O mercado de carbono tem potencial de atrair US$ 120 bilhões em investimentos no Brasil até 20230 com uma ideia simples: precificar emissões de gases de efeito estufa e cobrar de quem emite. A ideia, no entanto, tem alguns pré-requisitos: manter a floresta de pé ou replantar novas áreas.
Nesse jogo contra o aquecimento global – e em meio a um retrocesso ao redor do mundo contra políticas governamentais que ajudem a mitigar as emissões de gases de efeito estufa – a iniciativa privada está entrando em campo às vésperas da COP30, que acontece em Belém a partir de 10 de novembro deste ano.
Vivo, Vale, Nestlé, CBA e Reservas Votorantim são exemplos de empresas que têm investido em iniciativas para apoiar a economia verde. Os projetos, que representam somados quase 600 mil hectares, vão desde o reflorestamento até a preservação de áreas degradadas para garantir a perenidade do negócio.
“A iniciativa privada pode e deve ser corresponsável, pois tem capacidade de investimento, inovação tecnológica e poder de mobilização em larga escala”, diz Christian Gebara, CEO da Vivo no Brasil, ao NeoFeed. “O setor privado traz recursos, expertise e escala que são fundamentais para enfrentar desafios globais como a crise climática.”
O desafio não é pequeno. O Brasil assumiu o compromisso no Acordo de Paris de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030. Até agora, avançou pouco, menos de 1%. É nesse espaço que uma parte da iniciativa privada está contribuindo.
Batizado de Floresta Futuro Vivo, o projeto da operadora de telefonia Vivo vai investir na restauração e proteção de 800 hectares de floresta amazônica pelos próximos 30 anos, com o plantio, regeneração e conservação de mais de 900 mil árvores de 30 espécies nativas.
Anunciado no começo de setembro, o projeto da Vivo atuará, ao longo de 30 anos, entre uma região do oeste do Maranhão e o leste do Pará. Será localizado próximo a um dos últimos grandes blocos de floresta densa, em uma das áreas mais desmatadas da Amazônia, que vem mostrando sinais de exaustão.
“Assumimos este compromisso porque acreditamos que a Amazônia tem um papel decisivo no equilíbrio climático global e na preservação da biodiversidade”, diz Gebara. “Optamos por direcionar esforços de regeneração florestal especificamente para esse bioma porque o impacto positivo pode ser significativo tanto para o meio ambiente quanto para as comunidades locais.”
Assim como a Vivo, a mineradora Vale tem avançado na agenda de restauração e proteção florestal. Em 2019, a empresa se comprometeu voluntariamente com seis metas de sustentabilidade alinhadas à Agenda 2030 da ONU, plano de ação que estabeleceu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Na parte de florestas, compromete-se a recuperar e proteger 500 mil hectares até o fim da década fora de suas áreas de atuação. No caso da recuperação, o plano prevê atuar para reflorestar 100 mil hectares. Para avançar nesse objetivo, a mineradora conta com diversas parcerias.
A Vale já realizou aportes em nove empresas com operações nessa frente, muitas atuando com sistemas agroflorestais, que combinam árvores com culturas agrícolas. O resultado foi a recuperação de mais de 18,4 mil hectares na Amazônia e em outros três biomas brasileiros até o momento.
Os investimentos foram feitos por meio do Fundo Vale, criado há 16 anos para financiar projetos de impacto socioambiental no País. Além da injeção de recursos, a Vale tem contribuído com a gestão operacional das iniciativas e dos próprios negócios.
Na área de proteção, a companhia possui acordos de cooperação com órgãos governamentais para apoiar Unidades de Conservação. Na Amazônia, onde há 40 anos extrai minério de ferro na Floresta Nacional de Carajás, a Vale já aportou mais de R$ 430 milhões em 146 iniciativas que visam a manter a floresta em pé.
“Essas iniciativas são importantes para apoiar o mercado de base florestal brasileiro. E elas ajudam a gente a entender como o mercado vai se desenvolver e como podemos atuar”, afirma Patrícia Daros, diretora de soluções baseadas na natureza da Vale.
Quando reflorestar é bom para os negócios
Proteger florestas e reflorestar áreas degradadas não se trata apenas de uma boa ação para o planeta. É, na maioria dos casos, uma necessidade para garantir a sobrevivência do negócio.
Observe o exemplo da Nestlé, que tem investido em recuperação de áreas pelo mundo como parte de seu compromisso de equilibrar suas emissões líquidas de carbono até 2050. Mas, além de cumprir compromissos de sustentabilidade, a estratégia possui um aspecto econômico: garantir a disponibilidade de alimentos.
“Em 2050, metade da área de plantio de café arábica não vai existir mais, por causa das mudanças climáticas”, diz Cecília Soares, gerente de ESG da Nestlé. Mas as preocupações não são apenas com o longo prazo. “Em 2021, houve uma geada de dois dias em regiões que não eram suscetíveis a geadas e isso impactou na safra do ano seguinte.”
O aprofundamento dos efeitos da mudança climática tem resultado em quebras de safras, como ocorreu recentemente com o cacau e o café — o primeiro registrou alta de 189% no ano passado, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria da Alimentação (Abia), enquanto o café moído teve uma expansão acumulada de 80,2% nos 12 meses até maio, segundo o IBGE.
Somente neste ano, a Nestlé anunciou dois projetos de restauração ambiental em parceria com a empresa re.green e a fabricante de cacau Barry Callebaut, com foco em regiões produtoras de cacau e café na Bahia e no Pará. Juntas, as iniciativas irão recuperar cerca de 8 mil hectares de áreas degradadas, com o plantio e a proteção de 11 milhões de árvores ao longo de até 30 anos.
O reflorestamento também tem efeitos positivos para a CBA em termos de negócios, ajudando a companhia controlada pelo Grupo Votorantim a produzir alumínio com baixa emissão de carbono.
Há 40 anos atuando com mineração na Zona da Mata mineira, a empresa já reflorestou 137 hectares e plantou 152 mil mudas de espécies nativas da Mata Atlântica. Em Poços de Caldas, onde está presente há mais de 70 anos, desde antes da fundação, foram mais de 2 mil hectares.
Além do trabalho realizado nas áreas mineradas, a CBA também atua na gestão de biodiversidade em duas reservas particulares em parceria com a Reservas Votorantim. Uma delas, chamada Legado das Águas, fica no Vale do Ribeira, interior de São Paulo, e conta com 31 mil hectares de Mata Atlântica preservada. A outra, chamada Legado Verdes do Cerrado, possui 32 mil hectares e fica em Niquelândia (GO).
As iniciativas ajudam a manter a intensidade carbônica da produção de alumínio em um dos menores patamares da indústria. No caso do Legado das Águas, sua preservação é fundamental para manter os rios que abastecem as usinas hidrelétricas que fornecem energia para o processo produtivo na unidade de São Paulo.
“Nossa intensidade carbônica é quase quatro vezes menor do que a média do mundo. E o reflorestamento ajuda com isso”, diz Leandro Faria, gerente geral de sustentabilidade da CBA.
Dinheiro verde
Já a Reservas Votorantim vê o processo de reflorestamento como uma oportunidade de negócio, considerando que este é um mercado com potencial de alcançar R$ 776,5 bilhões, de acordo com o compromisso assumido pelo País no Acordo de Paris, segundo estudo do think tank ambiental Instituto Escolhas.
Após consolidar a venda de crédito de carbono, a Reservas Votorantim quer fornecer mudas de árvores nativas para projetos de reflorestamento. Para isso, conta com dois centros de biodiversidade com capacidade de produzir 450 mil mudas por ano e que têm potencial de expansão conforme a demanda — algo que David Canassa, diretor-executivo da empresa, vê como inevitável diante do compromisso brasileiro perante o Acordo de Paris.
“Entendemos que esse mercado vai evoluir com o tempo e é uma oportunidade para nós”, diz Canassa. “Quando se olha para a cadeia de restauração, percebe-se que ela é desestruturada. Se, de hoje para amanhã, decidissem recuperar esses 12 milhões de hectares, não haveria mudas suficientes.”
Há quatro anos, a Reservas Votorantim entrou na cadeia de restauração, provendo manejo para clientes externos, ajudando especialmente empresas que precisam fazer compensações a manterem suas próprias florestas. A companhia planta e cuida dessas áreas por um período de cinco anos, além de realizar todo o inventário de biomassa do território.
Canassa destaca que projetos de restauração variam de R$ 35 mil a R$ 65 mil por hectare, conforme a complexidade. “Tem um mercado a ser desenvolvido gigantesco: o mercado voluntário mais o mercado de compensações para atender ao Código Florestal”, afirma. “É um mercado bilionário."