A guerra comercial entre Estados Unidos e China ainda está longe de um desfecho, mas o presidente americano Donald Trump tratou de abrir uma nova frente de disputa que irritou o governo chinês.
Um dia após Trump assinar uma ordem executiva autorizando os EUA a emitir licenças para a mineração no fundo do mar em águas internacionais, tema sem consenso na comunidade internacional, o governo chinês reagiu nesta sexta-feira, 25 de abril, dando a entender que não vai aceitar a exploração americana de mineração submarina fora de seu território.
"Essa ordem executiva viola o direito internacional e prejudica os interesses gerais da comunidade internacional", advertiu Guo Jiakun, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores.
O que está em jogo, a rigor, é o acesso às maiores reservas mundiais de minerais da nova fronteira tecnológica – níquel, manganês, cobre e cobalto, essenciais para construir, além de baterias de veículos elétricos (VEs), celulares, painéis solares e outros dispositivos eletrônicos.
Apenas uma única faixa do Pacífico Oriental, conhecida como Clarion Clipperton Zone (CCZ) e situada em águas internacionais - numa área marítima com cerca de metade do tamanho dos EUA, entre o Havaí e o México -, contém mais desses minerais valiosos do que todas as reservas terrestres combinadas.
O tema é polêmico, por se tratar de uma atividade jamais realizada em escala comercial e que embute riscos ambientais relevantes, pois o complexo ecossistema do fundo do mar em águas internacionais, com profundidade acima de 4.000 metros, ainda é pouco estudado por cientistas.
O presidente americano, no entanto, aproveitou uma indefinição regulatória que se arrasta há anos, em torno da criação de um código de mineração submarina em águas internacionais, para impor sua vontade.
Um encontro na Jamaica ocorrido em março, organizado pela Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) - órgão da ONU com 168 países-membros, encarregado de cuidar do fundo do mar e que tem como secretária-geral uma oceanógrafa brasileira, Leticia Carvalho – não chegou a um acordo para autorizar a exploração mineral em águas internacionais.
Dezenas de países haviam pedido uma moratória sobre a mineração no fundo do mar, e mesmo os que defendem a exploração submarina - como a China - sugeriram uma trégua até que a ISA definisse um marco regulatório, incluindo como distribuir pagamentos de royalties e como proteger o meio ambiente.
Mesmo que a ISA chegasse a um acordo para criar um código de exploração mineral submarina, os EUA estariam impedidos de participar dessa atividade, pois jamais reconheceram o órgão da ONU e tampouco ratificaram o tratado sobre atividades marinhas e marítimas que entrou em vigor em 1994, denominado Convenção do Direito do Mar.
Trump, porém, usou uma brecha na Lei de Recursos Minerais Duros do Fundo do Mar Profundo (DSHMRA), de 1980, para fornecer autorização de exploração em águas internacionais para a The Metals Company (TMC), mineradora canadense que vinha pressionando a ISA para a criação de um marco legal de mineração em alto-mar.
Essa lei foi estabelecida como uma estrutura legal provisória para a recuperação de recursos minerais do fundo do mar antes da criação de uma estrutura regulatória internacional sob a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) – justamente a Convenção do Direito do Mar.
Mapa do tesouro
Países regulam a mineração dentro de suas Zonas Econômicas Exclusivas, geralmente se estendendo por 200 milhas da costa. Alguns começaram a permitir a exploração de minerais do fundo do mar, incluindo Japão, Ilhas Cook, Papua Nova Guiné e Noruega.
Mas a maior parte do leito marinho fica em águas internacionais. É onde a ISA tem jurisdição – e onde estão situados os tesouros minerais visados.
Eles estão presos em depósitos em forma de batata chamados nódulos polimetálicos, que se formam ao longo de milhões de anos à medida que os minerais na água do mar se acumulam em torno de pedaços de matéria orgânica.
O temor dessa exploração causar uma catástrofe ambiental levou mais de 30 países da ISA (incluindo nações da Europa, como França, Itália e Alemanha) a exigir uma pausa preventiva na atividade de mineração até a elaboração de estudos conclusivos sobre o impacto no ecossistema do fundo dos oceanos.
Algumas empresas — incluindo montadoras e empresas de tecnologia como BMW, Volkswagen, Volvo, Google e Samsung — prometeram não usar minerais do fundo do mar.
A ISA, porém, já concedeu 31 contratos permitindo que países membros (e empresas parceiras) explorem minerais do leito marinho, principalmente na Clarion Clipperton Zone. A China abocanhou cinco desses contratos de exploração, mais do que qualquer outro país.
Esse comportamento contraditório do órgão da ONU acabou dando argumento para Trump agir. A Casa Branca afirma que a extração de minerais essenciais, como cobalto e níquel, de nódulos no fundo do oceano é crucial para o fornecimento de metais que compõem uma infinidade de tecnologias avançadas.
A autorização na Zona Clarion-Clipperton seria administrada pelo Departamento de Comércio, por meio da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA), a agência encarregada de emitir licenças de mineração no fundo do mar.
A NOAA, ironicamente, foi atingida por cortes em larga escala em seu financiamento e força de trabalho desde que Trump assumiu o cargo.
“A NOAA fornece aos americanos previsões meteorológicas acessíveis e precisas; monitora furacões e tsunamis; responde a derramamentos de óleo; mantém frutos do mar na mesa; e muito mais”, disse ao The New York Times Jeff Watters, da organização sem fins lucrativos Ocean Conservancy. “Obrigar a agência a obter licenças para mineração em alto mar enquanto esses serviços essenciais são cortados só prejudicará o oceano e os EUA.”