A deflação de 0,07% do IPCA-15, a prévia do indicador para o mês de julho, surpreendeu os economistas. A desaceleração da inflação, que está em queda desde fevereiro, quando registrou alta de 0,76%, é mais um fator que indica uma redução da taxa Selic na reunião de 1 e 2 de agosto do Copom.

“Quando pegamos a média móvel trimestral, os últimos três meses e anualizamos, a desaceleração foi mais forte, saindo de 6,1% para 5%”, diz Marcela Rocha, economista-chefe da Principal Claritas, em entrevista ao NeoFeed.

Ela complementa: “São patamares ainda desconfortáveis, mas dada a desaceleração, tem algumas pessoas já questionando se o Copom não deve cair 50 bps”.

O consenso para a queda do juro básico da economia é de 0,25 ponto percentual (pp.), ou seja, 25 basis points (bps). Se o Comitê acelerar esse movimento, Marcela acredita que será importante dar transparência e clareza à decisão.

“Comunicação é chave, até mesmo para colhermos esses frutos. Por mais que o mercado saiba que o cenário está melhorando, as expectativas ainda não estão ancoradas”, diz a economista da gestora que detém R$ 8,3 bilhões de ativos sob gestão.

Antes do encontro do Copom, o Federal Reserve (Fed), decide na quarta-feira, 26 de julho, a taxa de juros dos Estados Unidos. A expectativa é que a decisão será de uma alta de 0,25 pp - a última desse ciclo de aperto monetário.

"Se vier nessa linha que comentamos, é um cenário global positivo”, afirma Rocha.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual é a sua expectativa para a decisão do Fed?
Esperamos que o banco central dos Estados Unidos suba a taxa de juros em 0,25 ponto percentual (pp.). Essa já tinha sido uma sinalização do Fed na sua última reunião. Como os dados econômicos continuam mostrando uma economia forte, não existem sinais claros de uma desaceleração ou muito menos uma recessão nos Estados Unidos. O mercado de trabalho está com taxa de desemprego baixa, de 3,6%, a criação de vagas de trabalho ainda está rodando acima de 200 mil. E quando olhamos dados do setor imobiliário, do varejo e da indústria, tudo está melhorando indicando uma reaceleração da atividade por lá. Com isso, concordamos que o Fed tem de subir em 0,25 pp.

Mas o mercado ainda está em dúvida dessa decisão, não?!
Se esse 0,25 pp. está sacramentado, a dúvida fica por conta da comunicação. Na sua última reunião, o Fed divulgou as projeções para inflação, PIB e taxa de juros, o famoso dot plot. Naquele dot plot, houve uma surpresa porque o Fed tinha mostrado que havia consenso para dois aumentos de juros neste ano. O do dia 26 de julho seria o primeiro e ainda teríamos mais um, na reunião de setembro ou novembro. A dúvida que fica é se o Powell vai confirmar ou não esse segundo aumento. Essa é uma reunião mais enxuta, mais direta, em que o statement e a fala do Powell são importantes. Só que o Powell sempre é questionado se o comitê mudou a visão. A dúvida é se ele vai confirmar a segunda alta.

Aqui no Brasil, os dados do IPCA-15 têm capacidade de influenciar a decisão do Copom?
Esse era o dado mais importante. Porque no Brasil também temos o consenso que o Copom reduzirá a taxa de juros na semana que vem. O Copom já tinha mostrado que havia um consenso entre os membros a respeito de corte de juros em agosto. Há divergência, não parece ser uma decisão consensual, mas tem uma maioria e uma predominância das vozes favoráveis à inflexão da política monetária já em agosto. Desde a última decisão, tudo evoluiu para esse corte acontecer. Tivemos o CMN reforçando que a meta de inflação seria de 3%, a taxa de câmbio se valorizou, as expectativas no Focus recuaram mais, os dados todos de inflação desacelerando. Só que ficou uma discussão sobre qual era o ritmo.

Se a queda está sacramentada, qual deve ser o tamanho da redução da Selic?
A maioria das casas, inclusive a gente, espera os 25 bps [basis points, equivalente a 0,25 ponto percentual]. Só que esse número de inflação veio tão melhor do que as expectativas que essa divisão sobre o ritmo deve ficar mais quente. A discussão de 25 bps no Fed é tranquila, mas para o Copom parece que vai ser um close call, uma decisão ali no detalhe se vai ser o 25 bps ou 50 bps. Teve deflação do IPCA-15 de 0,07%, o que já é uma boa notícia. Quando olhamos os últimos 12 meses, esse IPCA-15 continuou desacelerando e atingiu 3,2%, ou seja, dentro do patamar do centro da meta de inflação deste ano. Mas a melhor notícia foram aqueles núcleos, a inflação subjacente, que é onde o Copom está olhando com lupa e reflete crescimento, atividade e política monetária.

O que Comitê deve fazer?
Vou te falar que eu fiquei balançada por conta desse número, mas a minha visão é que ainda predomina 25 bps. Primeiro por conta da comunicação do Banco Central. Estamos em um período de silêncio, então infelizmente não temos atualização do que o Copom está achando. Mas as últimas falas ainda eram na direção do conservadorismo. Todos os adjetivos utilizados pelo Copom eram de cautela, de paciência, de parcimônia. E parcimônia é a chave para a comunicação do Banco Central, ou seja, ter um ritmo reduzido que seriam os 25 bps. Ainda estamos muito presos àquela comunicação. Os dados estão melhores do que a gente esperava, só que os números, a verdade nua e crua, é que o Copom ainda tem um desafio.

"Se o Copom começar de maneira conservadora, as expectativas de inflação podem recuar mais, a curva de juros pode recuar, o câmbio pode apreciar. Ele colhe os frutos de uma maneira mais sustentável"

O desafio é ter a certeza que a inflação está ancorada?
As expectativas recuaram, mas 2025-2026 estão em 3,5% e o ano que vem em 3,9%, acima da meta. Claro que houve melhora e arrefecimento, mas para o objetivo do Banco Central ainda tem uma distância. Fora isso, é uma questão de estratégia. Se o Copom começa com 50 bps, ele pode levar o mercado a entrar em uma euforia e precificar um ritmo mais intenso nas próximas reuniões. Com isso, o orçamento para a queda da Selic seria alcançado muito rapidamente e o Banco Central, na minha avaliação, ficaria preso. Se começar de maneira conservadora, as expectativas de inflação podem recuar mais, a curva de juros pode recuar, o câmbio pode apreciar. Ele colhe os frutos de uma maneira mais sustentável.

O Copom mostrou conservadorismo para a queda na última ata. Ele pode se contradizer e cortar mais rapidamente esse juro de 13,75%?
Não, nada impede ele de fazer isso, mas precisaria construir de uma maneira muito bem detalhada. A última ata, na minha visão, trouxe um ruído. A decisão do Copom foi de manter os juros, mas veio um comunicado logo em seguida que era praticamente um copy and paste da última. Não tinham muitas mudanças. Todo mundo leu aquilo como duro, não parecia ter sinal de um corte iminente. Uma semana depois, veio a ata e trouxe aquele parágrafo que era muito emblemático falando a respeito da avaliação predominante de alguns membros de que o processo de desinflação já permitia iniciar um processo parcimonioso de inflexão.

Como uma informação tão importante como essa não tinha sido colocada?
O Roberto Campos tentou corrigir, falando que só coloca no statement algo que tem consenso. Mas ficou aquela sensação de uma comunicação ruidosa, mal feita e que poderia melhorar. Ele vinha falando muito em parcimônia, em cautela, em serenidade. Se começa com 50 bps, que hoje não é o consenso do mercado, teria de ser um statement longo e muito bem detalhado a respeito do que mudou e o que foi predominante. Comunicação é chave, até mesmo para colhermos esses frutos. E por mais que o mercado saiba que o cenário está melhorando, as expectativas ainda não estão ancoradas. Não tem problema nenhum mudar para 50 bps, mas precisaria destrinchar no comunicado os fatores determinantes e o que foi a maior surpresa no cenário dele.

Gabriel Galípolo e Ailton Aquino, os dois novos diretores, parecem ter uma cabeça de queda de 0,50 ponto percentual. Eles podem influenciar os colegas?
Esse é um ótimo ponto. Eles têm posicionamentos anteriores ao cargo de diretores do Banco Central. O Galípolo estava no Ministério da Fazenda, que é um ministério muito mais político e lida com expectativas. Traduzimos o que eles imaginavam, mas a cadeira de diretor de Banco Central é muito difícil. Ainda não temos a avaliação do que eles estão pensando sobre a conjuntura global, sobre como eles estão enxergando o processo de desinflação. É uma incógnita. Mas a verdade é que sabemos que eles teriam opiniões muito mais construtivas sobre o cenário de inflação. Eu concordo que é mais provável eles divergirem do Comitê ou terem opiniões diferentes a partir da segunda reunião. Mas isso não deixa de mostrar que na construção da ata, a opinião deles já possa aparecer de maneira mais clara.

"É mais provável eles [novos diretores do Banco Central] divergirem do Comitê ou terem opiniões diferentes a partir da segunda reunião"

Essas posições diferentes fazem bem para o Banco Central?
A conclusão que chegamos com a entrada deles dois é que vamos ter mais volatilidade na comunicação do Banco Central, mais dificuldade de construir um consenso, de ler para onde que o Banco Central está indo. Vamos ter divergências e acredito que isso é positivo. Pela lei da autonomia do Banco Central, esse era um passo que o Roberto Campos estava tentando, ou seja, dar mais autonomia para os diretores, como tem no Fed. Mas o nome disso é volatilidade e mais incerteza porque cada membro pode pensar completamente diferente. Acompanhar isso vai ser importante.

Você ficou balançada com esses últimos números da inflação. Isso muda, de alguma maneira, a sua projeção para a Selic no fim do ano?
Por enquanto, mantemos nosso número de 12%. Uma de 25 bps e mais três de 50 bps. Mas o que mexeu conosco, além da redução inicial, é a chance de acelerar. O nosso cenário antigo era algo muito linear. Isso não é usual nos ciclos de corte aqui no Brasil. Normalmente, o Banco Central é bem volátil, reage muito aos dados da inflação e pode ir mudando esse ritmo. Depois desse dado de inflação, mantivemos os 25 bps pelos eventos que comentei. Mas vamos supor que venha mais um número de inflação bom, dois números de inflação bons, talvez o que a gente vai ter discutir não é os 50 bps, mas 75 bps.

O que pode deixar você mais otimista neste segundo semestre, para rever as suas projeções, e o que pode deixá-la mais pessimista?
A atividade no Brasil está muito bem. Vamos crescer 2%, a taxa de desemprego está rodando em 8,3%. Então, a inflação de serviços arrefecer de uma maneira mais rápida, quando o PIB está forte, parece o soft landing nos Estados Unidos. É um cenário perfeito. Seria uma surpresa e isso ajudaria o Banco Central a acelerar a queda. Um segundo risco positivo é uma valorização adicional do real. A nossa expectativa era de que, quando começassem os cortes da Selic, o real perderia um pouco do apelo, por conta do carry. Achávamos que o real iria parar em R$ 4,80, R$ 5. O que me deixaria otimista é esse real continuar valorizando, seja porque o cenário global está positivo, com China estimulando o crescimento, ou porque internamente não temos riscos políticos. É impressionante como diminuíram muito as incertezas no cenário político. Ainda existem ruídos, mas não estamos discutindo pauta bomba, não estamos discutindo retrocessos de agenda econômica.

"É impressionante como diminuíram muito as incertezas no cenário político. Ainda existem ruídos, mas não estamos discutindo pauta bomba, não estamos discutindo retrocessos de agenda econômica"

E do lado pessimista?
O que me deixaria um pouco preocupada é qualquer evento político. A tensão está bem menor, mas temos dificuldade do governo na elaboração do orçamento do ano que vem. O Haddad prometeu zerar o déficit em 2024, mas não conseguimos fechar essas contas. Não tem insumos para garantir esse aumento de arrecadação. O Haddad está tentando tributar fundos exclusivos, extinguir o JCP, mas ainda não é claro. Podemos ter um ruído ao longo dos próximos meses sobre essa questão fiscal. Como o governo vai entregar essas metas? Isso poderia pegar no câmbio, poderia pegar nas expectativas de inflação. Fora isso, a minha outra preocupação é o global. Falei muito de China estimulando o crescimento global, mas se isso não acontecer, e um Estados Unidos mais forte, outperformando, excepcional, teremos um dólar forte.

O PIB do Brasil entraria na parte otimista ou pessimista?
É um ponto misto. Para nós, o PIB no Brasil vai crescer 2,2%, só que a trajetória trimestral é de desaceleração. O primeiro trimestre crescemos 1,9%, o segundo tri vai crescer, na nossa opinião, 0,1%. E no terceiro tri,  já cai 0,1%. Perde bastante fôlego. Isso ajuda o Banco Central e a inflação. Esses números de atividade no Brasil estão desacelerando, mas não tanto. Um dos meus riscos é esse crescimento no Brasil ficar um pouquinho mais forte do que esperamos. É uma boa notícia crescer mais, mas para inflação não é tão bom. Então, eu ficaria um pouco preocupada com a inflação e com a Selic se os números de crescimento vierem mais fortes.