Depois de sete anos morando fora do Brasil, Andre Szajman, da família fundadora do grupo brasileiro de benefícios VR, vendido para a Sodexho por R$ 1 bilhão em 2007, voltou ao País em 2019. Logo que desembarcou por aqui, participou de um evento que discutia as favelas e as periferias no Insper, uma instituição de ensino superior localizada em São Paulo.
No evento, ele ouviu diversos empreendedores que estão fora do radar de fundos de venture capital e conheceu executivos de organizações não governamentais e pesquisadores que mostravam a realidade de um “Brasil vibrante que existia fora do asfalto”, como ele diz.
“Eu não vivo nesse país”, pensou Szajman, assim que saiu do evento, por travar contato com uma realidade que não tinha nem ideia que existia. “E, depois daquele dia, decidi que ia dedicar bastante tempo para ajudar no desenvolvimento do empreendedorismo das periferias.”
Desde então, Szajman arregaçou as mangas e foi atrás de se conectar com esse universo, conhecendo empreendedores referências das favelas, como Celso Athayde, da Favela Holding. Ele também se tornou membro conselheiro da Cufa (Central Única das Favelas). Agora, Szajman está se preparando para lançar um fundo de venture capital de aproximadamente R$ 50 milhões para investir em negócios da periferia do Brasil.
“Estou em busca de empreendedores que tenham negócios rodando e não quero fazer microcrédito”, diz ele, com exclusividade ao NeoFeed. “Estou buscando negócios com escalabilidade e que seja gerador de renda local para as comunidades.”
No momento, Szajman está captando recursos para o seu fundo, que deve ser anunciado com mais detalhes no primeiro trimestre de 2022. Mas ele já conta com dois investimentos, feito em conjunto com Eduardo Mufarej, da GK Ventures, que é uma espécie de MVP (minimum viable product) do que ele pretende fazer.
É na Nossa!Cozinhas, uma espécie de coworking de cozinheiras autônomas, e no Silva, um delivery que faz entregas nas comunidades da Casa Amarela, um complexo de várias favelas onde moram 350 mil pessoas, em Recife.
As duas startups, localizadas também em Recife, foram fundadas por Isabela Ribeiro e Hamilton Silva. E, apesar de serem dois negócios distintos, eles estão interligados entre si. O Silva surgiu de uma necessidade da Nossa!Cozinhas, que produz pratos populares e saudáveis, mas que enfrentava uma barreira que só as pessoas que moram nas favelas sabem.
Os pedidos feitos via delivery, em aplicativos como iFood e Rappi, não eram entregues nas casas dos moradores. Em geral, os entregadores desses apps vão até um ponto de referência na favela e os moradores precisam sair de suas casas para pegar a comida.
“Como o público das cozinheiras da Nossa!Cozinhas está dentro das favelas e o iFood e o Rappi não entregam em algumas áreas, elas perdem vendas”, diz Isabela. “Começamos a entender o problema e criamos o Silva, que faz 100% das entregas da Nossa!Cozinhas.”
O Silva conta com entregadores da própria comunidade, que conhecem o local, e fazem as entregas em qualquer lugar, mesmo que não exista um ponto de referência ou uma sinalização da rua. “Eles ganharam muito valor por isso”, afirma Isabela.
São 100 entregadores cadastrados, dos quais metade são ativos. A maioria deles tem o sobrenome Silva, de onde surgiu a inspiração para a criação desse “iFood das favelas”. Eles ganham R$ 5 por entrega que são, em geral, feitas de bicicletas.
“Parece uma besteira, mas é um privilégio receber o pedido em casa”, diz Hamilton Silva. “A gente brinca que os nossos entregadores vão até onde o Google Maps não vai.” Eles levam os pratos preparados por 62 cozinheiras da Nossa!Cozinhas, que estão espalhadas por cinco cozinhas em Recife.
A Nossa!Cozinhas não é um organização não governamental sem fins lucrativos. Ao contrário: a startup quer também dar lucro e gerar receita para todos os envolvidos. O modelo envolve diversas formas de monetização.
Uma delas é cobrar um aluguel das cozinheiras pelo uso da cozinha. Outra é receber uma comissão pela venda de alimentos (que são de produtores rurais da região e a preços mais em conta) às cozinheiras.
As vendas que são realizadas via WhatsApp geram também uma comissão paga à Nossa!Cozinhas. E, por fim, as entregas, realizadas pelo Silva, também têm uma taxa. “Mas os percentuais são bem abaixo do que são cobrados pelos marketplaces”, diz Isabela, referindo-se ao iFood e Rappi.
Os pratos das cozinheiras custam, em média, R$ 10. O objetivo é que todos ganhem: os empreendedores, as cozinheiras e os entregadores. E também o investidor, que está ajudando o negócio a escalar.
“Historicamente, a gente sempre apoiou empreendedores que têm pedigree e vem das melhores escolas”, diz Mufarej, que fez o investimento na Nossa!Cozinhas e no Silva na primeira fase da GK Ventures. “Apoiamos um tipo de empreendedor que é menos comum, mas tem fibra, garra e vontade de aprender.”
Desde que investiu na Nossa!Cozinhas e no Silva, no começo deste ano, Szajman tem se dedicado a estruturar o projeto. Antes, o empreendimento era conhecido como Saladorama, que entregava saladas orgânicas em comunidades carentes nas cidades em que atuava. O publicitário Jader Rossetto, agora, está ajudando no rebranding da marca.
A Saladorama surgiu no Rio de Janeiro, em 2015. Mas, com a pandemia, Isabela e Hamilton foram para o Recife e resolveram mudar a estratégia. Em vez de contratar cozinheiras, a dupla resolveu apostar em um modelo em que elas eram donas do próprio negócio.
Antes do investimento de Szajman e Mufarej, eles tinham apenas uma cozinha e cinco cozinheiras. Agora, são cinco cozinhas e 62 cozinheiras. Cada uma delas é considerada um restaurante, pois todas contam com o registro de MEI (microempreendedor individual). Elas recebem também treinamento e contam com o apoio de nutricionistas para preparar seus pratos.
Os planos, agora, com o investimento de Szajman e Mufarej, cujo valor não é revelado, são de crescer para outras cidades, adotando o modelo de franquias. Uma consultoria foi contratada para analisar essa expansão. “Estamos analisando Salvador e Fortaleza”, diz Isabela.
O exemplo da Nossa!Cozinhas e do Silva mostra os caminhos que Szajman quer seguir. O que não significa que não existem imensos desafios pela frente. Um deles é que a lógica do investimento, neste caso, não pode ser reduzida a uma planilha de Excel.
“Não tenho dúvida de que tem mercado. Mas tem mercado através do ecossistema da própria comunidade e que trabalhe com soluções de problemas específicos”, diz Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, que há anos faz pesquisas com o público de baixa renda. “A economia da favela precisa crescer e as pessoas da favela precisam ganhar também.”
Esse é um mercado gigantesteco. De acordo com o Instituto Locomotiva, 17,1 milhões de pessoas vivem nas favelas, movimentando R$ 123 bilhões anualmente. Se se levar em conta as pessoas das classes C, D e E, são 163 milhões que movimentam R$ 2,4 trilhões ao ano.
Se, de um lado, todas as empresas que querem atingir um público de massa precisam se comunicar com esse público; de outro, os investidores de venture capital ainda estão longe de enxergar oportunidades nessa área. E aqui não se trata de criar startups que atendem as pessoas de baixa renda, mas sim de investir em negócios em conjunto com elas.
Um dos poucos exemplos que tenta romper essa barreira é o BlackRocks Startups, um hub de inovação fundado por Maitê Lourenço, cuja missão é capacitar empreendedores negros e ajudá-los no processo para conseguir seu primeiro investimento institucional.
“A gente brinca que está contra a corrente, mostrando que de fato é possível já ter startups lideradas por pessoas negras com capacidade de investimento”, disse Lourenço, em entrevista ao programa Café com Investidor, do NeoFeed, em janeiro deste ano.
É o que Szajman diz que pretende fazer a partir de agora: unir “o asfalto com as quebradas das favelas”. “Quero olhar para esse território com outros olhos e colocar minha experiência de negócio, que é baseada em crescimento e escala, a favor desses negócios”, diz ele.