Em um palco de quase 40 metros de extensão, com uma tela ao fundo de 34 metros, um executivo vestindo camisa preta, calça jeans e um sapatênis de tons alaranjados fala para uma plateia de seis mil pessoas.

Olhando de longe, a estética é de uma apresentação do Vale do Silício, a região da Califórnia que reúne as principais empresas de tecnologia e internet do mundo.

O evento, no entanto, acontecia na cidade de São Paulo, durante os dias 25 e 26 de junho, no Universo Totvs e marcava a estreia de Dennis Herszkowicz como CEO da Totvs, a maior companhia brasileira de software de gestão para empresas, para uma plateia gigantesca de clientes.

Herszkowicz está à frente da Totvs desde novembro do ano passado. Ele sucedeu a Laércio Cosentino, o fundador da empresa, que construiu seu império na área de software a base de aquisições. Foram mais de 40 compras ao longo de 36 anos de história, desde a época em que comandava a Microsiga.

Agora, Herszkowicz tem a missão de começar uma nova fase de aquisições na Totvs. Ele conta com R$ 1 bilhão, captados em maio numa operação de follow-on de ações na B3, para gastar em compras.

A Totvs entra em uma nova fase de consolidação pela primeira vez em sua história sem Cosentino à frente da companhia. O empreendedor agora senta-se na cadeira da presidência do conselho de administração, deixando de estar no dia a dia operacional da empresa.

Cosentino estava no Totvs Universo. Fez uma rápida introdução para a apresentação de Herszkowicz aos seis mil clientes e falou discretamente durante uma coletiva de imprensa. Quando viu a reportagem do NeoFeed, brincou. “Falei pouco, não?”, perguntou ele.

Depois contou sua nova rotina como conselheiro da Totvs. Vai apenas uma vez por semana na sede da companhia, em São Paulo, e não se envolve mais na parte operacional. Nos demais dias, passa o tempo pensando em estratégia para a Totvs e em seus outros negócios, como a Mendelics, um laboratório de análise genômica, no qual investiu em 2012.

DNA de M&A

Herszkowicz foi recrutado pela Totvs depois de uma longa carreira na rival Linx, onde era o número 2 da empresa. Trabalhou na companhia de 2003 a 2018, onde liderou a área de M&A. Em suas costas, como costuma de dizer, foram mais de 30 compras.

“Eu costumo brincar que se juntar eu e o Laércio, temos mais aquisições do que qualquer banqueiro no Brasil”, afirmou Herszkowicz, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. E continua. “Eu sei fazer M&A dormindo”, diz o executivo brincando, referindo a sigla em inglês que significa fusões e aquisições. “Não quer dizer que não se possa cometer erros, mas está no meu DNA.”

“Eu costumo brincar que se juntar eu e o Laércio, temos mais aquisições do que qualquer banqueiro no Brasil”, diz Dennis Herszkowicz, CEO da Totvs

Antes da Linx, Herszkowicz surfou na primeira onda de internet brasileira, no fim dos anos 1990. Ele fundou a Gibraltar, uma empresa de leilões online, que concorria com o Mercado Livre e Arremate.

A companhia não deu certo. Ao fechar a pontocom, ele foi trabalhar na rival Arremate, antes de ser contratado pela Linx, empresa na qual passou 15 anos de sua vida profissional.

Quero ser “techfin”

O dinheiro captado pela Totvs, em maio, já tem o seu destino. Ele será gasto integralmente em aquisições. Herszkowicz não lista prioridade, mas diz que os R$ 1 bilhão vão ser gastos em quatro alvos. O primeiro deles são empresas de ERP e de folha de pagamento. “É para defender nosso negócio principal”, justifica o executivo.

O segundo alvo são empresas em áreas nas quais a Totvs quer reforçar sua participação de mercado. Herszkowicz, no entanto, não lista quais setores são considerados prioritários.

Em seguida, a Totvs busca empresas que complementem suas soluções, como de CRM ou comércio eletrônico.

O quarto alvo tem feito os olhos dos investidores brilhar, pois marca a entrada da companhia em uma nova área, considerada muito promissora. É a das fintech ou “techfin”, como prefere chamar Herszkowicz.

Palco do Universo Totvs, em São Paulo, durante apresentação de Dennis Herszkowicz, novo CEO da empresa

“Não vou ser o responsável por dar o crédito. Não vamos virar bancos. Teremos parceria com bancos grandes e médios e até mesmo startups que estejam provendo o crédito”, justifica o executivo o uso da palavra “techfin”.

A primeira dessas parcerias foi fechada com a Rede, do grupo Itaú, para oferecer meios de pagamentos e antecipação de recebíveis para clientes de médio e pequeno porte do varejo. Numa segunda fase, a ideia é fazer a integração dessas ofertas dentro do próprio software da Totvs.

Um relatório do BTG Pactual, assinado pelos analistas Carlos Sequeira e Bernardo Teixeira, no começo de junho, recomendou a compra dos papéis da Totvs, com preço-alvo de R$ 60 a ação. E justificou. “De acordo com nossas previsões, o negócio principal vale R$ 45 a ação, enquanto as novas iniciativas têm potencial de acrescentar um extra de R$ 15 a ação.”

Relatório do BTG Pactual recomendou a compra dos papéis da Totvs

Por novas iniciativas, leia-se a investida na área de fintechs e a recente joint venture anunciada com a brasileira VTEX, que atua em comércio eletrônico. Esse negócio ainda precisa ser aprovado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

Nesta manhã, as ações da Totvs estavam na faixa de R$ 42, negociadas em um patamar recorde desde a abertura de capital da empresa em 2006. O valor de mercado era superior a R$ 8 bilhões.

A nova divisão techfin da Totvs pode também contribuir, em poucos anos, com um aumento de receita de aproximadamente 30% do faturamento, segundo estimativa do BTG Pactual. Em números: quase R$ 700 milhões adicionais às atuais vendas de R$ 2,3 bilhões.

A hora de vender

Herszkowicz não terá a missão de apenas ir às compras. Ele também começou um processo raro na Totvs: vender operações não rentáveis ou consideradas não estratégicas.

A primeira delas foi a CiaShop, que havia sido comprada em 2015. A VTEX ficou com a empresa, na esteira da negociação de uma joint venture entre as duas companhias.

Em maio, foi a vez de sair da área de hardware e se desfazer da fabricante de equipamentos de automação comercial Bematech, comprada por R$ 550 milhões em 2015.

A Elgin pagou R$ 25 milhões, uma pequena fração do valor investido pela Totvs no passado, e ficou com a empresa. A Totvs, no entanto, manteve as soluções de software da Bematech, que agora podem funcionar em qualquer equipamento. “Seremos agnósticos de hardware”, diz Herszkowicz.

Herszkowicz também começou um processo raro na Totvs: vender operações não rentáveis ou consideradas não estratégicas

A Logic Controls, uma empresa americana de hardware que havia sido comprada pela Bematech, também está à venda. “Não existe nenhum dogma”, diz Herszkowicz. “Se tivermos uma operação que entendemos que não está dando o devido retorno e acreditamos que não temos a capacidade de virar o jogo, por que não vender?”

Essa é a nova filosofia da Totvs, sob o comando de Herszkowicz. Não pense, no entanto, que há tanta diferença de estilo entre ele e o Cosentino.

Além de ambos terem bastante experiência em fusões e aquisições, os dois tem um hobby em comum: a culinária. “Já conversamos muito sobre isso”, enquanto mostra ao NeoFeed uma foto de enrolados de arroz vietnamita com camarão, que ele preparou no fim de semana anterior.

E assim, entre um prato e outro, a Totvs vai se preparando para novas aquisições.

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