Roge Hanlon, diretora do showroom de nova-iorquino FiftyTwo, estava na casa da estilista de moda-praia Lenny Niemeyer, no Rio de Janeiro, para um jantar. Ficou intrigada com a necessaire com pompons que acompanhava o convite para o evento. “O que é isso?”, perguntou. “Isso é Nannacay”, respondeu Lenny. “Mas o que é Nannacay?”
Seguiu a pista até chegar à sala do apartamento de Marcia Kemp, fundadora da marca de acessórios artesanais, e conferir as criações Nannacay. Ficou encantada com a história e tentada em levar todo estoque de bolsas feitas com palha de junco por artesãos do Peru para Nova York. “Temos de internacionalizar essa marca”, disse Roge.
Foram necessários só quatro meses desde aquele verão de 2016 até que o portfólio da Nannacay caísse nas mãos de Lauren Santo Domingo, cofundadora do Modo Operandi, e passasse a ser vendido no e-commerce de moda, um dos mais influentes do mundo.
E foi assim que a Nannacay, marca artesanal, de impacto social, que promove a “pluralidade de culturas” e com “supply internacional” estreou no atacado dos EUA, antes de conquistar o Brasil, e caiu no gosto de celebridades como Beyoncé, Poppy Delevingne, Rocky Barnes, Giovanna Battaglia, Natasha Poly.
Hoje exporta 80% de sua produção para 15 países e tem showroom nos EUA e na Europa com as peças criadas por 305 famílias de artesãos no Peru, Equador e Brasil. Vende em e-commerce como Farfetch, Shopbop, Ounass, Goop, nas butiques da Starboard Cruise, empresa de cruzeiros da LVMH, e até no Museu do Qatar.
Este mês a marca recebeu sua primeira rodada de investimentos, um aporte R$2,5 milhões capitaneada pelo Fundo Order VC, de Gilberto Zancopé e reuniu investidores-anjos como Thadeu e Felipe Diz (Zee.Dog), Donato Ramos (Solomun Capital), Ricardo Dias (Adventures), Fiorella Mattheis e Luiza Nolasco (Gringa).
“Eu diria que captable chamou captable. Os anjos atraíram o fundo e assim formamos esse time de empreendedores e mentores que enxergam o oceano azul para a Nannacay como uma marca global”, disse ao NeoFeed Rafael Kemp, CGO da Nannacay.
Com o aporte, a marca que tem uma butique no shopping Iguatemi, em São Paulo, vai investir em equipe e marketing para estruturar as expansões nacional e internacional.
No exterior, vai transformar seu e-commerce próprio numa operação global, além de reforçar sua presença em lojas virtuais e físicas como Net-a-Porter, Sacks, Le Bon Marchê e Rinascente. No radar ainda estão as gigantes de departamento de luxo no Oriente Médio. E, por que não, China.
Com isso, em um segundo momento, a Nannacay passará a ter centros de distribuição próprios nos Estados Unidos e na Europa. “A gente quer ser a ‘Hermés’ da sustentabilidade do Brasil”, diz ele.
No ano passado, a Nannacay ficou entre os três finalistas do prêmio CNMI Sustainable Fashion Awards, criado pela Camera Nazionale della Moda Italiana em colaboração com a Ethical Fashion Initiative (EFI) das Nações Unidas. Em 2022 as instituições premiaram as inovações da indústria moda na economia circular.
Superou na disputa grifes como Gucci, Prada, Armani, entre outras, na categoria "impacto social" cujo critérios valorizados eram iniciativas que promovessem o “desenvolvimento humano” e superassem “injustiças sociais”. A grife indiana Ara Lumiere ficou em primeiro lugar. “Isso abriu muitas portas. Estamos para fechar com quatro grandes varejistas internacionais, por exemplo”, conta Rafael.
São os próprios atributos da marca de “luxo consciente” que despertaram a atenção dos fashionistas e investidores, como “produtos hand made, com cadeia de produção social e a valorização das culturas locais”, destaca Gustavo Kemp, CEO da Nannacay e gêmeo de Rafael.
A história começou quando Marcia Kemp, então diretora de uma multinacional de tecnologia, fez uma visita a uma comunidade Massai, na Tanzânia. Lá se encantou com a cestaria local e cogitou desenvolver um projeto com os artesãos locais.
Ela já trabalhava com projetos sociais no Rio de Janeiro e queria montar uma marca que impactasse positivamente a comunidade local e que fosse longeva comercialmente. O processo de importação da África, contudo, inviabilizaria a sustentabilidade da marca.
Foi no Peru que ela vislumbrou a possibilidade de colocar a Nannacay de pé. “Ela viu trabalhos maravilhosos de campesinas que dormiam na rua cobertas com jornal e queria mudar isso”, conta Rafael.
A partir daí, em 2014, começou um projeto para capacitação e estruturação das microempresas dos artesãos e o trabalho a quatro mãos no desenvolvimento das peças. Nannacay, por sinal, significa “irmandade entre mulheres”, nome de origem Quechua Aymara, povo indígena andino.
Hoje, os artesãos atendem tanto a Nannacay como outras empresas, "a depender da demanda". Os colaboradores do Equador que fazem chapéus, conta Rafael, também desenvolvem peças para a grife Chanel.
A Nannacay cresceu 110% seu resultado no ano passado e deve repetir o resultado esse ano. Escalar um negócio baseado em trabalho artesanal é um desafio que a empresa assume “identificando e capacitando novos artesãos”, ampliando os grupos de trabalho e as linhas de produtos com acessórios feitos em crochê, macramê, palha de buriti, palha de piaçava. Os produtos são vendidos entre R$ 750 a R$ 2,5 mil.
“Nossa missão de marca é fazer a ponte entre os que precisam de ajuda e os que querem ajudar”, diz Gustavo. Os irmãos, que entraram na empresa há três anos uma vez que a mãe passou a se dedicar só a direção criativa, destacam que mesmo sendo uma startup social, a Nannacay sempre gerou e "nunca queimou caixa" desde o primeiro dia.
“Muitas famílias dependem da sustentabilidade da empresa e estamos construindo uma marca de luxo de forma criteriosa para durar cem anos”, diz Rafael.