Nos últimos meses, os executivos da Via, dona do Ponto e da Casas Bahia, têm feito uma espécie de non-deal roadshow nos centros financeiros globais. Estiveram em conferências do Bank of America, Morgan Stanley, BTG Pactual, entre outros, em Nova York e Londres. Em novembro, partem novamente para Wall Street em evento do Bradesco BBI. E, fora da agenda desses eventos, têm encaminhado conversas com grandes investidores internacionais.

No mercado, sabe-se que Roberto Fulcherberguer, o CEO da Via, e Sergio Leme, que é vice-presidente administrativo e recentemente incorporou o cargo de diretor de RI da Via, já foram a mais de duas dezenas de reuniões. Nomes como State Street, Schroders e fundos soberanos como GIC estariam na lista de conversas.

“Geramos o entusiasmo de nos estudarem, ficaram otimistas com o nosso case”, diz Fulcherberguer ao NeoFeed, sem revelar as casas que visitou. “O natural agora, ao longo do tempo, deve ser a entrada de novos investidores na nossa base.” O case ao qual o executivo se refere é o turnaround que a companhia tem passado desde 2019, quando ele assumiu o comando.

“Depois de três anos de transformação, conseguimos de fato conectar as pontas da Via, os assets que temos, e mostrar ao mercado financeiro as vantagens competitivas do nosso ecossistema”, diz Fulcherberguer. “Consigo sentar na frente do investidor, mostrar toda a nossa omnicanalidade e materializar tudo isso.”

Não é uma tarefa tão simples assim. A Via, com valor de mercado de R$ 5,49 bilhões, tem sofrido na B3 e seu papel praticamente anda de lado. No dia 2 de janeiro deste ano, a ação era negociada a R$ 4,17 e na segunda-feira, 17 de outubro, fechou cotada em R$ 3,48. No ano, a queda é de 16,5%.

O varejo também tem sofrido muito por conta da inflação e dos juros altos que têm corroído o poder de compra dos consumidores. “As ações desse segmento não estão andando”, diz Fulcherberguer.

Além disso, analistas não têm se animado com o que têm visto nos últimos trimestres. “As bilionárias despesas com questões trabalhistas persistem no radar até 2023”, diz Iago Souza, analista de varejo da Genial. “Ao mesmo tempo, a companhia espera reconhecer R$ 2 bilhões em créditos tributários.”

Fulcherberguer afirma que essa questão está sendo equacionada. “Vamos executar o guidance que demos neste ano. Vamos gastar R$ 1,5 bilhão com os processos trabalhistas mais antigos e no ano que vem R$ 700 milhões”, diz ele. “Em contrapartida, vou monetizar R$ 1,8 bilhão com créditos tributários.”

O foco da companhia segue em aumentar a participação em todos os segmentos nos quais atua. E pontua as linhas que está mirando. “O crédito online no 1P e no 3P está andando e a logística ‘as a service’ também. Além disso, começamos a rampar o fulfillment que, de março até agora, já representa 7% do 3P”, diz Fulcherberguer.

A logística tem sido monetizada no marketplace e também para terceiros. A C&A, por exemplo, faz a última milha conosco”, diz Fulcherberguer. Segio Leme complementa. “Estamos preparados para estarmos entre as top 4 empresas de logística em três anos.”

E isso, dizem eles, vai se repetir em outras áreas. Nas vendas nas lojas, por exemplo, o crediário tem 30% de participação. No online, tem 8% de penetração e deve chegar a 25%. A companhia também vai passar a oferecer o “crédito as a service” para outros varejistas por meio do banQi, o banco digital do grupo que conta com 5,4 milhões de usuários. “Vamos começar a testar no primeiro trimestre”, diz Fulcherberguer.

O CEO da Via tem uma visão peculiar sobre o mercado. Ele diz que os produtos viraram commodity e os sellers estão em todos os marketplaces. “Só que 40% dos brasileiros não têm conta bancária e metade não tem holerite. É complexo dar crédito para esse cliente.” Pois é aí que mora uma grande oportunidade. Desde janeiro, o crediário passou a ser oferecido também no 3P e 3% das vendas no marketplace, composto por 160 mil sellers, são feitas com o produto.

Nesse jogo, no qual varejistas se tornam empresas financeiras, a Via encontra competidores de peso. O Magazine Luiza tem a Fintech Magalu, a Americanas conta com a AME e o Mercado Livre com o Mercado Pago. Fulcherberguer defende que a operação da Via se diferencia das demais por ter 60 anos de história e dados de 90 milhões de clientes. “Além dos birôs de crédito do mercado, eu tenho o meu próprio birô”

A carteira tem crescido. De R$ 3,5 bilhões, quando Fulcherberguer assumiu, em 2019, passou para R$ 5,6 bilhões no último trimestre. “Não tivemos nenhum susto de inadimplência, a perda real está abaixo de 5% e temos uma provisão de 12%”, afirma. “É rentável e assertiva.” Mas assusta o mercado.

“O endividamento da companhia é alto”, diz João Abdouni, analista de ações da Inv. “A dívida líquida da Via é de R$ 7,6 bilhões e o valor patrimonial da empresa é de R$ 5,7 bilhões”, diz ele. “Para efeito de comparação, o Magalu tem uma dívida líquida de R$ 4,9 bilhões e um valor patrimonial de R$ 10,9 bilhões.”

Fulcherberguer discorda dessa métrica para avaliar o endividamento da companhia. “O mercado comete um erro. O grande benefício que eu tenho, que é ter o crediário, me gera um grande pênalti”, diz ele. E prossegue. “Se eu tenho um crediário com R$ 5,6 bilhões de carteira e 95% dos clientes me pagam, o mercado não põe os que me pagam como receita e só enxerga a dívida.”

Outra crítica feita pelo mercado é em relação ao GMV digital da companhia. “Eles ainda estão caminhando”, diz Souza, da Genial. Enquanto o GMV digital do Magalu cresceu 1,9% no segundo trimestre desse ano em comparação com o mesmo período do ano passado, atingindo R$ 10,03 bilhões, o da Via caiu 23% num total de R$ 4,7 bilhões.

Por outro lado, a empresa vem apresentando margens melhores nas lojas físicas. A venda por metro quadrado em loja na Via é de R$ 5,76 mil enquanto na Magalu é de R$ 5,55 mil e na Americanas de R$ 2,64 mil. “Nas lojas, a operação da Via é eficiente e a margem bruta é de 31,4%”, diz Souza.

Indagado sobre essa diferença entre o físico e o digital, Fulcherberguer afirma que é proposital. “Por uma determinação nossa, no ano passado, desincentivamos a venda de itens core que vendemos no 1P, como televisão, telefone, entre outros, no 3P", diz. "Estamos incentivando itens de cauda longa. Estamos reduzindo o tíquete médio do marketplace e incrementando muito o número de pedidos. Queremos aumentar a recorrência.”

As lojas acabaram se tornando uma peça fundamental na estratégia da companhia ao virarem hubs logísticos. “Quando enviamos um produto a partir da loja, custa 30% mais barato do que mandar pelo Centro de Distribuição”, diz Fulcherberguer. Hoje, diz ele, metade das entregas online são feitas a partir das lojas.

A Via não inventou a roda. O Magalu já faz isso há mais tempo, mas Fulcherberguer defende que as suas 1.123 mil lojas contam com uma média de 1 mil metros quadrados. “Nos últimos três anos, preparamos as lojas para serem centrais logísticas”, diz Fulcherberguer. “Para os puro-sangue online, é difícil fazer isso.”

Nessa corrida, entretanto, analistas dizem não ver espaço para tantos cavalos como Magalu, Americanas, Via, Amazon, Mercado Livre e enxergam um processo de consolidação no futuro. "Primeiro, o Brasil não vai ter um único ganhador como aconteceu nos Estados Unidos. Lá, o mercado ficou assistindo o crescimento da Amazon, aqui não. O varejo está se mexendo", diz Fulcherberguer. E finaliza. "Segundo, com o que construímos e toda a omnicanalidade que temos, ficaremos no topo."