Hotéis, reuniões e aeroportos. Essa tem sido a rotina de Marco Stefanini, fundador e CEO da Stefanini. “Nos últimos três meses, devo ter ficado, no máximo, vinte dias no Brasil”, conta ele, ao NeoFeed, diretamente da Argentina, após uma peregrinação na América Latina, na semana passada.
Intenso, esse itinerário poderia ser apenas parte das atribuições de quem comanda uma multinacional brasileira de tecnologia, com presença em 46 países, clientes em 108 mercados e um faturamento de R$ 8 bilhões. Mas também está ligado a outra agenda.
Co-chair do CEO Fórum Brasil-Estados Unidos, que, além da Stefanini inclui nomes como Embraer, Gerdau e Suzano, o empresário tem reservado uma parcela relevante do seu tempo a uma conexão, em particular: as negociações para reduzir os impactos das tarifas impostas por Donald Trump ao Brasil.
“Os negócios não gostam de turbulências. Então, qualquer instabilidade não é bem-vinda. E temos sofrido várias turbulências nos últimos anos”, diz Stefanini. “Tivemos a questão da Covid, das guerras e, agora, neste ano, a questão das tarifas.”
Como parte do roteiro para resolver esse imbróglio, uma missão de empresários encabeçada pelo Fórum, a Amcham e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) embarca rumo a Washington na próxima semana.
O principal destino será um corpo a corpo com congressistas americanos. E, dessa vez, Stefanini não fará companhia a seus pares – a empresa será representada pelo vice-presidente global Ailtom Nascimento. Mas o empresário conta um pouco do que o grupo está levando na bagagem.
“Estamos trabalhando uma pauta específica, bem concreta, tanto de produtos para serem negociados, como também de investimentos”, diz. “A nossa grande estratégia é dobrar a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, em cinco anos.”
Na entrevista ao NeoFeed, Stefanini detalha um pouco mais dessa estratégia e fala ainda de temas como inteligência artificial e o conhecido apetite da empresa por M&As. Confira:
Como é comandar uma empresa global em um cenário tão instável, inclusive, do ponto de vista geopolítico?
Em primeiro lugar, os negócios não gostam de turbulências. Então, qualquer instabilidade não é bem-vinda. E temos sofrido várias turbulências nos últimos anos. Tivemos a questão da Covid, das guerras e, agora, neste ano, a questão das tarifas. Então, isso não é bem-vindo. Traz uma complicação adicional, global. Mesmo no mercado americano.
Essa guerra de tarifas imposta por Donald Trump afeta, de alguma maneira, a Stefanini?
No nosso caso específico, não somos impactados diretamente, porque estamos na área de serviços, que não está incluída nas tarifas. Mas, claro, fazemos parte do mundo e, se os negócios são impactados, indiretamente, somos impactados através dos nossos clientes. E eu tenho me envolvido muito nessa questão por ser o co-chair, o líder do lado brasileiro, do CEO Fórum Brasil-Estados Unidos.
Qual papel o Fórum e, em particular, o lado brasileiro, vem desempenhando nesse contexto?
Temos sugerido algumas pautas e avaliado alternativas, mais pelo lado econômico, já que essa crise tem um peso político e, aí, não conseguimos entrar. Eu tenho interagido, principalmente, com o lado brasileiro, mas também com várias autoridades dos Estados Unidos. Na semana que vem, por exemplo, estamos indo para Washington, numa missão de empresários para estreitar o relacionamento, em particular, com o Congresso americano.
Quais têm sido os argumentos que vocês estão usando?
Estamos trabalhando uma pauta específica, bem concreta, tanto de produtos para serem negociados, como também de investimentos. A nossa grande estratégia é dobrar a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, em cinco anos. E, a partir disso, fomos detalhando em várias frentes.
Quais são essas frentes?
Não posso citar todas, mas há pontos de interesse do governo americano que também poderiam ser favoráveis ao Brasil, como a questão dos minerais críticos e a dupla taxação, que é um acordo que estamos tentando resolver nos últimos 40 anos. Além da área de defesa, onde não somos grandes compradores, mas poderíamos ter uma participação maior.
Em relação a investimentos, o que vocês estão propondo?
Nós demos o exemplo de cinco, seis empresas do Fórum que geram hoje 85 mil empregos nos Estados Unidos e que têm uma previsão de investimento nos próximos três anos de US$ 7 bilhões no país. Na prática, estamos tentando seguir a mesma linha dos grandes acordos que foram feitos com Inglaterra, Japão e Europa. Ou seja, acelerar o comércio, tocar em pontos sensíveis dos dois países que politicamente são importantes e assegurar investimentos nos Estados Unidos.
E qual é a perspectiva de novos avanços com essas conversas?
Agora, após a primeira fase da entrada em vigor das tarifas, que atenuou o impacto inicial esperado, vai ser um trabalho mais longo de negociação para reduzir o impacto na outra metade dos produtos. Por outro lado, essa crise também afeta os Estados Unidos, pois inclui produtos que atingem diretamente o bolso dos americanos. E isso também traz outro peso político para a discussão.
Falando sob o viés político, como você tem visto a atuação do presidente Lula nessa discussão?
Meu lado é econômico, então, eu não posso avaliar. Mas eu entendo que, como tem esse viés político, e não só do Brasil, é recomendável que exista um contato entre os dois presidentes. Isso é fundamental. E aconteceu em todas as negociações - Inglaterra, Europa e Japão. Obviamente, houve negociações intensas de interesses econômicos, mas, na prática, elas foram fechadas pelos líderes de cada país.
"Nós continuamos com apetite e temos R$ 2 bilhões para trabalhar em aquisições até 2027"
Seja no mapa global ou local, há outras turbulências além do tarifaço de Trump?
Os ventos, sejam eles globais, no Brasil ou no meu setor, de tecnologia, não são muito favoráveis. Não digo que estamos vivendo uma crise, mas toda essa situação tem impactos diferentes, dependendo do segmento e do país. Mas nós sempre olhamos o copo meio cheio e estamos acostumados com esses ambientes adversos. E somos uma empresa que não tem dívida. Conseguimos trabalhar melhor nesse cenário.
A Stefanini é muito conhecida por sua veia inorgânica. Como ficam os M&As nesse contexto?
Nós continuamos com apetite e temos R$ 2 bilhões para trabalhar em aquisições até 2027. Esse valor pode até ser mais ou menos. Tudo vai depender das oportunidades. Mas também temos uma vantagem aqui. Com essa solidez financeira e o mundo com menor liquidez, somos mais competitivos em M&As.
Qual é a tese nessa frente?
Nós já estamos em 46 países e atendemos clientes em 108. Então, é mais uma combinação de reforçar áreas que já atuamos e mercados onde já temos presença. No Brasil, já temos um market share maior. Então, o apetite está mais direcionado para Estados Unidos, Europa e América Latina. E muitos nos perguntam se vamos investir em M&As de inteligência artificial. Na verdade, investimos em áreas que conseguimos acelerar com IA.
Falando em IA, como você enxerga todo esse hype em torno dessa tecnologia?
É um impacto muito grande. Algo que veio para ficar e que traz tanto ameaças como muitas oportunidades. Nós temos uma sobreposição de cenários desafiadores. O mais complexo é esse contexto geopolítico. O outro é essa questão da inteligência artificial.
Muitos falam do risco de uma bolha associada a essa onda. Você acha que há exageros nesse boom?
Toda tecnologia dessa magnitude traz um caráter de bolha. A própria internet teve exageros e, hoje, ninguém questiona os impactos positivos que ela trouxe. Mas muita gente morreu na praia dentro dessa bolha.
E o que a Stefanini está fazendo para não morrer nessa praia?
A nossa vantagem é que já trabalhamos com IA há 15 anos. Enquanto boa parte dos nossos competidores estão falando em ideias e projetos-pilotos, já temos mais de 300 projetos em praticamente quase todos os setores com empresas de grande porte, como Vale, Gerdau e bancos, inclusive globais. E com resultados concretos.