O futuro da exploração mineral em águas profundas começou a ser discutido nesta semana em Kingston, capital da Jamaica, por representantes dos países-membros da Autoridade Internacional do Fundo Marinho (ISA) - um órgão intergovernamental criado pela ONU que supervisiona a mineração em águas internacionais.
O resultado desse encontro, que vai se estender por três semanas, pode impactar na exploração de minerais-chave da transição energética, como cobalto, níquel e cobre, e no futuro da vida marinha. Participam do ISA países signatários da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, entre os quais está o Brasil.
O tema ganhou relevância depois que a minúscula Nauru -- uma ilha no Oceano Pacífico de apenas 12 mil habitantes, situada a 4 mil quilômetros da Austrália -- anunciou no domingo, 9 de julho, que vai começar a exercer o direito de retirar do fundo do oceano nódulos polimetálicos contendo os três minerais utilizados em larga escala para fabricação de baterias de carros elétricos e em equipamentos de transição energética, como painéis solares, turbinas de hidrelétricas e pás de usinas eólicas.
Coletivamente, os nódulos contêm cerca de 340 milhões de toneladas de apenas um desses metais, o níquel - mais de três vezes a estimativa do Serviço Geológico dos Estados Unidos das reservas terrestres do mundo.
Nauru havia solicitado há dois anos autorização para explorar comercialmente esses minerais à ISA. Mas como os países-membros da agência não chegaram a um acordo sobre as novas regras de exploração submarina, o país esperou passar o prazo provisório de proibição para fazer o anúncio.
Desde 2001, a ISA já emitiu 31 contratos de autorizações para empresas que desejam pesquisar o oceano profundo, e estes foram patrocinados por 14 países, incluindo China, Rússia, Índia, Reino Unido, França e Japão. Mas, no caso de exploração comercial, o de Nauru seria o primeiro.
A exploração seria feita pela The Metals Company, uma mineradora canadense que fez que parceria com três nações do Pacífico – além de Nauru, Tonga e a República de Kiribati.
O objetivo da mineradora canadense é aspirar do fundo do oceano, a mais de 4 mil metros de profundidade, os nódulos polimetálicos – semelhantes a pepitas do tamanho de batatas, que concentram os três minerais– e transportá-los para embarcações na superfície da água.
Três empresas chinesas - Beijing Pioneer, China Merchants e China Minmetals - também anunciaram planos de explorar os minerais no fundo do oceano, mas ainda não desenvolveram equipamentos.
A área de águas internacionais a ser explorada pela mineradora canadense, situada entre o Havaí e a costa do México, é chamada de Zona Clarion Clipperton (CCZ), com um ecossistema com fontes hidrotermais, montanhas subaquáticas e vastas planícies até 6.500 m abaixo da superfície.
Contradição ambiental
A polêmica em torno da exploração mineral submarina em águas profundas envolve uma contradição. A rigor, para executar a transição energética -- a substituição de combustíveis fósseis por energia limpa -- seria necessário causar um impacto ambiental não só em florestas onde hoje são feitas a extração desses metais, como no fundo do oceano.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), o aumento da tecnologia de baterias em carros elétricos, painéis solares e turbinas eólicas, resultante de um esforço para cumprir o Acordo Climático de Paris, fará com que a demanda global por minerais aumente quatro vezes até 2040.
A escassez de matérias-primas, incluindo lítio e cobre, é uma das maiores ameaças que podem retardar a mudança para energia limpa. A AIE calcula que, para atingir suas metas de descarbonização, o mundo precisará produzir 6,3 milhões de toneladas por ano até 2040 de apenas um desses minerais, o níquel, aproximadamente o dobro do que conseguiu em 2022.
Em relação ao cobalto, a maior parte do crescimento da demanda dos últimos cinco anos foi atendida pela Indonésia, que destruiu florestas tropicais para extrair o mineral. O investimento no desenvolvimento de minerais críticos aumentou 30%, ultrapassando US$ 40 bilhões no ano passado, com base em um aumento de 20% em 2021.
O mercado, cuja receita foi de US$ 320 bilhões em 2022, dobrou de tamanho nos últimos cinco anos, em parte por causa dos preços mais altos, segundo a AIE.
Outra estimativa aponta que, se o mundo quiser restringir o aquecimento global a 1,5°C dos níveis pré-industriais – uma meta maior do que a maioria das metas climáticas nacionais atuais –, ele terá apenas três quartos dos minerais necessários até 2030.
Por isso, cientistas temem que uma possível "corrida do ouro" por metais preciosos sob os oceanos possa ter consequências devastadoras para a vida marinha.
De acordo com a ONU, os oceanos geram 50% do oxigênio necessário para a vida humana, absorvem 25% de todas as emissões de dióxido de carbono, capturam 90% do excesso de calor gerado por essas emissões e ainda servem de escudo contra as mudanças climáticas.
As empresas interessadas na exploração da mineração submarina alegam que esse tipo de exploração no mar deixa uma pegada de carbono menor do que em terra, com menos impactos nos seres humanos. E citam pesquisas próprias mostrando que tirar, por exemplo, níquel das florestas tropicais destrói 30 vezes mais vida do que obtê-lo das profundezas do oceano.
“Defendemos uma transição energética justa, o argumento de que para não degradar mais o ambiente terrestre da mineração é preciso abrir uma nova fronteira no oceano profundo não faz sentido”, diz Enrico Marone, porta-voz do Greenpeace Brasil sobre Oceanos.
Segundo ele, a indústria precisa melhorar a eficiência de baterias e equipamentos que usam minerais na transição energética para reduzir o impacto ambiental da exploração.
Marone, que está a caminho de Kingston para participar do encontro da ISA como parte da delegação internacional do Greenpeace, afirma que a tendência do evento é que os países membros aprovem uma moratória para a exploração mineral em águas profundas internacionais.
“Os governos devem seguir uma abordagem de precaução nas reuniões prévias e, na assembleia geral, na última semana, devem votar uma moratória de longo prazo para ser discutida no ano que vem”, afirma Marone.
Desde o primeiro pedido de Nauru, em 2021, houve uma grande mobilização contra a exploração. Quase 200 países, incluindo Suíça, Espanha e Alemanha, além de empresas como BMW, Volvo, Google e Samsung, ONGs e mais de 700 especialistas oceânicos assinaram uma declaração pedindo o adiamento da mineração em águas internacionais.
Alguns bancos prometeram apoio semelhante ou criaram políticas que excluem o financiamento da mineração em alto mar. No caso de Nauru, um dos motivos que dificultaram a proibição da ISA há dois anos foi a falta de pesquisas aprofundados da região marinha na época.
Desde então, foram apresentadas evidências mostrando a vastíssima riqueza de vida marinha na área a ser explorada. Um estudo do Museu de História Natural de Londres mostrou recentemente que mais de 5.000 espécies diferentes, cerca de 90% desconhecida pela ciência, foram encontradas na Zona Clarion Clipperton (CCZ).
Jessica Battle, especialista sênior em políticas oceânicas globais do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), lembra que os habitats do fundo do mar são amplamente desconhecidos. O que se sabe, afirma, é que levam milênios para evoluir e podem levar segundos para serem destruídos.
"Quem sabe quanto tempo levaria para restabelecer os ecossistemas dinâmicos após o término da mineração?” questionou Battle. A polêmica, no entanto, está longe do fim.
No mês passado, a Noruega abriu áreas no Mar da Groenlândia, no Mar da Noruega e no Mar de Barents, cobrindo uma área de 280 mil quilômetros quadrados, para empresas de mineração solicitarem licenças. "Precisamos de minerais para ter sucesso com a transição verde", disse o ministro do Petróleo e Energia, Terje Aasland, em comunicado.
A exploração em águas territoriais de um país não exige autorização da ISA. Ou seja, o governo brasileiro teria autonomia para liberar a exploração de petróleo na Foz do Amazonas, como pretende a Petrobras.