A frase cash is trash se tornou famosa ao ser dita por Ray Dalio no Fórum de Davos, no início de 2020. Na época, a referência do CEO da Bridgewater eram os agressivos programas de quantitative easing dos bancos centrais, que por anos despejaram dinheiro na economia, desvalorizando o próprio dinheiro.

Cinco anos depois, André Leite, CIO da TAG Investimentos, acredita que a máxima segue valendo — mas agora amparada por pacotes fiscais agressivos ao redor do mundo.

“As moedas fiduciárias estão em crise. Dólar, euro, peso mexicano. Isso é tudo um concurso de gente feia”, disse Leite em entrevista ao NeoFeed. A tese foi tema da carta mensal da TAG, que a reportagem teve acesso em primeira mão.

Na avaliação do CIO, o excesso de estímulos fiscais deve se traduzir em um mundo mais inflacionário, com taxas de juros mais altas, desvalorização das moedas tradicionais — mas sem recessão. Nesse cenário, inclusive, Leite não descarta a possibilidade de os Estados Unidos voltar a subir a taxa de juros no segundo semestre, enquanto, hoje, o mercado precifica dois cortes.

“Os líderes globais descobriram os instrumentos fiscais na pandemia, que ajudam a estimular a economia e sustentar o crescimento. É como uma serra elétrica na mão de um bebê. Ele com certeza vai fazer besteira. Independentemente de ser um governo de direita ou esquerda, todos querem gastar mais.”

Um dos pilares da tese é o pacote de gastos do governo de Donald Trump, cujo impacto na dívida deve ser de US$ 2,4 trilhões em dez anos, segundo o CBO (órgão independente que fiscaliza o orçamento americano). “O mundo vai gastar mais. Os Estados Unidos eram a grande esperança de alguma racionalidade econômica, mas resolveram dar um cavalo de pau.”

Nesse cenário de desvalorização das moedas, Leite tem recomendado aos clientes da TAG Investimentos a alocação em ativos reais, como ações. “Não é o S&P que se valorizou, foi o dólar que perdeu valor.”

Bitcoin e a lógica do ouro

Commodities, ativos imobiliários, ouro e títulos atrelados à inflação também estão no hall de ativos recomendados pela TAG para proteção contra a perda de valor do dinheiro. A gestora passou a ver o bitcoin como uma alternativa de reserva de valor nesse ambiente.

“O bitcoin é um capítulo muito interessante nessa história toda. Eu mesmo sempre tive minhas críticas ao bitcoin como investimento, mas nesse mundo de farra fiscal, o bitcoin adquire um certo valor”, diz Leite.

Por ter um número de emissão finito, Leite espera que o bitcoin siga se valorizando frente às moedas fiduciárias. “Mas não é o bitcoin que vai ficar mais caro, são as moedas que vão perder valor.” Com 93% de todo o bitcoin já minerado, Leite compara o ativo ao ouro. “A lógica é muito parecida. Claro que ainda há mineração de ouro, mas a quantidade é muito pequena em relação à demanda existente.”

A recomendação, ele afirma, ainda é mais voltada para investidores arrojados. “Não é um investimento como ações ou títulos de dívida, no sentido de pagar juros ou dividendos. Isso ainda é questionável. Também não é eficiente como meio de pagamento. Mas como reserva de valor, o bitcoin já começa a funcionar.”

Embora pessimista com o dólar, Leite acredita que o cenário pode ser ainda mais desafiador para o real e, com a moeda americana cotada abaixo de R$ 5,70, recomenda a diversificação internacional. “É um ponto de entrada interessante, especialmente para clientes que ainda não têm exposição lá fora.”

O problema fiscal é sua maior preocupação. “Uma coisa é aturar a farra nos Estados Unidos. Outra é em países emergentes. O Brasil tem a desvantagem de ter uma moeda que não é reserva de valor.”

Na Faria Lima, parte significativa do otimismo com o mercado local deriva da expectativa de uma mudança de governo no ano que vem — tese que Leite vê com bastante cautela.

“O mercado já está dando como certa a derrota do governo atual, mas não pensamos assim. A Dilma Rousseff conseguiu ser reeleita com o mesmo nível de popularidade. O governo ainda tem muito botão para apertar, e a eleição pode ser mais dura do que se imagina.”