Desde que assumiu a presidência de administração da desenvolvedora de software Totvs e passou o comando operacional para Dennis Herszkowicz, em novembro do ano passado, o empresário Laércio Cosentino repete com frequência um trajeto.
Ele sai de seu apartamento na região dos Jardins, em São Paulo, e dá uma pequena volta a pé no quarteirão, chegando ao edifício onde está a sede de seu family office, o MCLC4 (as siglas sãs iniciais do nome de sua esposa, Maria Candida, as de seu próprio nome e o número de filhos que ambos têm).
No mesmo prédio estão instaladas a Loft, startup de compra e venda de imóveis, a plataforma de pagamentos PayGo e a Arco Educação, empresa de educação cearense que abriu o capital na Nasdaq, a bolsa eletrônica dos Estados Unidos. “As pessoas dizem que eu sou a pessoa mais velha do prédio”, brinca Cosentino, soltando uma sonora gargalhada.
A brincadeira parece não incomodar o empresário. Ao contrário. Cosentino tem mais experiência do que qualquer um dos empreendedores que trabalham naquele prédio.
Aos 58 anos, Cosentino construiu a Totvs adquirindo mais de 40 empresas ao longo de seus 36 anos de história, desde que se chamava Microsiga. Deixou o dia a dia operacional da companhia com um faturamento de R$ 2,4 bilhões, 9 mil funcionários e 30 mil clientes.
Agora, ele quer levar essa longa experiência em fusões e aquisições para investir em startups através de seu family office em três setores: tecnologia, saúde e construção civil. “Hoje, eu tenho uma agenda mais flexível”, disse Cosentino, em entrevista ao NeoFeed. “Eu dedico parte do meu tempo para a estratégia da Totvs, mas também a outros investimentos do meu family office.”
O mais recente, revelado com exclusividade ao NeoFeed, é o aporte na Biosolvit, startup de biotecnologia especialista em remediação ambiental, que desenvolveu um absorvedor orgânico de petróleo a partir do resíduo de palmeira.
“Ela desenvolveu um polímero que suga o petróleo. Quando tem vazamento, você o coloca na mancha e ele suga tudo. Depois, em uma centrífuga, você separa o óleo e recupera o produto”, explica Cosentino, sem divulgar o valor do investimento.
A estratégia da MCLC4 é fornecer o seed money, dinheiro semente para os primeiros passos da startup
A startup foi fundada pelo analista de sistemas fluminense Guilhermo Pinheiro de Queiroz, que já foi sócio da operação da Totvs no sul do Estado do Rio de Janeiro. Neste ano, a Biosolvit ficou entre as 12 finalistas da competição “Startup World Cup Global Pitch Competition & Conference”, em São Francisco, nos Estados Unidos.
A Biosolvit, que também já recebeu investimentos do BMG e da Bossa Nova Investimentos, se une ao pequeno portfólio da MCLC4. Na área de tecnologia, Cosentino conta com a própria Totvs e com a Flores Online, um comércio eletrônico de flores.
Em saúde, o family office de Cosentino investiu na Mendelics e na Brain4Care. A primeira é focada em exames genéticos que preveem doenças raras, mesclando medicina e tecnologia. Ela conta também com um software de inteligência artificial que compila as informações individuais com mais precisão.
A Brain4Care, por sua vez, criou um dispositivo de internet das coisas que consegue medir a pressão intracraniana de forma inovadora e não invasiva. A startup foi fundada pelo cientista Sérgio Mascarenhas, hoje com 90 anos. O primeiro cliente foi o Hospital Sírio Libanês.
Na área de construção civil, Cosentino aposta da Inovalli, uma construtora e incorporadora. “Esse setor é nosso hedge”, afirma o empresário. “É uma forma de nos posicionarmos na velha economia.”
Cosentino também investiu na empresa de snacks orgânicos e saudáveis Mãe Terra. Mas saiu do negócio quando a companhia foi comprada pela Unilever, em 2017.
A estratégia da MCLC4 é fornecer o seed money, dinheiro semente para os primeiros passos da startup. Mas ela sempre reserva recursos para fazer aportes subsequentes, os chamados follow-ons. O empresário não revela o valor que tem para investir. “Se eu disser, o preço fica mais caro”, diz Cosentino.
O portfólio da MCLC4, no entanto, é bastante restrito. “Queremos fazer poucos investimentos, mas bons investimentos”, afirma. “Somos bem seletivos.” A decisão final sempre passa por Cosentino. Mas antes de chegar até ele, uma equipe faz a seleção das potenciais startups.
Um dia na Totvs
Nessa nova rotina, Cosentino reservou à Totvs toda terça-feira. Em vez de ir a pé ao escritório, como ele faz no family office, ele pega seu carro e atravessa a cidade até Santana, na Zona Norte de São Paulo, onde está localizada a nova sede da empresa.
Sua agenda é bem disciplinada. Das 8h30 até as 10h30, ele se reúne com Herszkowicz. “Combinamos que nunca seria menos do que duas horas, mas nunca mais”, diz Cosentino.
Depois, ele reserva a agenda para participar dos diversos comitês da desenvolvedora de software, como os de estratégia e de governança corporativa.
A Totvs também vai começar uma nova fase de aquisições. A empresa conta com R$ 1 bilhão, captados em maio numa operação de follow-on de ações na B3, para gastar em compras.
Mas a missão de investir esse dinheiro, pela primeira vez na história da Totvs, é de Herszkowicz e não de Cosentino.