Na década de 1990, quando era piloto na Fórmula 3, Pedro Bartelle cumpria um ritual. No dia anterior a cada etapa, ele antecipava todas as situações possíveis de acordo com sua posição no grid. Com essa tática, não foram poucas as vezes em que assumiu a ponta já na largada e alcançou o lugar mais alto do pódio.
Bartelle deixou as pistas em 1997, mas carrega essa prática na condução da Vulcabras, empresa controlada por sua família. Foi sob sua direção que a companhia de calçados passou a centrar sua atuação no esporte, por meio da marca própria Olympikus e de acordos locais para operar os negócios da americana Under Armour e da japonesa Mizuno.
Depois de fincar seus pés no segmento e se posicionar na disputa com marcas como Nike e Adidas, o grupo já vislumbra novos atalhos de expansão. Nessa corrida, a estratégia que promete ganhar mais fôlego é a aproximação entre o esporte e a moda casual, dentro do conceito conhecido no mercado como athleisure.
“Existe, dentro do nosso setor, quase que um novo negócio acontecendo, que é o lifestyle esportivo”, diz Bartelle, em entrevista ao NeoFeed. “Organicamente, estamos desenvolvendo o athleisure nas nossas três marcas, e também estamos bastante atentos a novos negócios. Esse mercado está em ebulição.”
Nesse “caldeirão”, Bartelle considera que, hoje, a Vulcabras está bem servida no que diz respeito ao portfólio de esportes, em particular, na categoria de tênis, em linha com a sua origem. A Olympikus é a marca mais democrática e acessível, enquanto a Under Armour tem um caráter mais premium.
Com uma abordagem mais especializada, a Mizuno, por sua vez, tem maior apelo no segmento de running e de alta performance. “Hoje, nós atendemos todos os bolsos. Começamos a vender um calçado esportivo a R$ 150 e vamos até R$ 1,8 mil”, afirma o CEO da Vulcabras.
O grupo vem apertando o passo para aproximar essas marcas da moda do dia a dia. Na Olympikus, um movimento foi a nomeação da cantora Iza como diretora criativa e o lançamento da linha Ultraleve, de tênis casuais que, entre outros recursos, têm tecnologias de amortecimento, mais usadas nos calçados esportivos.
Já na Mizuno, essa estratégia se traduz, por exemplo, em trazer ao Brasil linhas como a Wave Prophecy Sorayama, desenvolvida em parceria com o ilustrador japonês Hajime Sorayama, vendidos no topo da faixa do portfólio do grupo, de até R$ 1,8 mil.
A partir dessas e outras iniciativas, Bartelle explica como o conceito do athleisure está sendo explorado em cada marca do portfólio da Vulcabras. “É uma moda futurista, no caso da Mizuno, uma moda mais trekking, de aventura, na Under Armour, e uma moda mais urbana, com a Iza, na Olympikus”, observa.
Sob essa ótica, ele também não descarta que a Vulcabras invista no licenciamento ou mesmo na aquisição de novas marcas. Um dos critérios que justificariam essa tese é o fato de que essa guinada exige o reforço em algumas capacidades que, hoje, o grupo não tem totalmente dentro de casa.
Em alta
A Vulcabras não é, claro, a única empresa do setor apostando na combinação entre esporte e lifestyle. Sócio da consultoria Varese Retail, Alberto Serrentino destaca que a tendência já vinha em alta e se intensificou na pandemia, com a busca, na moda e nos hábitos, por um estilo mais casual e confortável.
“Há um movimento tanto das marcas de moda criando linhas com inspiração esportiva e de marcas esportivas criando coleções para o dia a dia”, observa. “Você tem desde a Nike, com linhas completas, até marcas massificadas, como Zara e as brasileiras Renner, C&A e Riachuelo investindo nessa tendência.”
Ele cita outros exemplos de empresas e grifes que aderiram a essa moda. São os casos de Gucci e Adidas, que lançaram coleções em colaboração nesse espaço. Com esse mesmo viés, a Adidas também se associou a estilistas como Yohji Yamamoto e Stella McCartney.
No Brasil, além das varejistas já citadas e de nomes como SBF, controladora da Centauro e que opera os negócios da Nike no País, um dos casos que ilustram essa convergência é a Aramis.
A grife anunciou neste mês de novembro o lançamento da Urban Performance, com foco justamente no conceito de athleisure. A empreitada é o primeiro spin-off da empresa e simboliza o início da sua estratégia de construção de uma "house of brands".
Serrentino faz, no entanto, uma ressalva para que essa tendência se consolide, especialmente no mercado brasileiro. Para ele, o fato de o País contar com poucas redes de grande porte especializadas em moda esportiva é um elemento complicador nessa equação.
“Existem muitos varejos de calçados e multimarcas, por exemplo, que também vendem tênis, e lojas especializadas em tênis, mas de pequeno porte”, afirma. “Então, o desafio é a distribuição e onde posicionar esses produtos para não ficar limitado às poucas megastores.”
Ciente desse desafio, a Vulcabras vem apostando nas vendas diretas nos e-commerces das suas marcas como uma alternativa. Esse modelo também está sendo usado para driblar as dificuldades de distribuição em vestuário e acessórios, categorias que são outra via de crescimento mais recente na estratégia do grupo.
No terceiro trimestre de 2022, a Vulcabras reportou uma receita líquida de R$ 663,5 milhões, alta de 23,8%
Entre julho e setembro deste ano, o faturamento do e-commerce da empresa cresceu 128,6%, para R$ 38,4 milhões. No período, a receita líquida total da companhia ficou em R$ 663,5 milhões, alta de 23,8% sobre igual período, em 2021. Com o montante, o grupo alcançou seu recorde trimestral nessa linha do balanço.
Em relatório, o BTG Pactual destacou os números sólidos no trimestre, entre eles, a margem bruta, que cresceu pelo sétimo trimestre consecutivo, alcançando 37,7%. Com recomendação de compra e preço-alvo para a ação de R$ 18, o banco ressaltou que o papel está sendo negociado em um “patamar barato”.
As ações da Vulcabras encerraram o pregão da quarta-feira, 30 de novembro, na B3 cotadas a R$ 12,69, o que representou uma ligeira queda de 0,63%. No acumulado do ano, os papéis acumulam uma valorização próxima de 39%. A empresa está avaliada em R$ 3,11 bilhões.
A cifra em questão é bem inferior valor de mercado de R$ 1,8 bilhão da empresa em maio de 2015, quando Bartelle, na empresa desde 2001, assumiu como CEO da operação. Na época, a Vulcabras acabara de sair de um processo extenso e duro de reestruturação.
Anos antes, o crescimento das importações de calçados asiáticos no País afetou seriamente a empresa, que vinha imprimindo um ritmo forte de investimentos para expandir sua estrutura e, com essa concorrência, teve que enxugar bastante sua operação. Assim, no turnaround, que contou com a assessoria da consultoria Galeazzi, a companhia demitiu 30 mil funcionários e fechou 26 das suas 29 fábricas.
“Dali para frente, a empresa precisava performar. As rédeas voltaram para a nossa mão, mas ainda estávamos com uma velocidade muito baixa”, diz Bartelle. “O mercado nos deu um voto de confiança de novo e a empresa, mesmo sem grandes investimentos, foi se recuperando.”
Em outro capítulo dessa história, em 2017, a Vulcabras fez um re-IPO, listando suas ações no Novo Mercado e captando recursos para modernizar seu parque de fábricas e começar a concentrar sua operação em marcas esportivas. “Desde então, não tivemos um ano com prejuízo”, ressalta Bartelle.
Nesta entrevista ao Conexão CEO, Bartelle fala mais sobre essa reestruturação e de temas como o uso de dados para aprimorar a gestão dos estoques nos fornecedores, as perspectivas no mercado interno e externo, e sua trajetória de mais de 20 anos no grupo controlado pela sua família.
Assista a mais um episódio do Conexão CEO: