A Bradesco Asset e o Man Group vão dividir a gestão de um mesmo fundo de investimentos em tempo real, combinando estratégias domésticas e globais em uma operação inédita no mercado local.

Aliar-se ao Man Group, gestora referência em estratégias quantitativas com mais de US$ 175 bilhões sob gestão e lançar o Bradesco Man AHL Sistemático Global foi a maneira que a Bradesco Asset encontrou para dar um passo estrutural no mundo sistemático.

“Acreditamos que tanto a exposição internacional como sistemática precisa evoluir nas carteiras. Por isso, trazemos algo tão exclusivo para nossos clientes com um parceiro referência global”, afirma Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset, ao NeoFeed.

O fundo, de retorno absoluto, ficará disponível aos clientes neste mês de setembro e utilizará diversas estratégias sistemáticas para dar retorno consistente acima do CDI.

De largada, 60% da sua exposição estará em Brasil, gerida pelo Bradesco, e o restante em estratégias globais geridas pela Man, com a curadoria do time da Bradesco Asset. O percentual poderá mudar de acordo com oportunidades de mercado.

Dois comitês, um em São Paulo e outro em Londres, decidem em conjunto e periodicamente como alocar recursos entre estratégias sistemáticas brasileiras e internacionais. O rebalanceamento acontece de forma transparente entre as casas, mas a execução é 100% automática conforme os sistemas pré-aprovados por elas, o que tira o viés humano na ponta.

Do lado doméstico, a Bradesco Asset chega com sua base sistemática construída nos últimos dois anos de time e de infraestrutura, que já contribuem dentro dos multimercados da casa e agora ganham um fundo próprio, com todo o processo decisório sistematizado. Dentre as estratégias estão modelos de tendência em juros, fatores em renda fixa, arbitragens e estratégias long e short em ações.

Já pelo lado internacional, a Man AHL montou um mandato sob medida para esta parceria a partir de componentes escolhidos para “fazer companhia” às estratégias locais e elevar o sharpe do conjunto - em linha com o que grandes fundos multi-estratégia fazem lá fora ao combinar motores de alfa descorrelacionados.

“Em um momento em que o ambiente macroeconômico global passa por uma mudança estrutural com inflação persistente, juros mais altos por mais tempo e um mundo menos globalizado, estratégias descorrelacionadas são indispensáveis”, diz Bernardo Queima, sócio da HMC Capital, que atua na distribuição e gestão de fundos, especialmente para o mercado institucional.

A HMC é a representante exclusiva do Man Group na América Latina e foi a responsável pela aproximação entre as duas casas. A lógica, nas palavras de Queima, é que as estratégias tenham uma complementariedade, ganhando por estarem juntas. E em momentos de incerteza cresce a demanda por portfólios mais resilientes e adaptativos como o sistemático.

O portfólio global é hedgeado para o real, o que elimina a exposição cambial e oferece descorrelação na geração de alfa. A aplicação mínima é de R$ 1 mil e o público-alvo, neste início, é o qualificado (e apenas clientes Bradesco). A expectativa da gestora é conseguir captar R$ 1 bilhão em 12 meses.

“A estratégia agrega muito aos portfólios pela descorrelação, mas o entrave que vemos é educacional. Estamos preparando nosso comercial para explicar a estratégia. Sabemos que o investidor não quer tomar riscos agora, mas iremos mostrar que essa é uma estratégia de longo prazo exatamente para minimizar riscos”, afirma Funchal.

Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset, e Bernardo Queima, sócio da HMC Capital, representante do Man Group na América Latina

O grande apelo de um fundo sistemático é o seu princípio transparente, algo que facilita a compreensão sobre sua performance. Diferentemente de fundos discricionários, que dependem de uma visão do gestor que pode mudar a qualquer momento.

Um passo no futuro sistemático

Há dois anos, o Bradesco vem desenvolvendo uma área de investimento sistemático com especialistas de mercado e investimento em uma infraestrutura tecnológica para ganhar velocidade na execução das estratégias. Mas esse, em parceria com o Man Group, será o primeiro fundo 100% sistemático da casa.

A gestora do Bradesco tem planos de ter um portfólio de fundos sistemáticos e acredita que essa parceria com a Man Group será fundamental para amadurecer no segmento.

“Queremos ter fundos só nossos, e em termos de infraestrutura e pessoal já estamos prontos. Acreditamos que essa parceria será acima de tudo de muita transferência de conhecimento sobre a estratégia sistemática ao longo do tempo”, diz o CEO da Bradesco Asset.

Em nota ao NeoFeed, a Man Group afirmou que a gestão sistemática vem ganhando espaço no mundo pela sua capacidade de gerar alfa descorrelacionado dos mercados tradicionais.

E acrescenta que o mercado da América Latina, em particular, tem sido uma prioridade na última década pela percepção que os investidores, em especial os institucionais, tem cada vez mais visto valor no quanto a estratégia agrega aos portfólios, em especial pela diversificação.

O universo de investimento da gestora compreende mais de 900 mercados, dos tradicionais aos mais ilíquidos e nichados, em deferentes regiões.

Para a HMC, já é hora da gestão sistemática ganhar o mercado brasileiro. Lá fora, os maiores gestores de hedge funds são sistemáticos, com ‘robôs’ ajustados para processar uma grande quantidade de dados e achar assimetrias, sendo um grande exemplo a Citadel e a Millenium.

Mais da metade da indústria de fundos de ações ativa nos Estados Unidos é sistemática em algum grau, na tentativa de conseguir gerar retorno. Pesquisas apontam que apenas 5% dos gestores de ações por lá conseguem consistentemente retorno acima do benchmark.

“A gestão sistemática já é uma realidade no mundo desenvolvido e esse é um desenvolvimento natural da indústria que precisa cada vez mais lidar com um campo maior de análise, de dados e uma pressão para reduzir custos e conseguir alpha para serem competitivos com estratégias passivas”, diz Queima.

Sem o viés da emoção

No mercado brasileiro surgiram diversas estratégias e casas quantitativas e sistemáticas nos últimos anos. De acordo com o conceito usado internacionalmente, fundos quantitativos usam dados e modelos matemáticos para ajudar os gestores a acharem boas oportunidades de investimento e assim analisá-las, muitas vezes de forma mais tradicional e fundamentalista.

Já as estratégias sistemáticas usam um modelo sistemático para repetir sempre o mesmo comando. Por exemplo, ao achar uma arbitragem operar nela, ou no momento em que uma ação bater um valuation vendê-la, por exemplo.

Assim, na maioria dos casos, a gestão sistemática não tem a decisão humana no processo final, apenas para o desenvolvimento do sistema, que, uma vez pronto, roda sozinho, sem o viés humano. Dessa forma, enquanto toda estratégia sistemática é quantitativa, nem toda a estratégia quantitativa é sistemática.

Entre os maiores nomes da indústria local estão gestoras como Giant Steps, Kadima, Contância e Fundamenta. E grandes gestoras têm lançado fundos e estratégias sistematizadas, como a AZ Quest e Genoa Capital.

O total sob gestão, segundo estimativas do mercado, está na casa de 1% da indústria, que já soma mais de R$ 10 trilhões sob gestão. Quase metade está em estratégias de renda fixa. O que para muitos é uma oportunidade de crescimento assim que o apetite ao risco aumentar.

Os grandes nomes internacionais estão entrando forte para essa briga no mercado local. A própria Man Group já tem cinco fundos disponíveis no Brasil, de ações, multimercado e de renda fixa global. A gigante americana AQR, de cerca de US$ 110 bilhões sob gestão, tem dois fundos no Brasil, enquanto a pioneira Acadian, com cerca de de US$ 120 bilhões sob gestão, tem clientes já cativos em estratégias offshore e está estudando lançar fundos onshore.

Fato é que a indústria de investimento terá que cada vez mais gerir mais ativos e gerenciar mais informações ao mesmo tempo que precisa ser mais eficiente e entregar retornos consistentes -- do contrário, mais vale uma carteira de ETFs. E, para muitos da indústria, o fracasso dos multimercados nos últimos anos deixou claro para os investidores que a era dos grandes gestores e suas genialidades pode estar chegando ao fim também no Brasil.