Filho de Edgard Corona, fundador da Smart Fit, Diogo Corona assumiu o comando da TotalPass no fim de 2019. Na época, a iniciativa era apenas um exercício da empresa de fitness em reação à ascensão da Gympass, startup que popularizou o modelo de plataformas que dão acesso a um pacote de academias.
A criação do posto de CEO e a sua chegada deram foco à operação, que ganhou corpo e deixou de ser apenas mais um entre tantos projetos competindo pelos investimentos do grupo, que abriu o capital em 2021 e hoje é avaliado em R$ 9,8 bilhões.
Após alcançar esse status, a TotalPass entende que está em boa forma para desafiar o domínio da Gympass. Essa visão é embalada pelo avanço da operação e por mudanças neste mercado, a partir de decisões do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
“O mercado tem espaço e precisa saber que existem dois players”, diz Corona, CEO da TotalPass, ao NeoFeed. “E vamos buscar a liderança. Não existe nenhum cenário em que ficaremos tranquilos com o segundo lugar.”
Há um bom caminho para tornar essa ginástica realidade, em um setor restrito basicamente às ofertas B2B. Hoje, segundo estimativas de mercado, a Gympass lidera com uma fatia de 80%. Os 20% restantes estão nas mãos da TotalPass.
Uma parcela relevante dessa fatia foi conquistada recentemente. Embora não abra números consolidados, Corona revela que a plataforma mais do que triplicou o número de academias desde o início de 2022.
O NeoFeed apurou que a startup saiu de uma base de cerca de 2,5 mil para mais de 8 mil academias parceiras. Já os clientes corporativos, aqueles que contratam a plataforma como benefícios para funcionários, o salto foi de 1,4 mil para 3 mil clientes.
Com presença em 11 países, a Gympass atende mais de 14 mil clientes, a partir de uma rede de 50 mil academias. Desse total, metade dos parceiros está no mercado brasileiro.
A TotalPass encontrou fôlego para reduzir essa distância em decisões do Cade. Em setembro de 2022, a Gympass fechou um acordo com o órgão estabelecendo, entre outros pontos, que os contratos de exclusividade com academias se limitariam a 20% da sua base.
O termo de cessão de conduta veio na esteira de uma denúncia feita pela TotalPass, em 2020. Em dezembro de 2021, o Cade publicou uma decisão preventiva impedindo que a Gympass fechasse novos contratos nesses moldes.
Em pouco mais de um ano, a Totalpass atraiu empresas como Volkswagen, Ford e Amil para sua base de clientes
O grande impulso para que a TotalPass começasse a ganhar escala veio, porém, em fevereiro do ano passado, quando uma medida cautelar estendeu a decisão aos contratos em vigor da concorrente.
“Como aconteceu com agregadores em outros mercados, a Gympass ganhou muito poder e ameaçava as academias. O jogo era dela”, diz Corona. “Nós tínhamos dificuldade de crescer, mas a decisão do Cade mudou tudo.”
Procurada pelo NeoFeed, a Gympass não se manifestou sobre as alegações da TotalPass até o fechamento desta reportagem.
O fato é que, nesse novo cenário, além de ampliar sua rede de parceiros, a TotalPass atraiu mais clientes. Grupos como Volkswagen, Ford, Banco Original e Amil aderiram à plataforma, que já atendia nomes como Itaú, Santander, GPA, Via e Assaí.
Em paralelo, com exceção da Gympass, as academias do grupo também estão conectadas a outras plataformas de benefícios. Os usuários da americana ClassPass, por exemplo, têm acesso às unidades da Bio Ritmo.
Disputa
Há muito espaço a ser explorado. Segundo a consultoria IHRSA, o mercado brasileiro de fitness tem mais de 32 mil academias e movimenta cerca de US$ 2,4 bilhões anualmente.
Na disputa com a Gympass, avaliada em US$ 2,2 bilhões, a TotalPass está de olho, claro, nesse universo. Mas é na conexão com o grupo Smart Fit, dono de uma receita líquida de R$ 2,9 bilhões em 2022 e de mais de 1,2 mil academias, que a startup deposita boa parte das suas fichas.
A visão é de que esse embate se dá, em maior escala, entre o core das duas empresas: os parceiros exclusivos da Gympass e as unidades do grupo Smart Fit, que representam cerca de 10% da plataforma da TotalPass. “Esses 10% têm mais frequência que os outros 90%”, diz Corona.
Ele também aposta na diversidade de perfis das bandeiras do grupo: Smart Fit, Bio Ritmo e os studios. Essa última frente inclui as marcas Vidya, Race Bootcamp, Jab House e Tonus Gym, e ofertas como yoga e exercícios funcionais.
Corona ressalta a pegada premium da Bio Ritmo e dos studios e diz que elas são uma porta de entrada para atrair novas empresas, já que muitos executivos C-Levels frequentam as unidades dessas marcas.
Essa abordagem mais focada se estende a outra esfera. Desde a pandemia, a Gympass tem ampliado seu modelo, sob a ótica de bem-estar. Para isso, vem plugando dezenas de aplicativos em sua plataforma, via aquisições e parcerias.
Em meados de 2022, a TotalPass lançou a TotalMind, seu braço nessa direção. Sua ideia, porém, em cada área, é ter apenas um parceiro, com boa escala em seu respectivo nicho. O Psicologia Viva, marketplace com mais de 5 mil psicólogos em sua base, foi o primeiro acordo fechado.
“Não faz sentido ter muitos parceiros. Até porque isso dificulta o trabalho de cruzamento de dados pelas áreas de RH”, diz Corona. “Estamos olhando para áreas como sono e nutrição, mas as academias seguirão sendo nosso carro-chefe.”
Outra fronteira em que a TotalPass será mais comedida é a expansão internacional. Desde 2019, a empresa atua no México, com uma base de 3 mil academias. Apesar de a Smart Fit já estar em 14 países da América Latina, o plano da startup, no curto prazo, é se restringir a essa operação.
“Tínhamos planos de expandir”, diz o CEO da TotalPass, citando Colômbia, Peru e Chile como prováveis próximas escalas. “Mas seguramos, pois entendemos que o investidor não aprovaria queimar caixa nesses projetos em um momento em que o custo de capital está tão alto.”
Convencer investidores e o board da Smart Fit de que a TotalPass era um negócio viável foi uma das prioridades de Corona logo que assumiu como CEO da startup.
Até então, poucos entendiam o projeto iniciado em 2016. “Durante um bom tempo, houve muita desconfiança. Para alguns, era como se o McDonald’s estivesse criando o iFood”, conta.
Uma das primeiras decisões de Corona foi fazer um spin-off e transferir o time da TotalPass para outra estrutura física. Em sua visão, era necessário cortar os laços e ganhar vida própria, foco e agilidade.
Dois anos depois, a TotalPass voltou ao prédio que abriga a sede da Smart Fit, em São Paulo. Nove andares separam, porém, os dois times. Com uma estrutura apartada e uma equipe de mais de 200 profissionais, a companhia compartilha apenas áreas como RH e compras com o grupo.
“Tivemos que nos reinventar, porque é uma outra lógica e uma outra cultura”, afirma. “Mas hoje, tudo está muito mais claro na cabeça das pessoas e todos entenderam o potencial desse modelo.”
* Correção: a reportagem atualizada às 9h04 com a correção do número de academias parceiras da Gympass