Chieko Aoki, CEO e fundadora da rede hoteleira Blue Tree Hotels, e Sonia Hess, fundadora da grife de moda Dudalina, toparam de cara, assim como as milhares de pessoas ligadas ao grupo Mulheres do Brasil. Faltava convencer boa parte da sociedade civil a embarcar no projeto pensado pela empresária Luiza Helena Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza e líder do movimento Mulheres do Brasil, para ajudar a acelerar a vacinação no Brasil.
Era fevereiro quando Luiza passou a mão no telefone e ligou para o executivo João Carlos Brega, presidente da Whirpool para a América Latina, empresa dona de marcas como Brastemp e Consul. “Ela ligou apresentando o projeto Unidos pela Vacina e me convidou para fazer parte”, disse Brega ao NeoFeed. “Não pensei duas vezes e aceitei”, diz ele.
Brega, que conhece Luiza há muitos anos, atendeu o chamado, obviamente, por conta da magnitude do projeto, de ajudar a vacinar todos os brasileiros até setembro deste ano, mas também pelas características de liderança de Luiza. “É uma pessoa que cativa. É fácil ter empatia por ela, o que ela faz é genuíno e com propósito”, afirma o executivo que agora está na linha de frente do Unidos pela Vacina.
O mesmo aconteceu com Marcelo Silva, presidente do Instituto para Desenvolvimento do Varejo. Em uma reunião com os membros do IDV, no início de fevereiro, ele foi provocado por Luiza. “Se vocês não vierem com a gente para montarmos uma rede forte, para falar da vacina, doa a quem doer, eu vou fazer”, diz Luiza ao NeoFeed, reproduzindo a conversa que teve com Silva.
No dia seguinte, Silva ligou dizendo que o IDV, entidade que concentra 73 das maiores varejistas do País, como Riachuelo, Via Varejo, Magalu, B2W, GPA, Raia Drogasil, entre outros gigantes, estava dentro. “Logo de cara, começamos a identificar o que poderíamos fazer para ajudar os governos federal, estaduais e municipais”, diz Silva ao NeoFeed.
John Rodgerson, presidente da Azul Linhas Aéreas, também topou participar disponibilizando os aviões da empresa para transportar vacinas para todo o País. O executivo faz um diagnóstico sobre a liderança de Luiza. “Ela está unindo o Brasil”, diz ele ao NeoFeed. “Ela é supercarismática, abre portas e é direta. É isso o que precisamos nesse momento”, afirma.
Em tempos de polarização política, em que extremos vivem como gato e rato, onde o diálogo se tornou tão escasso como água no deserto, Luiza exerce o que o cientista político americano e professor de Harvard, Joseph Nye, classificou nos anos 1980 como soft power. Um poder mais leve, construído à base de diálogo e persuasão.
Não à toa, ela transita com desenvoltura na Avenida Paulista, onde está o PIB industrial e produtivo do Brasil; dialoga com a Faria Lima e o Leblon, os centros financeiros do País; e tem um canal aberto com a periferia, seja a Central Única das Favelas (CUFA) ou o G10 das Favelas.
“Eu queria deixar bem claro que a gente pode não conseguir vacinar todos até setembro. Mas estamos felizes de ver a sociedade civil dizendo sim”, diz Luiza. E continua. “Acredito na transformação do País através de uma sociedade civil organizada.”
Se antes Luiza era conhecida por ter unido um exército de mulheres em prol de mais de duas dezenas de causas, agora ela conseguiu juntar homens, mulheres, Ongs, instituições, empresários e profissionais liberais, ricos e pobres, no Unidos pela Vacina.
“Sempre me belisco porque nunca pensei que essa união fosse acontecer tão rápido", diz Luiza Helena Trajano
“Sempre me belisco porque nunca pensei que essa união fosse acontecer tão rápido. É impressionante, todo dia chega gente de todos os lugares. Estamos com Rotary, Cruz Vermelha. Maçonaria, União dos Prefeitos, Secretarias de Saúde, CUFA, G10”, diz Luiza.
A cruzada de Luiza contra o coronavírus conta com o apoio de pesos-pesados da economia. Além dos empresários já mencionados, fazem parte também executivos como Walter Schalka, presidente da Suzano, Paulo Kakinoff, CEO da companhia aérea Gol; o publicitário Nizan Guanaes, entre outros executivos.
“A Luiza tem esse dom de sentir a coisa certa a se fazer no momento certo, como a questão da vacina, por exemplo. E ela tem o dom de engajar as pessoas”, diz Chieko Aoki ao NeoFeed. O plano do grupo Unidos pela Vacina, hoje com mais de 1 mil participantes, é mapear até o dia 25 de março a situação nos 5.570 municípios brasileiros para conectar doadores a cada um deles. Em muitos municípios faltam agulhas, seringas, refrigeradores, batas, entre outros equipamentos.
“Não lançamos o programa sem conversar com o Ministério da Saúde, para falar o que estávamos fazendo, para saber o que eles precisavam, para dizer que não estávamos acusando e queríamos ajudar a vacinar o Brasil”, diz Luiza. “Sabemos que o governo não precisa de dinheiro, o presidente conseguiu R$ 20 bilhões para comprar vacina, queremos ajudar”, afirma.
Diante do recrudescimento da covid-19 e do aumento no número de mortes, Luiza não enxerga outro caminho a ser tomado que não seja a vacinação. “Respeito as religiões que não gostam de vacina, mas quero que me deem outras saídas sem ser a vacina. Não tem. Se tem gente nos prontos-socorros do Sírio Libanês e do Einstein esperando uma vaga na UTI, imagina nesse Brasil todo.”
100 mil mulheres
O poder de arregimentar pessoas de todos os tipos não é uma novidade. Luiza fez exatamente isso ao criar o Mulheres do Brasil, em 2013. O grupo de quarenta mulheres, que havia sido formado para falar sobre empreendedorismo feminino no Palácio do Planalto com a então presidente Dilma Rousseff, se converteu em uma multidão de 81,5 mil mulheres espalhadas pelo Brasil e por todos os continentes. “Queremos chegar a 100 mil em maio”, diz ela.
O grupo tem como foco principal acabar com a violência contra a mulher. De acordo com Luiza, essa é a única das causas que acontece da mesma forma em todos os países. Já falou sobre isso em Londres, em Paris, no Fórum Econômico Mundial. “A questão da violência contra a mulher é mundial”, afirma. E já está trabalhando a conscientização sobre o tema desde a base com a criação do grupo Meninas do Brasil, formado por jovens de 15 a 25 anos de idade.
Outras causas como igualdade racial, inclusão digital, empreendedorismo, mais mulheres em conselhos de administração de empresas, educação, políticas públicas, entre outras, são tratadas pelo grupo. Chieko Aoki e Sonia Hess estão na linha de frente ao lado de Luiza e ajudam na coordenação de alguns comitês.
“Estamos sempre à postos para o chamamento da Luiza”, diz Sonia Hess. E complementa dizendo que a líder do grupo tem uma característica fundamental para o avanço do Mulheres do Brasil. “Ela deixa a gente voar”, afirma. E é, de fato, necessário que seja assim diante do tamanho que o grupo ganhou.
Administrar uma estrutura tão grande como essa, mesclando o trabalho no conselho de administração do Magalu, lives, palestras e eventos, é quase impossível sem uma organização bem azeitada. Mas é fácil falar hoje, em que a Mulheres do Brasil conta com uma CEO, a executiva Marisa Cesar, vice-presidências, lideranças, governança corporativa e compliance.
No início (do Mulheres do Brasil), era uma gestão pelo caos. “Você sabe mais ou menos onde quer chegar, só que não tem um modelo pronto de como fazer. Então, deixa as pessoas irem no caos mesmo”, explica Luiza
No início, era uma gestão pelo caos. “Você sabe mais ou menos onde quer chegar, só que não tem um modelo pronto de como fazer. Então, deixa as pessoas irem no caos mesmo”, explica Luiza. “No Unidos pela Vacina, que tem muitos homens e mulheres que não conheciam esse sistema, as pessoas ficaram muito assustadas”, diz.
Muitos, diz Luiza, acham que “sou desorganizada e que não vai dar certo”. “Mas aí você começa a tirar de dentro para fora os talentos e libera as pessoas para serem protagonistas." Isso acontece com cada ideia que chega até ela. “Minha filha fala: ‘Não dê ideia para a minha mãe que ela dá serviço’. Ninguém pode me dar ideia, que assume trabalho”, diz Luiza.
Durante a pandemia, Sonia Hess pensou na criação de um fundo para mulheres “invisíveis”, o Fundo Dona de Mim. “Liguei para a Luiza, disse que tinha a ideia, e ela disse vai para frente”, diz Sonia. Sessenta e duas mulheres do grupo doaram dinheiro para isso.
O fundo surgiu depois de que uma garota que Sonia dava mentoria no grupo de empreendedorismo do Mulheres do Brasil ligou para ela relatando que estava em dificuldade. A mãe cozinhava e ela entregava as marmitas. Mas ela só tinha uma geladeira e cabiam somente 40 quentinhas. Se ela tivesse o freezer, caberiam 120 marmitas. “Só que ela não tinha o dinheiro, não tinha acesso a crédito, era desbancarizada, invisível mesmo”, diz Sonia.
Sonia, então, conversou com as executivas do Banco Pérola, focado em microcrédito. E, em 50 dias, colocaram o projeto de pé. “Na primeira fase, emprestamos para 335 mulheres”, diz Sonia. Foi um total de R$ 1,5 milhão e, nesta segunda fase, o banco BTG Pactual disponibilizou mais R$ 3 milhões. São empréstimos de R$ 3 mil pagos em 12 meses com taxa de 0,5% de juros sem taxas.
“Temos um lema no nosso grupo: fazer acontecer. Não somos de planejamento no papel, a gente é startup, a gente faz acontecer. Quando vem uma ideia, todo mundo sabe que temos de fazer, botar a mão na massa. Se não der certo a gente larga, se der certo, a gente multiplica”, diz Luiza. Pois a ideia de Sonia deu certo.
Agora, o grupo está estendendo o projeto para as comunidades. “Mas não damos só o peixe, a gente ensina a pescar. Elas têm de fazer cursos, se prepararem”, diz ela. Com o dinheiro que recebem, conseguem se equipar para fazer bolo em casa, criar um pequeno salão de beleza. “É incrível como esse dinheiro faz a diferença na vida dessas mulheres”, diz Sonia.
O elo com a periferia
Rejane Santos, líder comunitária de Paraisópolis, favela com mais de 100 mil habitantes, na Zona Sul de São Paulo, sabe bem a diferença que um empurrão como esse faz. Ela está no grupo Mulheres do Brasil desde o início e participou de sua fundação. Hoje, atua como empreendedora social na comunidade.
Com mentorias de empresárias do porte de Chieko Aoki, que trabalha muito essa questão do empreendedorismo, Rejane montou seu próprio negócio em 2017. Uma empresa chamada Emprega Comunidade, que faz a ponte entre trabalhadores da comunidade e empresas que buscam mão de obra e diversidade. “Desde a nossa fundação, empregamos seis mil pessoas, entre temporários e CLT”, diz Rejane ao NeoFeed.
Rejane é um dos principais elos do Mulheres do Brasil com a periferia. Ela lidera o comitê de bairros e comunidades e ajuda no desenvolvimento das mulheres de 30 comunidades em São Paulo. “Damos cursos de empreendedorismo, para elas terem o próprio negócio, vender doces e salgados, por exemplo”, diz Rejane, pedagoga de formação, que vive em Paraisópolis desde os 6 anos de idade.
Além disso, há um trabalho cultural, com a criação de biblioteca em uma das comunidades e conscientização da questão envolvendo violência contra mulher, igualdade racial e políticas públicas. “O Mulheres do Brasil é um grupo bem diverso, preocupado em escutar e trabalhar pelo desenvolvimento das mulheres”, diz ela, que também é cofundadora do G10 das Favelas e entrou no movimento Unidos pela Vacina.
Rejane diz que tanto ela como a maioria das pessoas que vivem nas comunidades sabe que a única solução para o Brasil retomar a saúde e a economia é vacinando. “É inadmissível ver quase duas mil pessoas morrendo por dia”, diz ela. “Temos de acreditar nos cientistas e nos médicos.”
A líder comunitária diz que o trabalho de Luiza Helena Trajano se intensificou com a chegada da pandemia. Luiza atuou para a distribuição de cestas básicas, álcool em gel e no pagamento de diaristas que ficaram sem trabalho por um período de três meses.
“As pessoas sabem o que a Luiza está fazendo nas comunidades”, diz Rejane. E prossegue. “Peço a Deus que ela tenha saúde e que surjam outras Luizas no Brasil, unindo a todos, independentemente de classe social ou partido político.”
Diante desse perfil e de sua iniciativa, seu nome passou a ser aventado como candidata à presidência do Brasil, em 2022. Partidos políticos têm sondado a empresária para se lançar à disputa. Afinal, seu nome não é rejeitado pela população.
“Você vê que fico exposta, as pessoas dizem: ‘ela vai sair presidente’. Sabe por quê? Porque as pessoas estão precisando de grupos que unam", diz Luiza
A jornalista Vera Magalhães publicou recentemente em sua coluna no jornal O Globo que o apresentador Luciano Huck, que ensaia uma candidatura presidencial, teria ficado espantado com uma pesquisa que recebeu de um instituto contratado por ele. A empresária apareceria empatada tecnicamente com ele, mas numericamente à frente.
Se as eleições fossem hoje, ela estaria atrás apenas do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Lula. O que mais chamou a atenção na pesquisa é que foi espontânea. “Os eleitores eram apenas questionados a respeito de em quem gostariam de votar para presidente”, escreveu Vera.
Luiza sempre nega que sairá candidata à presidência da República. “Você vê que fico exposta, as pessoas dizem: ‘ela vai sair presidente’. Sabe por quê? Porque as pessoas estão precisando de grupos que unam. Eu não atendo ninguém, não pertenço a nenhum partido político”, diz ela.
Isso, entretanto, não quer dizer que ela não faça política. “Somos um grupo político, quero deixar isso bem claro, um grupo político apartidário. O Mulheres do Brasil nasceu para ser o maior grupo político apartidário do Brasil e vai ser do mundo.”