O mercado de assessorias de investimentos está na iminência de passar por uma transformação que terá impactos – positivos – para os clientes. A resolução CVM 179, que entra em vigor em 1º de novembro, trará transparência para o modelo de remuneração dos assessores de investimento.

E, diante dessas novas regras, o setor começa uma discussão que pode ter impactos no modelo de negócios das assessorias de investimento e coloca muitas delas no divã. Qual a melhor forma de cobrar o investidor: comissão ou taxa anual? Ou existe um melhor modelo para cada perfil de investidor?

Atualmente, cerca de 95% do setor trabalha com comissões, em que o profissional é remunerado por taxas de distribuição dos produtos vendidos e o cliente não vê o quanto está pagando. Mas, aos poucos, assessorias de investimento estão começando a oferecer a opção fee based, usado por family offices e consultorias, em que a remuneração vem de uma taxa anual a ser cobrada em cima do montante sob gestão ou consultado.

Entre as grandes plataformas, apenas a XP oferece a possibilidade do fee based às assessorias de investimento desde 2020. O BTG Pactual informou ao NeoFeed que está finalizando mudanças na plataforma para lançar o modelo nos próximos meses. E o Safra não respondeu a reportagem.

Segundo o NeoFeed apurou com fontes de mercado, por conta das regras que exigem mais transparência, muitos escritórios estão, neste momento, discutindo a possibilidade de oferecer também a cobrança por taxa anual. E alguns deles, que já implementaram a estratégia, já conseguem contabilizar os resultados.

Esse é o caso da Fractal Investimentos, escritório plugado à XP com R$ 2,3 bilhões em custódia. Ela oferece o fee based há três anos e hoje tem 55% da sua custódia nesse modelo. Dessa forma, o assessor pode receber pelos dois modelos, a depender da escolha dos clientes.

“Nós deixamos o cliente escolher, mas mostramos que há mais vantagens no fee based, principalmente pela transparência” afirma Bernardo Martins, diretor comercial da Fractal Investimentos.” Nossa proposta é fazer um serviço de planejamento patrimonial, ao invés de só uma carteira de investimentos. E, para isso, esse modelo faz mais sentido.”

A opção de qual modelo usar passa pela escolha de atendimento ao cliente, mas também pelo modelo de negócio. Em 2022 e 2023, o mercado sofreu com a alta da taxa de juros e com a competição com produtos bancários. Com isso, as margens caíram brutalmente. E agregar mais serviços foi uma estratégia, assim como buscar um fee fixo.

“Está tendo uma tendência de buscar mais o fee fixo, seja por criações de consultorias e wealths ou pelas assessorias mesmo. Isso estabiliza a rentabilidade de uma parte da carteira e ajuda a passar por momentos de baixa do mercado de forma mais tranquila”, afirma Filipe Medeiros, CEO e fundador da consultoria AAWZ.

A previsibilidade de receita foi um dos motivos que moveu a Faz Capital, escritório plugado à XP e que tem R$ 3,8 bilhões sob assessoria. O fee based foi adotado assim que a empresa fundada por Guilherme Benchimol ofereceu o modelo. Hoje, já são 16% dos seus clientes nele.

“Com o fee based, temos uma receita mais previsível, tanto o assessor como o escritório. O que nos ajuda a fazer business plan, buscar crescimento  e mesmo investir em atender melhor o cliente, dependendo menos de momentos de mercado”, diz Lucas Ferraz, sócio e fundador da Faz Capital.

A Faz Capital quer aumentar o percentual neste modelo, mas a grande resistência em conseguir mais adeptos é que os clientes preferem simplesmente não saber o quanto pagam. “É estranho dizer isso, mas quem escolhe é quem realmente está preocupado com o seu patrimônio e quer saber detalhes. A maioria não quer saber como está sendo cobrado, mesmo a gente querendo explicar”, afirma Ferraz.

Quem optou por uma “terceira via” foi a Blackbird, escritório private plugado à XP com cerca de R$ 1 bilhão sob gestão. O escritório construiu um modelo diferente para tornar todos os assessores alinhados aos objetivos da empresa. A remuneração foi reestruturada para, independentemente da opção de modelo escolhida pelo cliente, o assessor ser remunerado pelo fee based.

“Desde que a XP passou a oferecer o fee based, deixamos o cliente escolher como o assessor seria remunerado, mas depois vimos que isso não fazia sentido, porque o assessor no modelo comissionado sempre estaria enviesado e não seguiria exatamente as propostas do escritório”, afirma Beatrice Ferrari, sócia e fundadora da Blackbird.

Por conta disso, a Blackbird optou por remunerar os seus assessores por meio da remuneração total da empresa – e não pela carteira de cada um. O valor distribuído depende da senioridade, da satisfação dos clientes que ele atende, entre outros critérios. Hoje, cerca de metade dos clientes optaram pelo modelo de taxa anual.

Um mercado em transformação

Nos Estados Unidos, o modelo comissionado já foi o majoritário. E levou décadas - e uma crise financeira -  para o fee based ultrapassá-lo com o crescimento dos Registered Independente Advisors (RIA), que evoluíam para cobrar a taxa por uma tabela dependendo do nível de serviço que o cliente quer.

Mas, no Brasil, diferentemente dos Estados Unidos, não há o costume de se pagar por serviços, mas sim por produtos. O que traz uma grande barreira para a implementação do modelo fee based. “O brasileiro tem a ideia de que serviço ele mesmo pode fazer, mas produto, não. Ninguém questiona o valor de um celular, mas do encanador ou pintor, a ideia de que é mais negociável”, diz Medeiros, da consultoria AAWZ.

A partir de novembro, com a CVM 179, o valor das taxas de distribuição para o assessor precisará ser informado por meio de relatórios trimestrais. E o investidor verá o quanto está pagando por esse serviço de forma mais clara, acabando com a principal crítica ao modelo de não ser transparente. A regulação não muda, no entanto, para o setor bancário, que também pratica o modelo de comissionamento.

Com a nova realidade, há uma preocupação sobre como responder a perguntas de remuneração dos clientes. Quem defende a taxa anual acredita que seja uma boa oportunidade para convencer o cliente a adotá-la. E o mercado se questiona se o modelo de taxa anual pode ficar mais popular, e assim,  mais escritórios passem a oferecê-lo.

Na visão de Luccas Fiorelli, sócio fundador da HCI Invest, escritório plugado à XP com R$ 3,2 bilhões sob assessoria que já tem 22% da sua custódia no modelo fee based, a CVM 179 está impulsionando assessores para o modelo de fee fixo, mas é importante ver se não estão fazendo sem ser o melhor para o cliente.

“O modelo comissionado pode levar a transações excessivas e não alinhadas aos interesses de longo prazo do investidor. Mas há composições de carteiras, mais buy and hold e focada em ações, por exemplo, que fazem sentido o modelo comissionado. E a transição para o fee based seria só para elevar as receitas”.

Para Bruno Ballista, sócio e head de assessoria e relacionamento com o cliente XP, a aderência ao modelo de fee based na indústria de assessorias de investimento no Brasil está em estágio incipiente, embora a discussão tenha evoluído há alguns meses.

De acordo com ele, é fundamental compreender que essa modalidade não existe para mitigar ou combater um possível conflito de interesse na recomendação do assessor, já que ambos os modelos têm o seu conflito de interesse, mas sim atender às necessidades específicas de investidores.

E, segundo Ballista, o fee based seria mais indicado para clientes de maior patrimônio, que utilizam serviços de carteiras administradas ou fundos exclusivos.

“Ainda não é possível afirmar que a migração para o fee based é uma tendência irreversível. O processo deve levar alguns anos acompanhando o amadurecimento do investidor e do próprio mercado”, diz Ballista.

Na incerteza sobre o que será o futuro, o fato é que o setor de assessorias de investimento está discutindo o assunto como nunca. E está no divã decidindo o que fará nos próximos meses.