Maria, herdeira de uma grande fortuna, nunca geriu o seu dinheiro. Antes era o pai que cuidava de suas finanças e depois, o marido. Ao se separar, se viu no desafio de uma reestruturação patrimonial familiar e de assumir a gestão da sua riqueza pela primeira vez.
Mas, ao pedir ajuda e contar a sua história em instituições financeiras, ela se deparava com uma sala cheia de homens que a retraiam para se abrir pessoalmente. Além do constrangimento com os assuntos íntimos, o "financês" e seus termos difíceis fazem a herdeira se sentir ainda mais incapaz de lidar com a nova realidade.
A história acima é uma adaptação da realidade das muitas "marias" pelo Brasil: mulheres com grandes fortunas que decidiram entregar a responsabilidade da gestão do seu dinheiro a outra pessoa por entenderem que esse é um assunto difícil e que toma um tempo das suas já complicadas vidas (que normalmente mescla tocar a carreira e cuidar da família).
Só que, em alguns momentos da vida, elas precisam tomar a rédea das finanças e não sabem o que fazer. Foi assim que surgiu a Vos Investimentos, fundada no fim do ano passado por um grupo de executivas sêniores de grandes bancos e family offices com o objetivo de atender mulheres.
A Vos teve como sócias fundadoras Mariella Assumpção Gontijo, ex-superintendente do private do Itaú e ex-manager do Lombard Odier no Brasil; Barbara Bina, que atuou como chefe de risco e compliance do Itaú, em Zurique; e Milena Landgraf Tudisco, com 14 anos na Itaú Asset Management.
“Por questões culturais e históricas, as mulheres têm uma relação diferente com o dinheiro. E fazer planejamento patrimonial é falar intimamente da vida e das decisões do cliente, dos filhos, pais, maridos, ex-maridos", diz Mariella Assumpção Gontijo, ao NeoFeed. "É preciso se sentir confortável para se abrir e falar de investimentos. E o mercado financeiro é ainda muito 'masculino', no sentido que não está preparado para uma abordagem mais empática e menos objetiva.”
Recentemente, mais pessoas se juntaram ao time da gestora, trazendo mais diversidade como Marta Zaidan, como CIO, que foi economista-chefe e sócia da Pragma, e Vinicius Zani, como COO, que foi sócio e responsável pelas áreas de tecnologia e operações da Consenso. A empresa tem uma ação já definida em acordo de acionistas, que é a de doar 1% do lucro líquido a projetos sociais e ter participação de 55% de minorias (mulheres inclusas).
Para ter certeza de que esse atendimento diferencial não era só uma demanda dos seus clientes, as fundadoras da Vos contrataram uma pesquisa para saber se realmente havia um mercado para esse público.
Entre os principais resultados encontrados estão o menor conhecimento (e mesmo interesse) pelo mercado financeiro, o que leva uma tendencia maior ao conservadorismo; diferença em relação aos objetivos para investir; maior percepção de que os investimentos precisam estar alinhados a propósitos pessoais; e maior preocupação em financiar e cuidar de pessoas.
“As pesquisas mostram que a perspectiva do que fazer com o dinheiro é diferente. Em geral, o homem quer ter dinheiro por poder; a mulher busca alcançar objetivos, em especial ajudar outras pessoas. Isso leva a propósitos mais ESG”, afirma Marta Zaidan. “É preciso outras ferramentas para engajar as mulheres a cuidarem da gestão dos seus investimentos. Em geral, a narrativa padrão do mercado não as atinge.”
Esse olhar vem desde pedidos de soluções de assistência para funcionários do lar dessas mulheres e suas famílias a investimentos com mais propósito.
Com base nisso, o primeiro fundo que o family office decidiu apoiar foi o fundo de impacto brasileiro Agbara, de Aline Odara, que ganhou o prêmio de empreendedora social no ano passado, por incentivar projetos de mulheres pretas. No âmbito internacional, em relação a fundos sustentáveis, a casa é próxima do fundo Generation, gerido por David Blood e que tem como sócio Al Gore, ex-vice presidente dos Estados Unidos e ativista socioambiental.
Dentro da abordagem mais empática em relação a investimentos, faz parte mostrar quem é o time por trás da gestão do fundo e os princípios da gestora. E com essa prática veio logo uma provocação: por que não investir em gestoras mulheres? Apenas 5% dos gestores de fundos são mulheres no Brasil, segundo levantamento da empresa, que acredita que isso ocorra por falta incentivos e exemplos.
“Queremos empoderar as mulheres, inclusive no mercado financeiro. E dentro dessa proposta de fazer um investimento mais empático, conhecendo quem é o gestor e seus propósitos, propomos aos clientes investir nelas, e a resposta foi muito positiva”, conta Gontijo.
A Vos mapeou todos os fundos de gestoras mulheres no País e se está fazendo a due diligence deles para ver se são competitivos e uma boa escolha em relação ao mercado. Já estão na lista de aprovados os fundos de ações da Sara Delfim, da Dahlia Capital, como o Dahlia Total Return FIC FIM, com 17,5% de retorno em 12 meses e 96,8% desde o início em 2018; os fundos de crédito da Vivian Lee, da Ibiuna Investimentos, como o Ibiuna Credit FIC FIM Cred Priv, com 13,5% de retorno em 12 meses e 39,7% em 36 meses; e os fundos de infraestrutura das gestoras Cristina Tamaso e Sofia Caccuri, da Valora Investimentos -VGI, como o fundo listado em bolsa Valora Infra Dívida Fundo FIP, que entregou em média nos últimos 12 meses dividendos de IPCA + 10%.
O family office atende famílias com pelo menos R$ 10 milhões sob gestão em todo o País, com perfil private, porque essa é a origem de suas sócias. Nesses primeiros meses de vida, já chegou a cerca de 15 famílias próximas, que ajudaram a casa a azeitar os seus processos. Agora, estão começando de fato a prospectar. E, nessa busca, estão se surpreendendo em ver que os homens também querem fazer parte dessa nova proposta mais empática e de mais propósito nos investimentos.
“É interessante perceber que os homens também têm interesse nesse tipo de gestão mais empática e até mesmo de mais propósito em relação as mulheres. E isso é incrível, porque todos precisamos estar engajados para mudar a realidade, não apenas a mulher”, afirma Zaidan.
No futuro, a empresa pretende conseguir escalar o business para atender clientes menores e conseguir lidar com peculiaridades de outras diversidades, com o objetivo de poder empoderar todas as mulheres. Mas desde já, o grupo já dá o exemplo de que diversidade muda perspectivas e que os clientes estão demandando novas abordagens.