Em meio ao inverno das startups, existem as que estão ficando sem capital e estão fazendo layoffs para estender seu caixa. Aquelas que vão morrer, quando o dinheiro acabar. E as que estão capitalizadas e buscam, de forma insistente, criar um negócio rentável e equilibrado.

A Mercê do Bairro, startup criada por Diego Libanio e Guilherme Bonifacio, fundadores do Zé Delivery e iFood, respectivamente, está tentando um caminho novo em meio a essa crise, após concluir que não irá conseguir avançar com o plano original.

Depois de captar R$ 53 milhões, em outubro de 2021, em rodada liderada pela Flourish Ventures e GFC, com participação de MAYA, SV Latam, Quartz, Picus, Domo, Alexia Ventures e Prana, a Mercê do Bairro está pausando a operação, reduzindo a equipe a um número bem baixo (atualmente são 30 funcionários) e indo para o “divã”.

“A maior parte do capital que levantamos está em caixa”, diz Libanio, em entrevista ao NeoFeed, confirmando que não atuará mais vendendo para pequenos mercados de bairro, o modelo no qual a startup foi fundada. Mas isso não significa que a Mercê do Bairro esteja fechando as portas. “Estamos mudando a estratégia”, afirma Libanio.

O NeoFeed apurou que os investidores seguirão apostando na dupla de empreendedores, por conta da experiência que eles têm no mercado. “Estamos estudando modelos que têm uma característica mais de SaaS (software as a service) e que dependem menos de capital para crescer”, afirma Libanio.

De acordo com o que algumas fontes próximas a operação da Mercê do Bairro disseram ao NeoFeed, a ideia é usar o caixa para comprar outras startups que atuem com SaaS.

Questionado sobre essa estratégia, Libanio afirma que “dado que o mercado está em baixa, há muitas empresas operando a múltiplos atrativos”.

E acrescenta. “Como estamos capitalizados, achamos que vale avaliar algumas oportunidades pontuais, mas não é o nosso foco e nem mesmo necessariamente o que vamos fazer.”

Sem dar detalhes, Libanio diz que a estratégia é começar a fazer diversos testes para saber em quais áreas a startup deve atuar nessa nova “encarnação”. A busca é por algo “asset light”, resume o fundador da startup.

Embora não confirme, o NeoFeed ouviu de investidores que estão na base de acionistas da Mercê do Bairro que a startup deve ficar na área de varejo por conta do expertise da dupla nessa área. E que é provável um rebranding da companhia por conta do novo foco.

A mudança de estratégia da Mercê do Bairro, que no setor de empreendedorismo responde pelo jargão de “pivotar”, começou a ser desenhada com a crise do mercado de venture capital.

Quando captou a rodada de séria A no fim de 2021, a intenção era avançar para além de São Paulo e expandir-se para outros estados, como Minas Gerais e Rio de Janeiro. O dinheiro seria também usado no desenvolvimento da plataforma e para reforçar o time nas áreas de tecnologia e produto.

Nessa ocasião, a startup também mudou sua estratégia. Em vez de ser um marketplace, que fazia a ponte entre pequenos mercados de bairro e fornecedores de produtos, a Mercê do Bairro resolveu criar seu próprio braço logístico, negociar com os fornecedores e vender direto para os mercadinhos.

O negócio tornou-se pesado (asset heavy). “Esse é um business de escala e você fica na mão de poucos fornecedores”, diz uma fonte, ao NeoFeed. “É necessário muito capital.”

Com a restrição de capital e com os juros altos a partir de 2022, ficou claro para Libanio e Bonifacio que não seria possível fazer uma nova rodada.

“Não vai ser um ciclo curto (o da alta de juros). E isso significa que modelos que dependem de capital para crescer, para ter tamanho e escala vão ser bastante desafiados”, afirma Libanio.

Uma pesquisa da gestora Kamaroopin, na qual o Pátria Investimentos tem uma fatia minoritária, chegou à conclusão que vão faltar US$ 2,4 bilhões na América Latina para as startups que precisam de capital de growth, aquelas que necessitam de dinheiro a partir da séria B – justamente a situação da Mercê do Bairro.

O capital, de fato, já está mais escasso. No primeiro trimestre de 2023, os investimentos em startups no Brasil caíram 86%, para US$ 247 milhões, segundo o Distrito. Em 2022, já haviam recuado mais de 50%, para US$ 4,45 bilhões.

Isso tem feito muitas startups postergarem planos e cortar pessoas. O caso mais emblemático é o da Facily, uma empresa de social commerce que levantou mais de US$ 500 milhões,

Para sobreviver, a Facily encolheu 90% seu GMV, cortou a equipe de mil funcionários para 200 e reduziu a queima de caixa de US$ 30 milhões para US$ 2,5 milhões.