e internações por Covid-19.
É o caso do gestor de ações Alexandre Reitz, chefe da área de renda variável do Julius Baer Family Office, de gestão de fortunas. “Uma hora ou outra vamos ver a reabertura se materializando”, diz Reitz, em entrevista ao NeoFeed.
O Julius Baer não divulga o montante sob gestão, mas, segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades do Mercado Financeiro e de Capitais), em julho, a asset contava com R$ 23,8 bilhões em patrimônio líquido administrado.
Por confiar na retomada, a área de ações da gestora tem olhado com mais atenção para as empresas ligadas a setores mais tradicionais e mais sensíveis à atividade econômica, como infraestrutura, commodities e saúde. “É uma questão de tempo ver a receita das companhias voltando para o nível pré-pandemia e isso vai acabar reprecificando o valor das ações”, afirma Reitz.
Ainda que a eleição presidencial esteja aos poucos invadindo a pauta do mercado, o gestor não se arrisca a tentar apontar o cenário mais provável e tomar decisões com base nisso.
“É tão difícil fazer qualquer previsão que isso acaba te tirando do foco do que você deveria analisar”, afirma Reitz. “Não que a gente não tenha que acompanhar, porque, fatalmente, isso vai afetar o nível de câmbio, dos juros, e acaba refletindo na precificação das ações. Mas temos que dar um peso relativo para isso e não 100% do peso.”
Para este ano, o Julius Baer prevê uma expansão de 5% para a economia. O ritmo de alta, porém, deve ser reduzido à metade em 2022, em 2,5%. A inflação, por sua vez, deve fechar o ano em 8% e desacelerar para 4,5% no ano que vem, com uma expectativa de que a Selic suba para 8% até o fim de 2021 e para 8,5% em 2022.
Na entrevista a seguir, Reitz falou também sobre o impacto da Selic no mercado de ações, as perspectivas para o varejo e os efeitos do cenário externo no Brasil.
A Selic voltou a subir e o final do ciclo ainda não está claro. A alta já mexe com o portfólio de ações do Julius Baer?
No curto prazo, não é ainda um problema. Nós vimos juros muito baixos no pior momento da pandemia e aquele nível de juros não era sustentável. Nós vamos encontrar um patamar adequado. Não sei se será 7,5% ou 8%, para o final do ano que vem. Um juro de um dígito ainda é bastante atrativo para o mercado de ações.
Qual é hoje o cenário para a Bolsa?
Em maio, o mercado estava bastante animado com a recuperação e com a reabertura. Temos visto a vacinação deslanchar no Brasil. Isso é inegável. Também temos visto o número de casos de mortes e o número de internações por Covid caírem consideravelmente. Então, esse é um cenário que, em maio e início de junho, era bastante consensual. Vínhamos de um momento de expectativa de crescimento maior, com revisões para cima para o PIB ao longo do primeiro trimestre.
O que mudou?
De junho para cá, surgiu a variante Delta lá fora. É muito difícil quantificar o quanto isso pode pegar no Brasil, virando uma terceira onda da pandemia ou não. Mas acabou assustando um pouco os investidores. Junto com isso, veio um cenário político mais adverso e acabou que a Bolsa realizou bastante, principalmente nos setores cíclicos domésticos, a despeito de as bolsas lá fora estarem nas máximas. Mas continuamos bastante positivos com os setores cíclicos domésticos. Uma hora ou outra vamos ver a reabertura se materializando e essas empresas vão recuperar um pouco de valor.
E quais são os setores preferidos da asset no momento?
O setor de infraestrutura é um que está tentando achar o seu preço, dado esse novo cenário de taxa de juros. Mas ainda estamos bastante animados. Também gostamos de commodities. Apesar de termos visto uma deterioração no preço da cadeia do aço, ainda acreditamos que os preços estão muito favoráveis e os valuations estão deprimidos, o que nos leva a acreditar que os retornos futuros serão bastante positivos, dada a forte geração e caixa do setor. E também tem o setor de saúde. Vimos os gastos com Covid-19 acelerando, o que afetou algumas companhias, principalmente as seguradoras e as operadoras verticalizadas. Mas temos um cenário bastante positivo para frente, com redução de gastos com Covid-19 e com recuperação do emprego e da renda. A saúde é uma tendência secular, pois deve se beneficiar do envelhecimento da população e do ganho de renda.
"A saúde é uma tendência, pois deve se beneficiar do envelhecimento da população e do ganho de renda"
Entre os cíclicos, o varejo também é uma aposta?
O varejo físico tende a se beneficiar também. A reprecificação foi empurrada um pouco para frente, mas deve acontecer. Já o varejo online é uma tendência. Nós vimos uma reprecificação muito rápida no ano passado. Todos correram para o e-commerce e vimos uma expansão bastante acelerada. Acreditamos que o e-commerce deve seguir crescendo, até porque a sua penetração no Brasil é muito menor do que a de países desenvolvidos. Não estou dizendo que vai chegar ao mesmo nível de países asiáticos, europeus ou americanos, mas essa diferença deve diminuir. No final da história, o e-commerce segue crescendo. Mas o varejo físico deve se beneficiar da reabertura.
O setor de saúde tem passado por um processo de M&As, em direção a uma verticalização. O quanto isso entra na conta do Julius Baer?
O modelo verticalizado não é o único válido. Há também o modelo das seguradoras de saúde. O verticalizado tem atacado muito mais o mercado da base da pirâmide, com bastante espaço para crescer ali. Enquanto isso, as seguradoras de saúde trabalham com tíquetes mais altos, mais dependentes do emprego formal. São duas frentes e as duas são válidas. Ambos sofreram na pandemia e ambos tendem a se recuperar com bastante força no próximo ano.
Com a eleição presidencial se aproximando, está ficando mais curto o período para surfar em uma alta da Bolsa?
Pela natureza da nossa empresa, tendemos a fazer investimentos com horizonte um pouco maior. Olhamos para o longo prazo e não nos prendemos muito a curto prazo. Não vou dizer que não teremos turbulência no ano que vem, com as ações chacoalhando, por conta do cenário eleitoral, mas o nosso horizonte é muito pautado por fundamentos. Continuamos animados e otimistas com o cenário. Além disso, é muito difícil antever o candidato que vai vencer, se teremos terceira via ou não e qual será a postura dos candidatos que estão à frente nas pesquisas.
Mas quando estivermos perto da eleição, será inevitável olhar mais para o cenário político, não?
Tem que olhar para o cenário político. Mas é tão difícil fazer qualquer previsão que isso acaba te tirando do foco do que você deveria analisar. Não que a gente não tenha que acompanhar, porque, fatalmente, isso vai afetar o nível de câmbio, dos juros, e acaba refletindo na precificação das ações. Mas temos que dar um peso relativo para isso e não 100% do peso.
"É claro que gostaríamos que o cenário estivesse mais tranquilo e que a agenda de reformas andasse um pouco mais rápido"
Saindo da eleição, mas seguindo em Brasília: qual a visão da asset para a agenda de reformas?
Em primeiro lugar, nunca foi fácil aprovar reformas. Sempre há um conflito com a opinião pública, com o Congresso e com a imprensa. Não é uma gestão harmoniosa. Sempre há um pouco de barulho. Mas vimos a agenda de reformas andar razoavelmente nesses últimos anos. Vimos a reforma da Previdência. Vimos o marco do saneamento. Vimos a independência do Banco Central. Só para citar alguns exemplos. É claro que gostaríamos que o cenário estivesse mais tranquilo e que a agenda de reformas andasse um pouco mais rápido. É muito difícil ter uma leitura, porque às vezes um projeto anda três passos para trás, daí a fervura baixa e depois anda cinco passos para frente.
A Bolsa brasileira vai conseguir acompanhar o ritmo das bolsas dos EUA?
No cenário externo, a despeito da preocupação que nós vimos com inflação lá fora, principalmente no começo do ano, vemos que o Federal Reserve (banco central dos EUA) tem sinalizado que o juro deve ficar baixo por mais tempo. Na dúvida, o Fed está optando por ser mais dovish (suave) e acaba suportando o preço dos ativos por mais tempo. O cenário externo continua sendo benigno para o Brasil. Resolvendo as nossas questões domésticas, podemos reprecificar um pouco a diferença (em relação às bolsas dos EUA).
Quais são as nossas questões domésticas?
São as mesmas de sempre: o risco fiscal, onde vai parar os juros e o crescimento da economia.
Os investidores estrangeiros estão mais preocupados com o Brasil?
O apetite segue elevado. Vimos um fluxo bastante grande de investidor estrangeiro neste ano. Mas, à medida que vamos chegando perto da eleição, pode haver uma saída. Até agora, está positivo. No ano passado, tivemos uma saída muito grande de estrangeiros, que foi revertida. Há momentos de curto prazo em que dá uma parada, mas faz parte.