Com um extenso leque de 4,8 milhões de CNPJs, que vai das pequenas lojas de bairro até as grandes cadeias e redes, o varejo tem um grande peso na economia brasileira. Em 2019, por exemplo, o segmento movimentou R$ 1,91 trilhão e respondeu por 26,2% do Produto Interno Bruto (PIB) do País.
Ao produzir indicadores desse porte, o setor sempre foi alvo da cobiça de fornecedores de várias indústrias. No mercado de tecnologia não é diferente. Em curso, a intensa e polêmica disputa travada entre Stone e Totvs pela Linx, companhia de software especializada no varejo, só reforça essa tese.
Enquanto esse enredo aguarda um desfecho, a gigante alemã de softwares de gestão SAP, dona de uma receita de € 13,2 bilhões no primeiro semestre a avaliada em € 167 bilhões, está aproveitando a distração dos concorrentes para ganhar terreno nessa arena. A empresa acaba de fechar uma parceria com a brasileira MarketUP para oferecer um pacote integrado de sistemas para varejistas.
“O mercado está se mexendo e a SAP também”, diz, ao NeoFeed, Daniel Cabrera, diretor da SAP Business One no Brasil, divisão que reúne as ofertas da companhia para pequenas e médias empresas. “Com essa parceria, vamos ter uma oferta de ponta a ponta, rápida, simples e escalável.”
Carlos Azevedo, CEO da MarketUP, reforça os objetivos por trás do acordo. “Não se trata de um esforço contra a empresa A, B ou C. Não estamos seguindo nenhum movimento”, afirma. “O varejo já vinha demandando mais tecnologia e queremos assumir uma posição de protagonismo nesse processo.”
Na parceria, a SAP entrará com seu portfólio de softwares de gestão ligados às rotinas do back-office, encorpado com recursos como a Hana, plataforma de dados em tempo real que alimenta esses sistemas e que se tornou a grande vedete da estratégia da companhia nos últimos anos.
Já a MarketUP reforçará esse pacote com seus sistemas voltados à linha de frente do varejo, com destaque para os softwares de frente de caixa, oferecidos via nuvem, que rodam em notebooks, celulares e tablets, e aceitam pagamentos de carteiras digitais e via QR Code, entre outros recursos.
O acordo inclui ainda a participação da brasileira Varsis, também especializada no varejo. A companhia desenvolve customizações a partir dos sistemas da SAP, com módulos adicionais em áreas como financeiro, lojas, logística e vendas multicanal.
“Esses portfólios se complementam. Nós precisávamos de uma infraestrutura de retaguarda robusta e confiável para oferecer por trás dos nossos sistemas”, afirma Azevedo. Cabrera vai na mesma linha. “A SAP às vezes perdia negócios por não ter uma solução de frente de caixa. É um ganha-ganha.”
A união desses portfólios está em linha com uma mudança recente de perspectiva dos varejistas sobre a importância de se investir em tecnologia. “O varejo ainda está muito atrasado na adoção desses recursos”, afirma Ivair Rodrigues, sócio da consultoria IT Data.
Segundo a IT Data, o varejo brasileiro investe, em média, 1,27% de seu faturamento em tecnologia, contra um índice de 1,71% de todos os setores. “Mas é o segmento que mais cresceu nos últimos cinco anos. E a pandemia acendeu a luz definitivamente para essa necessidade”, diz Rodrigues.
Plano de voo
A aproximação entre a SAP e a MarketUP teve início no fim de 2019, quando Cabrera e Azevedo se conheceram durante um voo, a caminho de um evento de tecnologia e varejo em Comandatuba, no sul da Bahia.
As conversas evoluíram e a concretização da parceria coincidiu com um momento no qual Totvs e Linx, duas das principais rivais da SAP no País, estão envolvidas em um triângulo nada amoroso com a Stone, que teve início no dia 11 de agosto.
Nessa data, a Stone anunciou uma oferta de R$ 6 bilhões para a compra da Linx. A transação, que ainda precisa passar pelo crivo do Conselho de Administração da companhia, criaria uma operação com um faturamento de mais de R$ 3,6 bilhões e uma base de 375 mil clientes.
A proposta não foi bem recebida, no entanto, por acionistas minoritários da Linx. Com uma fatia de 3% na companhia, a gestora Fama Investimentos contestou publicamente o acordo, alegando que os fundadores da empresa receberiam um prêmio 35% superior aos demais sócios na transação.
A trama ganhou um novo capítulo na mesma semana, quando a Totvs também fez uma proposta pela Linx, na qual se mostrava disposta a pagar cerca de R$ 6,1 bilhões e ressaltava que todos os acionistas da empresa seriam tratados “de forma igualitária e equânime.”
O caso promete novos episódios antes de uma solução. E com seus principais concorrentes gastando energia no imbróglio, a SAP, junto com a MarketUP, pode aproveitar essa brecha para decolar, enfim, em um espaço no qual, ao contrário de Totvs e Linx, nunca conseguiu ter grande presença: as PMEs e, nesse caso específico, as varejistas de menor porte, que compõem a maioria do setor.
Segundo a última edição da Pesquisa Anual do Uso de TI, realizada pela FGV, a Totvs lidera o mercado de softwares de gestão para empresas com até 180 funcionários no País, com uma participação de 47%. A SAP ocupa a segunda posição, com 12%. Já entre as ofertas destinadas especificamente ao varejo, a Linx tem uma fatia de 46,5%.
“A SAP reinava entre as grandes empresas, mas percebeu que ter 10, 15 contas desse porte não é suficiente”
“A SAP reinava entre as grandes empresas, mas percebeu que ter 10, 15 contas desse porte não é suficiente”, diz Rodrigues, da IT Data. “E, nos últimos anos, passou a baixar a diminuir seus preços, a migrar para a cloud e a baixar o seu escopo para morder o mercado das menores.”
Nessa estratégia, a divisão de Business One vem ganhando destaque na gigante alemã. “Costumo brincar que a unidade vai ser um unicórnio dentro da SAP”, diz Cabrera. “E a divisão brasileira foi a que mais cresceu no mundo nos últimos três anos”, acrescenta, sem revelar dados sobre a operação local.
O acordo com a MarketUP surge como um bom atalho para reforçar ainda mais esse crescimento. A moeda de maior valor da startup é dar acesso à sua carteira de clientes para a SAP. “Temos na mão 150 mil clientes potenciais da SAP, distribuídos em 4 mil municípios do País”, afirma Azevedo.
A associação, claro, também traz benefícios para a MarketUP. Fundada em 2012, a startup captou investimentos de nomes como Romero Rodrigues, da redpoint eventures; de Alexandre Hohagen; que iniciou as operações do Google e do Facebook no País; e de Hélio Rotenberg, presidente da Positivo.
Boa parte de seus 150 mil clientes, por sua vez, foi atraída pelo modelo da startup, que oferece acesso gratuito aos seus sistemas para empresas que faturam até R$ 4,8 milhões por ano. A receita da MarketUP vem da cobrança de assinaturas das companhias com receita acima dessa faixa. O valor depende de cada projeto e de fatores como o número de usuários envolvidos.
Fundada em 2012, a MarketUP tem uma base de 150 mil clientes
Esse formato, porém, traz um desafio para a empresa. “À medida que crescem suas operações, os varejistas começam a demandar uma solução mais completa e robusta de retaguarda”, explica Azevedo. “E essa parceria com a SAP resolve esse problema, pois ajuda esse cliente a seguir conosco.”
Nos termos do acordo entre as duas empresas, a MarketUP seguirá adotando o mesmo modelo híbrido, com ofertas gratuitas e pagas a partir de determinado patamar de faturamento. Já os sistemas da SAP incluídos na parceria serão pagos, mas com uma alternativa mais acessível ao bolso dos varejistas.
“Desenvolvemos pacotes com um valor 60% abaixo do que é ofertado tradicionalmente no mercado”, afirma Cabrera. Ele não revela, porém, os preços consolidados que serão cobrados dos clientes. Com essa abordagem, as empresas irão comercializar o pacote a quatro mãos e já definiram qual será o maior foco de atenção. “Nosso recorte são as redes que detém a partir de três lojas.”
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