A inteligência artificial tem trazido grandes dúvidas e desafios para diferentes indústrias, inclusive a de gestão de recursos. As máquinas conseguem processar uma quantidade enorme de dados, refinar as pesquisas e impactar os resultados. Esse é o futuro desse mercado?

“Finanças é um problema muito complexo para ser resolvido só por máquinas. Mas certamente elas trazem um novo poder de análise que pode ser usado para ter resultados mais eficientes, ou um viés descorrelacionado do mercado”, diz Gregor Andrade, diretor e global head of institutional business development da AQR Capital Management.

A AQR tem propriedade para falar de máquinas, inteligência artificial e gestão quantitativa. Com cerca de US$ 110 bilhões sob gestão, foi uma das precursoras da gestão quantitativa no mundo, criando muitos modelos de investimento com base em pesquisas científicas. Esses modelos foram se provando uma maneira inteligente e descorrelacionada do restante do mercado para produzir alpha (retorno acima do índice de referência).

No entanto, nem mesmo a AQR, como uma das grandes defensoras do modelo quantitativo, acredita que o mundo evoluirá para apenas robôs fazerem a gestão. A gestora acredita que as novas ferramentas podem ajudar o mundo da gestão a otimizar processos, mas para tomar a decisão - ou pelo menos guiar a máquina a produzir uma decisão - será sempre um trabalho de gestores talentosos.

“Um gestor que tem uma ideia diferente e entende de fato um setor consegue gerar alpha. É raro, mas tem”, afirma Andrade. “No mundo quantitativo, a dificuldade é a mesma. É conseguir ver uma tese de investimento, um viés do mercado, que a maioria das pessoas não sabem, e assim, gerar alpha”.

Fundada em 1998 nos Estados Unidos por três acadêmicos do mercado financeiro da Universidade de Chicago e da Northwestern University (Cliff Asness, David G. Kabiller e John M. Liew), na época que a gestora começou, não havia a quantidade de dados que existem atualmente.

Mas, nesses mais de 25 anos, a indústria foi evoluindo e hoje já é cerca de 20% do mercado de fundo de ações globais. E vem crescendo no mundo desenvolvido, ganhado ainda mais tração nos últimos anos com a volta da volatilidade dos mercados.

No Brasil, a AQR tem duas estratégias: o AQR Long Biased Equities BRL, com retorno de 31,5% (em reais) em 12 meses, e o AQR Corporate Arbitrage BRL, com retorno de 7,5% (em reais) em 12 meses.

“Queremos trazer mais. Mas o Brasil é um país ainda muito fechado para investimento, e os brasileiros parecem estar muito contentes com os retornos das suas taxas de juros. Além disso, falta entendimento do que é uma gestão quantitativa e o que ela pode agregar no portfólio”, diz o diretor da AQR.

Em visita recente ao Brasil, Andrade, PHD pela universidade de Chicago e há 21 anos na AQR, onde é responsável pelo crescimento e atendimento do business global, falou com exclusividade ao NeoFeed. Confira os principais trechos da entrevista:

Muito tem se falado sobre o desenvolvimento da inteligência artificial e seus impactos no mercado financeiro e na indústria de asset management: robôs poderiam fazer as vezes de analistas e até mesmo de gestores. Como vocês enxergam essa evolução?
Acredito que inteligência artificial e machine learing são técnicas quantitativas. Não vejo um mundo em que só exista gestores quantitativos, ou seja, apenas gestores que sejam de inteligência artificial. Mas há algumas funções que as máquinas fazem melhor hoje que podem vir a ser usadas por todos os gestores no futuro com a ajuda da inteligência artificial. Por exemplo, a leitura de notícias, reports, balanços... Isso até pouco tempo atrás era tarefa de um jovem analista, reunir informações e sintetizar isso. Mas agora podem ser feitos ainda melhor por tecnologia. E isso mudará o processamento de informações na indústria.

O que você está dizendo é que os modelos, com dados, cálculos e novas ideias, não podem ser substituídos inteiramente por inteligência artificial?
Finanças é algo muito complexo. Estão conseguindo usos incríveis de inteligência artificial em hard science, como biologia e outras ciências de resultados mais exatos. Os mercados financeiros mudam e evoluem de acordo com a sociedade. Os mercados são resultados de pessoas, que mudam e evoluem. São dinâmicos, ou seja, um problema mais complicado para as máquinas, que têm dificuldade em lidar com a diferença entre os ruídos e os verdadeiros sinais. E outro grande problema é que há muito menos dados no mercado financeiro do que no mundo. Isso tudo não é um bom ambiente para a IA navegar, mesmo evoluindo do que temos hoje.

"Os mercados financeiros mudam e evoluem de acordo com a sociedade. São dinâmicos, ou seja, um problema mais complicado para as máquinas"

Ferramentas de gestão usadas apenas por gestores quantitativos poderão ser usadas por gestores discricionários?
Isso sim. Acredito que, no futuro, toda a gestão de ativos terá um pouco de quantitativo em algum grau de análise, o que torna a gestão mais eficiente. Mas o alpha da gestão discricionária está mais em ver as mudanças e tendências do mercado. Coisas que as máquinas, processando dados antigos, acredito que não possam ser melhores. Elas podem competir no mercado, como muitos gestores ruins que temos e que não batem o benchmark, mas não gerarão alpha como é esperado de um bom gestor discricionário.

Tem sido cada vez mais difícil para a gestão ativa bater o benchmark. Isso também tem acontecido com a gestão quantitativa?
Os estudos acadêmicos mostram que, ao menos nos EUA e mercados desenvolvidos, sempre foi difícil para os gestores baterem o mercado, principalmente em ações. E faz sentido, porque as informações são limitadas e tem muita gente analisando as mesmas informações, o que leva a um preço justo. Mas, um gestor que tem uma ideia diferente e entende de fato um setor consegue gerar alpha. É raro, mas tem. E no mundo quantitativo, a dificuldade é a mesma. É conseguir ver uma tese de investimento, um viés do mercado, que a maioria das pessoas não sabem, e assim, gerar alpha. E depois que essas teses forem descobertas, elas param de funcionar e você precisa encontrar outras.

Isso significa que os desafios são iguais?
Sim, os desafios da gestão discricionária e quantitativa são iguais, mas a solução para os problemas é diferente. Enquanto o gestor vai procurar se especializar muito em uma área para entender qualquer mudança, no lado quantitativo iremos buscar novos dados que não são usados por outros, e outras técnicas como machine learning entre outras coisas.

Como analisa o desenvolvimento da gestão sistemática no mundo? Em que momento estamos?
Tenho algumas hipóteses do porquê o Brasil, uma indústria de asset management tão desenvolvida, ou outros países similares, ainda não desenvolveram bem os modelos quantitativos. O melhor ambiente para esse modelo é onde existem muitos ativos, muitos dados e quando há muita liquidez. Quando o mercado é menor e concentrado, às vezes o modelo não consegue trabalhar como devia. Porque existem apenas algumas empresas em um setor, ou poucas dezenas de um segmento. Como gestão de portfólio global nós fazemos trading de milhares de posições. Temos portfólios com cerca de duas mil ações, por exemplo. Temos estratégias globais que negociam centenas de ativos, long and short.

No Brasil, ela ainda não é muito conhecida ou aplicada. Por quê?
Pode ser mais difícil para um gestor local, focado em ações Brasil de fato seguir um modelo quantitativo, porque tem menos informações e menos ativos. Mas isso não significa que esse gestor não possa gerir portfólios globais. Nós não fazemos mandatos de um único país ou único setor, por exemplo. Porque sabemos que os modelos trabalham melhor com mais ativos.

"Pode ser mais difícil para um gestor local, focado em ações Brasil de fato seguir um modelo quantitativo, porque tem menos informações e menos ativos"

E o momento no mundo?
No mundo, ainda há uma restrição em relação a ativos ilíquidos. Nós gostaríamos de gerenciar quantitativamente venture capital, private equity e real estate, mas a verdade é que os dados sobre esses mercados são ruins e a falta de liquidez impede uma negociação sistemática necessária.

Quais tipos de ideias e temas vocês estão usando agora nas suas estratégias?
Posso falar dois grandes temas. Em ações, no pós-pandemia, está havendo um movimento de retorno para ações de valor. Durante a pandemia, esse tipo de ação sofreu muito e as de growth supervalorizaram sem ter exatamente fundamentos para isso. Agora, esses mercados estão se equilibrando e as ações de valor estão se valorizando.

Qual é o segundo?
Do lado macro, estamos vendo o retorno da volatilidade. Entre 2010 e 2020, os mercados ficaram muito calmos, não tinha muito movimento e era difícil negociar mercados macro quantitativamente. Mas desde o fim da pandemia houve grande mudança na taxa de juros, a inflação voltou, assim como a dispersão em diferentes mercados. Isso é muito bom para estratégias quantitativas, que usam muitos dados para perceberem disparidades nesses movimentos de volatilidade.

E qual é o diferencial da gestão quantitativa em relação a gestão tradicional?
É importante dizer que o oposto da gestão quantitativa não é a fundamentalista. Você pode fazer gestão fundamentalista pelo quantitativo. O oposto é a gestão discricionária, com a decisão partindo de uma pessoa. Na quantitativa, são os modelos que dizem o que comprar e o que vender. Nesse tipo de gestão, se perde muito tempo criando o modelo, mas depois que ele está pronto é ele que decide os ativos e a quantidade. Mas os temas que estão por trás dos investimentos podem ser os mesmos dos dois. A diferença é que na gestão discricionária será analisado por pessoas e na quantitativa é o que os analistas irão usar para criar o modelo.

"O oposto da gestão quantitativa não é a fundamentalista. Você pode fazer gestão fundamentalista pelo quantitativo. O oposto é a gestão discricionária"

Há uma forma melhor de gestão?
Deixamos bem claro que não acreditamos que a gestão sistemática ou quantitativa seja melhor que a gestão discricionária ativa, com bons gestores. Elas são complementares, porque têm abordagens diferentes. Nossa performance tem um comportamento diferente, ajudando a diversificar. É descorrelacionado do restante e, por isso, acreditamos que o investidor deva ter os dois tipos de investimento.

Mas como vocês se diferenciam?
É muito difícil a gente explicar o que fazemos, porque tem muitas coisas envolvidas. Para nós, uma posição de 1% é muito grande. Enquanto os gestores buscam estar convencidos sobre o potencial de uma empresa, nós buscamos entender os movimentos de mercado.

A decisão final de investimento é tomada por um gestor ou por uma máquina?
Existem abordagens diferentes. O modelo faz um ranking com os melhores papéis. Algumas gestoras fazem com que a decisão final sobre quem entra [na carteira] seja de um gestor. Nós, não. Acreditamos que essa interferência prejudica o resultado. Se o modelo diz que tal empresa é a mais barata, não vamos julgar isso. Isso não significa dizer que não fazemos análises qualitativas; ao contrário, isso é muito importante. Mas nós transcrevemos tudo que queremos analisar em sinais quantitativos para serem processados. De forma que o resultado já é o que queremos, sem sermos enganados por vieses externos que recebemos em um dia ou outro, ou sobre a fala de um executivo da companhia.

Nunca há intervenção humana?
Há apenas uma exceção em que, de fato, intervimos. Se aparecer uma notícia sobre uma mudança futura. Por exemplo, o governo irá sobretaxar uma companhia. O modelo não sabe lidar com isso porque lida com dados passados. Mas nós não iremos fazer uma análise própria sobre a nova perspectiva dessa empresa. O que fazemos é retirá-la do nosso universo de análise.

Existem outros exemplos?
Sim, com um fundo de emerging markets e o início da guerra na Ucrânia. O modelo não entende nada sobre guerra, não há como modelar isso. Mas sabemos que os ativos de Rússia e Ucrânia deixaram de tratar pelos seus fundamentos para seguir o risco da guerra. Então, retiramos esses ativos do nosso universo. É preciso ter clareza sobre o que o modelo sabe e o que ele não sabe.

Isso significa que há pouquíssimas pessoas trabalhando na gestora?
Não exatamente. Temos cerca 300 pessoas no time que fazem pesquisas ou monitoram os portfólios. A área de pesquisa é fundamental para ver quais são as novas tendências, as novas ideias que irão nos ajudar a melhorar o portfólio. As pessoas mais importantes no longo prazo, e é daí que conseguimos gerar alpha no longo prazo. E as pessoas que monitoram os portfólios hoje precisam garantir que os modelos estão sendo implementados. E tem uma área de gestão de risco, em que monitoramos se os modelos estão trabalhando como esperado ou se precisam de ajustes. Converter o modelo em um portfólio demanda muita gente.

Cada pessoa tem uma função específica?
Precisamos de pessoas específicas para montarem todas as nossas mais de 15 estratégias: ações single style, que só usam uma estratégia como defensiva, valor ou momentum, ou multi-style. Ou Arbitragem, macro global ou ESG, por exemplo.

O investimento em ESG depende de uma grande análise de risco e de leitura de dados nem sempre financeiros e assim menos padronizados. Como fazem esse tipo de investimento na filosofia de vocês?
Nós não buscamos intervir nas empresas e torná-las mais ESG como importantes gestoras ESG. Então, não fazemos ESG ativista, não iremos mudar o mundo. Nossas posições são sempre pequenas, por nossa natureza. O que fazemos é achar portfólios que têm boas características ESG: poluem menos, usam menos carbono, são diversas etc. Tudo isso são números que podemos usar. O que dá para mensurar nós atuamos incorporando na estratégia quantitativa. Isso torna os portfólios com os melhores ratings de ESG do mercado.

Isso torna os portfólios mais rentáveis?
A verdade é que não dá para verificar isso empiricamente ainda. Mas há investidores globais que usam esses ratings como mandatórios para investimentos, principalmente na Europa. É por isso que criamos essa estratégia. Nos EUA, há muita polêmica sobre isso, mas para ter o mercado europeu isso é mandatório.