Diariamente, mais de 200 pessoas circulam pela sede de 11 mil metros quadrados da Hilab na Cidade Industrial, bairro de Curitiba. Há duas semanas, essa engrenagem de programadores, especialistas de inteligência artificial, biomédicos, bioquímicos e afins reservou espaço para mais uma peça.

A estante com os prêmios da empresa de exames e diagnósticos a partir de uma gota de sangue foi reforçada com uma nova conquista: o título de startup mais inovadora da MedLab, a principal feira do setor no Oriente Médio, realizada em Dubai.

A premiação simboliza como a companhia está começando a explorar outras fronteiras muito além da capital paranaense. E, nessa expansão internacional, sua mais nova prioridade, os resultados já colhidos não estão restritos a mais um troféu em sua galeria.

“Foi nosso primeiro teste. Saímos de lá com mais de 200 leads, em 52 países”, diz Marcus Figueredo, fundador e CEO da Hilab, ao NeoFeed. “A feira mostrou que o que temos é global. Tudo o que fizemos na caatinga, na Amazônia, foi um treinamento para o que estamos vendo no mundo.”

Esse ímpeto ultrapassou a fase dos ensaios. As conversas nos estandes, aliadas às publicações de papers e outros eventos, já se traduziram em oito contratos na Indonésia, Filipinas, Índia, Sri Lanka, Tanzânia, Moçambique, Chile e México.

O mapa resume o foco da Hilab. A empresa vai se concentrar em contratos, em média, de quatro anos, no segmento de atenção primária, na região que classifica como “Sul global”: América Latina, sudeste asiático, Oriente Médio e norte da África.

Os primeiros projetos incluem mais de 11 milhões de exames e 48 mil equipamentos. Para se ter uma medida, no Brasil, a empresa tem 5,1 mil dispositivos em 1,3 mil cidades, alocados em farmácias como a rede Pague Menos, hospitais, secretarias de saúde e empresas como a Renault.

A partir desse primeiro impulso, os contratos internacionais já representam 50% da sua receita total, excluindo dessa conta os exames de Covid-19 e dengue. Sob essa mesma equação, a projeção é fechar 2024 com 70% da receita vinda do exterior.

Figueredo não revela o faturamento previsto para o ano. Mas o NeoFeed apurou que a projeção é chegar a R$ 200 milhões no período. Além desse montante, a empresa trabalha com uma faixa de R$ 90 milhões a R$ 100 milhões adicionais relativa aos testes de Covid-19 e de dengue.

Com um prazo de três anos e 8 milhões de exames em escolas e 40 mil dispositivos, a Filipinas é, nessa largada, o maior projeto  internacional. E ilustra como o modelo descentralizado, com equipamentos portáteis, é uma das chaves para avançar nessas geografias.

“São mais de 7 mil ilhas e cerca de 20 milhões de crianças no país”, diz Figueredo. “Já a Indonésia tem 17 mil ilhas e uma população de 270 milhões de pessoas. É impossível trabalhar com a saúde pública a partir de um laboratório central.”

Dona de um portfólio de 40 exames e 5 dispositivos, a Hilab tem como passaportes nesse embarque o Volt, do tamanho de um mouse e voltado à exames de urgência, com laudos em até cinco minutos, e o Lens, que faz hemogramas completos e traz resultados em até 30 minutos.

Outros números explicam como a Hilab quer fechar a conta para que os projetos caibam no bolso mais apertado da região. Baseado na leitura de eletrodos, o Volt segue o mesmo princípio dos testes de glicemia, mas faz mais exames, como índices de cálcio, sódio e ferro.

Marcus Figueredo, cofundador e CEO da Hilab, durante a MedLab
Marcus Figueredo, cofundador e CEO da Hilab, durante a MedLab

“O custo de um eletrodo em alto volume fica abaixo de cinco centavos de dólar, contra cerca de US$ 0,80 no modelo tradicional”, diz Figueredo.

O Lens reforça essa pegada. No mercado de equipamentos portáteis para exames remotos, dispositivos similares pesam entre 40 kg e 50 kg e custam US$ 34 mil. Já a linha da Hilab pesa 1 kg e está sendo vendida por US$ 3 mil.

Lançado em 2023, o Lens foi desenvolvido na pandemia. E o fato de a empresa ter concentrado parte dos seus esforços no projeto, em paralelo ao boom dos testes rápidos que impulsionaram o setor e a própria Hilab na Covid-19, carrega outra vantagem.

“Muitos surfaram essa onda e, ao focarem só na Covid-19, viraram unicórnios e foram para a Nasdaq”, observa Figueredo. “Nós nos antecipamos e, quando a onda caiu, o Lens nos deu uma nova escalada.”

Nessa ascensão e queda, a americana Cue Health abriu capital na Nasdaq em setembro de 2021 e foi avaliada em US$ 2,3 bilhões. Hoje, vale US$ 38,7 milhões. A britânica Lumira DX fez seu IPO na mesma época. E viu seu valuation recuar de US$ 3 bilhões para US$ 246,5 milhões.

O segmento ainda atrai, porém, os investidores. Esse foi o caso da canadense Vital Biosciences, que captou US$ 48 milhões em 2023 junto a nomes como Sam Altman, CEO da OpenAI. Mas Figueredo está de olho em outras cifras.

“O mercado global de diagnósticos movimenta US$ 212 bilhões, sendo que 30% estão no Sul global”, diz. “Mas há bilhões na região que hoje não existem, porque ninguém vende uma tecnologia que esses países podem pagar.”

Investimentos e nova rodada

Nessa incursão fora do Brasil, a escolha é fechar contratos apenas via distribuidores. Essa foi a maneira encontrada para driblar a complexidade de montar uma estrutura própria e de lidar com as exigências das agências sanitárias em cada país.

O modelo dialoga com a decisão da empresa, que se vendia como uma healthtech, de se posicionar como uma biotech. Na prática, a Hilab passa a vender sua tecnologia a parceiros, que serão treinados por sua equipe para viabilizar parte da estrutura necessária e operar o sistema na ponta.

Nessa transição, a empresa fechou dez distribuidores no Brasil. E, no exterior, já tem um parceiro em cada país em que assinou contrato. São os casos da LabX, nas Filipinas, e da Kirana, na Indonésia.

Treinamento para o projeto da Hilab nas Filipinas
Treinamento para o projeto da Hilab nas Filipinas

Parceiros à parte, os acordos internacionais e a expectativa de novos contratos criam um grande desafio e vão exigir investimentos da Hilab. Hoje, por exemplo, a companhia já tem sua capacidade produtiva, de até 150 mil exames por dia, próxima do limite.

Uma das opções, já adotada em parte no Brasil, é terceirizar a produção, o que passa pela avaliação de acordos na Índia e na China. A Hilab também vai investir na centralização da logística na região. Nesse caso, Dubai figura como um possível destino dos recursos.

“Temos caixa, o BNDES e os nossos investidores podem ajudar a nos financiar”, diz Figueredo. “O ponto é o quão fundo queremos ir. Se fizermos com nossos próprios recursos, talvez tenhamos que limitar a dez países.”

Para não reduzir suas ambições, a Hilab planeja a captação de uma nova rodada no segundo semestre. Hoje, nomes como eB Capital, Positivo Tecnologia, a Península, da família Diniz, Rise Ventures e Monashees compõem o seu captable.

“Já temos investidores muito bons. Eles assumiram riscos que normalmente não se assume, pois fizemos coisas que não estão no livro das startups e da Faria Lima”, diz. “Mas precisamos trazer o tipo de fundo que vai investir na Tesla. A ideia é fazer uma rodada à Vale do Silício.”

Laboratório da Hilab, em Curitiba (PR)
Laboratório da Hilab, em Curitiba (PR)

O Vale do Silício foi justamente o palco de um roteiro que, em sua visão, facilitou o caminho para que a Hilab desenvolvesse sua tecnologia ao ponto de poder, nesse momento, alimentar essa aspiração e fazer frente a players de outros países.

Esse script teve como protagonistas a Theranos e sua fundadora Elizabeth Holmes, que prometeu entregar um laboratório portátil capaz de fazer mais de 200 exames com apenas duas gotas de sangue e um preço inferior a US$ 3.

A startup americana captou US$ 1,4 bilhão e foi avaliada em US$ 9 bilhões. Holmes, por sua vez, chegou a ser comparada a Steve Jobs. Mas foi condenada a mais de 11 anos em 2022, acusada de fraudar investidores.

“A Theranos atrapalhou muito as biotechs americanas ao captar milhões e ter o ‘novo Steve Jobs’. Afinal, quem iria investir e apostar contra a ‘Apple’’, diz. Ele ressalta que a descoberta da fraude trouxe uma nova ressaca nos investimentos, o que, mais uma vez, atrasou as rivais.

“Se vencermos no mundo, a Elizabeth Holmes terá sido a nossa maior patrocinadora, pois atrapalhou toda essa turma”, brinca. “E nós tivemos a vantagem de estarmos num mercado que estava imune a tudo isso.”