Três meses após a estratégia dos Correios de apostar suas fichas na criação de seu marketplace, o portal Mais Correios, em meio à crise financeira provocada pelo aumento expressivo das despesas e um prejuízo de R$ 4,3 bilhões somente nos primeiros seis meses de 2025, a operação na nova atividade já é vista pelo setor como um grande erro da estatal.

Para especialistas em comércio online, a tentativa da empresa em concorrer com gigantes do setor como Mercado Livre, Amazon, Magazine Luiza, Shoppe, AliExpress, entre outros, esbarra na falta de conhecimento dos Correios em todas as etapas da operação.

“Os Correios entendem de entrega, mas o comércio eletrônico é mais do que isso. Do ponto de vista do fullfiment [todo o processo logístico da entrega], é preciso cuidar da armazenagem dos produtos e da geração de tráfego para a loja online. Eles não têm esse know-how”, diz Mauricio Salvador, presidente do Conselho da Associação Brasileira de Inteligência Artificial e E-commerce (Abiacom), ao NeoFeed.

Para 2025, a perspectiva é que o e-commerce no Brasil alcance um faturamento de R$ 235 bilhões, o que representará um crescimento de 10,5% em relação ao ano anterior. O tíquete médio deve ficar em R$ 540, com um volume de 435 milhões de pedidos realizados por 94 milhões de compradores.

Mas o impacto dos Correios nesta fatia não deve ser representativo. Segundo Salvador, não há, até aqui, qualquer sinalização das grandes empresas do setor de que tenham sentido a entrada da estatal no mercado, em julho.

“Minha avaliação é que não vimos nenhum impacto nos últimos 90 dias. Não representou a entrada de um player que pudesse incomodar os concorrentes. Até existe uma expectativa de que, mais para a frente, os Correios devam atrair tráfego para o site. Mas não está claro como irão fazer isso”, afirma o presidente da Abiacom.

Para Hugo Garbe, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o principal equívoco da empresa é em focar nessa nova unidade de negócios em um dos momentos de maior crise financeira de sua história.

“A empresa precisaria se concentrar naquilo que sempre soube fazer, como postagens, Sedex, e não, em um momento de crise, entrar em novo negócio. Entrar nessa disputa com Amazon, Magazine Luiza e Mercado Livre não faz o menor sentido”, diz o especialista.

Salvador também entende que há, neste momento, uma inexplicável inversão de prioridades. “Seria como ter um telhado quebrado e decidir comprar uma televisão, em vez de fazer o conserto primeiro. Eles precisam dar foco em resolver os problemas e mirar no back to basics”.

Com essa falta de experiência em toda a cadeia do e-commerce, as reclamações dos serviços do Mais Correios já surgem. No portal Reclame Aqui, estão cadastradas 69 queixas, a maioria relacionada à demora na entrega, item considerado vital para o sucesso de um marketplace.

O Mais Correios foi desenvolvido em parceria com a Infracommerce, outra empresa que enfrenta dificuldades financeiras e que, no segundo trimestre, registrou prejuízo de R$ 61,4 milhões. O balanço do terceiro trimestre será divulgado no dia 11 de novembro.

Procurado pelo NeoFeed para falar sobre os resultados dos primeiros três meses do marketplace, os Correios reconhecem que a medida tem a missão de ser uma das alternativas para tentar sair do vermelho, mas não traz detalhes da operação.

“Entre as iniciativas em andamento, destaca-se ‎a implementação de soluções digitais, como o Mais Correios, que atua em toda a cadeia do e-commerce, fomentando a inclusão digital e o apoio a pequenos negócios”, diz, em nota.

“Assim como outros operadores logísticos, uma vez que se trata de segmento concorrencial, os Correios não divulgam dados sensíveis aos negócios”, completa.

Prejuízo e privatização

Nos primeiros seis meses deste ano, os Correios registraram redução de 11,8% na receita de vendas e serviços, com R$ 8,18 bilhões, contra R$ 9,3 bilhões no primeiro semestre de 2024.

Em 12 meses, o prejuízo da empresa aumentou 222%: saltou de R$ 1,35 bilhão, no primeiro semestre de 2024, para R$ 4,3 bilhões nos primeiros seis meses de 2025.

Levando em conta somente o resultado do segundo trimestre, o prejuízo foi ainda maior, de 377,4% (R$ 2,6 bilhões contra R$ 553,1 milhões no segundo trimestre de 2024). O impactante é que, das cerca de 10 mil unidades dos Correios (cerca de 6 mil próprias e 4 mil terceirizados), 71% não dão um centavo de lucro.

Por outro lado, as despesas gerais e administrativas dispararam. No primeiro semestre de 2024, foram gastos R$ 1,9 bilhão. No mesmo período de 2025, esta linha subiu para R$ 3,4 bilhões, uma evolução de 74,3% em um ano.

Parte da queda da receita em 2025 está ligada ao lançamento do programa Remessa Conforme, conhecido como “taxa das blusinhas”, implementado pelo governo federal em agosto de 2024.

O governo federal passou a adotar a cobrança de imposto federal de 20% de importação sobre compras de até US$ 50 em plataformas internacionais de e-commerce.

Entre janeiro e junho deste ano, os Correios reportaram, na rubrica ‘postagem internacional’, onde se encaixa a receita obtida a partir das encomendas via exterior, o montante de R$ 815,2 milhões. O valor é 61% menor ao registrado no primeiro semestre de 2024, quando o serviço rendeu R$ 2,1 bilhões à empresa.

Nos seis primeiros meses de 2024, a postagem internacional correspondia a 21,9% do faturamento total. Em 2025, esse percentual caiu para 9,6%.

Em outubro, o presidente dos Correios, Emannoel Schmidt Rondon Rondon, anunciou um plano de reestruturação, que inclui a obtenção de um empréstimo de R$ 20 bilhões a bancos estatais e privados, tendo o governo federal como garantidor da dívida. Na prática, isso significa que, se os Correios não pagarem a conta, o Tesouro Nacional, com recursos do contribuinte, arcará com a despesa.

Em seu governo, Jair Bolsonaro conseguiu aprovar projeto que autorizava a privatização dos Correios, mas, assim que assumiu, Lula revogou a decisão. “Entendo que não seria ruim privatizar os Correios. O que não dá é para jogar uma bomba de R$ 20 bilhões na conta do governo, para a população pagar”, afirma Hugo Garbe.