Os desafios impostos à indústria alimentícia em 2024 não são propriamente novos. Mas exigirão das marcas uma conexão ainda mais profunda com os consumidores. E muita rapidez para interpretar e atender seus desejos.
Essa é a síntese das três tendências que moldarão os negócios do setor no próximo ano, conforme levantamento recém-divulgado pela Mintel, agência global de inteligência de mercado.
Na lista do supermercado, a transparência ganha status de item indispensável. Tudo o que acontece com o alimento antes de sua chegada à mesa torna-se tão importante quanto seu valor nutricional.
Os fabricantes devem estar preparados para adotar uma comunicação muito clara e objetiva sobre os ingredientes, o modo de produção e os impactos ambientais e sociais de seus produtos.
Ultraconectados, cada vez mais conscientes e exigentes, os consumidores abraçarão o combate ao desperdício. Com isso, deve crescer a procura por alimentos reaproveitados e imperfeitos esteticamente, mas perfeitos para compor uma refeição.
As marcas de produtos naturais e/ou minimamente processados circularão com mais desenvoltura em um cenário de enfrentamento à emergência climática e à insegurança alimentar. Mas há espaço também para o crescimento dos alimentos ultraprocessados (AUP).
Espaço para os ultraprocessados
“Já ficou demonstrado que rótulos com indicações de altos teores de gordura, sal e açúcar não levam necessariamente ao abandono de tais produtos, desde que as informações sobre a procedência e os métodos de produção estejam disponíveis”, lê-se no capítulo do relatório da agência referente a primeira tendência para 2024 -“Trust the Process” (ou “Confie no Processo”).
Além dos dados cristalinos, os analistas da Mintel sugerem ainda às empresas de AUP: “Lembrem aos consumidores a alegria e conforto proporcionados por esses alimentos”. A dica comprova a força de um movimento que ganhou impulso com a pandemia do novo coronavírus e que não dá sinais de arrefecimento: o consumo indulgente.
A saudabilidade é indissociável do prazer à mesa. Com moderação, haverá sempre espaço para as comidas e bebidas supérfluas, àquelas que, de vez em quando, recorremos em busca de conforto.
Envelhecimento saudável, sem tabus
Batizada “Age Reframed” (“Idade Reformulada”, em tradução livre), a segunda tendência foca em um grupo de consumidores, geralmente, esquecida nas análises de mercado: a geração X, aquelas pessoas nascidas entre 1965 e 1980.
“Em muitos mercados do mundo, eles representam a parcela mais significativa dos gastos com alimentos e bebidas”, escrevem os analistas. “As marcas não podem ignorá-los.”
Também não devem deixá-los de lado por seu pioneirismo na discussão, sem tabus, sobre o envelhecimento saudável. E o que servimos à mesa tem um papel preponderante nesse debate.
Graças aos avanços da tecnologia alimentar e da ciência da nutrição, hoje, as comidas e bebidas ajudam a reduzir a suscetibilidade às chamadas doenças crônicas não transmissíveis, como os distúrbios cardiovasculares e o diabetes tipo2. Assim, os alimentos funcionais ganham ainda mais força.
Por fim, a última tendência para 2024 apontada pela Mintel é chamada “Eating, Optmised” (ou “Alimentação Otimizada”). Como apontam os estudiosos, a conveniência sempre pautou a indústria alimentícia, mas, com o isolamento social imposto pela pandemia, essa demanda foi potencializada.
“Uma nova era surgirá à medida em que a tecnologia simplifica o planejamento das refeições, as compras e o ato de cozinhar”, informa o relatório. “As marcas devem trabalhar com fornecedores de tecnologia para otimizar a relevância de seus produtos neste cenário digital avançado.” Entre as tecnologias mais citadas estão a inteligência artificial e a realidade aumentada.
Viva as novas experiências
Focada em sabores e cores, a Archer Daniel Midland (ADM), uma das maiores tradings agrícolas do mundo, também divulgou recentemente seu estudo de tendências para 2024. Ainda que independentes, os dois levantamentos acabam por complementar um ao outro.
Mais do que nunca, os consumidores estão abertos às novas experiências. Buscam sabores autênticos e tradicionais, alguns até exóticos. Em especial, ingredientes naturais e funcionais, pratos de cozinhas regionais e refeições afetivas, que, a cada garfada, tragam boas recordações.
“A cor está no epicentro da comida, da moda e do conteúdo que o mundo consome", diz Hélène Moeller, vice-presidente de marketing global de produtos para sabores e cores, da ADM, em comunicado. "Também sabemos que as tendências de sabores são dinâmicas, suscetíveis a eventos culturais, fenômenos virais nas redes sociais e gostos emergentes dos consumidores.”
E assim 2024 será marcado por alimentos com gosto dos indulgentes umami, açúcar e canela e frutas caramelizadas, mas também de pistache, melão, lichia e uva.
Entre os novos sabores estão a laranja-de-sangue, originária da Índia, e o yuzu, típico da China. Ainda pouco conhecidos no Ocidente, ambos os cítricos entram na tendência “Health Without Stealth” (“Saúde Sem Furtividade”).
Dessa salada de sabores, emerge uma profusão de cores. Dos tons pastéis até outros mais vívidos, alguns fluorescentes e até psicodélicos. Quanto mais bonito, melhor. Afinal, os alimentos “instagramáveis” continuam em alta.
Os estudos da Mintel e da ADM se encontram na certeza de que, cada vez mais, para os consumidores, a alimentação é o retrato de um estilo de vida. Uma maneira de se colocar no mundo.