A nova etapa da reforma tributária, em discussão no Congresso Nacional, mal começou e já é possível prever um efeito assim que o novo arcabouço tributário for aprovado e entrar em vigor: repasse de preços ao consumidor por parte dos setores mais prejudicados pela mudança de sistema. Essa possibilidade foi citada por boa parte dos dez tributaristas ouvidos pelo NeoFeed.

Isso porque a reforma tributária, que prevê a criação do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) - mais simplificado que o atual e usado em mais de 170 países -, tem como objetivo ser neutra do ponto de vista arrecadatório.

“Significa que a média de arrecadação de impostos do País em relação Produto Interno Bruto (PIB) vai ser mantida, mas certamente haverá deslocamento de alguns setores para outros”, afirma o tributarista Francisco Leocádio, sócio do escritório Souza Okawa Advogados e professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e da PUC-SP.

Alguns setores serão beneficiados, enquanto outros, prejudicados. Os que serão prejudicados se encaixam em duas categorias. Uma delas são as que tinham benefícios fiscais, mas que serão extintos com a mudança de sistema (e, portanto, vão pagar mais imposto).

A outra categoria inclui setores que, por sua forma de atuação, não vão poder abater da alíquota final os créditos acumulados com insumos adquiridos nas etapas anteriores da cadeia produtiva a qual está inserida - considerado o grande trunfo da mudança de sistema, por colocar um fim ao efeito cascata de tributos.

Essa particularidade permite eleger o segmento mais penalizado com a mudança de sistema: o setor de serviços, justamente o que emprega cerca de 70% da mão-de-obra do País e já devidamente etiquetado como “o esquecido do IVA”.

Como o maior gasto do setor é com despesas de salários dos funcionários, o segmento de serviços não tem possibilidade de deduzir os tributos de insumos ou despesas da cadeia anterior, como vai ocorrer com quem fabrica ou vende produtos.

É o caso de um salão de beleza, de uma empresa de marketing ou de um escritório de advocacia, cujo gasto maior é com a folha de pagamento dos funcionários. Trata-se de um dos gargalos do novo modelo.

Outros segmentos penalizados são aqueles sujeitos ao Imposto Seletivo (IS) – batizado de “imposto do pecado”, espécie de punição por fazerem mal à saúde ou ao meio ambiente.

Na outra ponta, estão os segmentos que devem obter vantagens ou ao menos não terão sobrecarga sob o novo sistema. O setor industrial, da maneira geral, o mais penalizado pelo sistema atual, vai pagar menos imposto porque vai abater créditos de insumos da cadeia anterior.

Vale lembrar que o novo modelo prevê que o IVA será dividido em dois novos tributos. Um federal, que se chamará Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e vai unificar os tributos PIS, COFINS e IPI. Já o imposto estadual, chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), vai reunir o ICMS (estadual) e ISS (municipal).

Confira, a seguir, os principais impactos tributários em 10 setores da economia brasileira:

Agronegócio

O setor se beneficiará de várias isenções, como a do IVA para produtores, com faturamento anual de até R$ 3,6 milhões, além de uma alíquota reduzida em 60% para alimentos e insumos agrícolas.

A alíquota em etapas de produção para os produtos da cesta básica deve ser de apenas 40%, podendo até chegar a zero.

O advogado Ranieri Genari, da consultoria Evoinc, porém, critica a “subjetividade exacerbada” do Imposto Seletivo (IS), que vai sobretaxar produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, sem levar em conta sua essencialidade.

“É o caso de herbicidas, inseticidas e pesticidas, que serão sobretaxados pelo IS, o que pode gerar aumento dos custos de produção do agro”, diz Genari.

Bebidas

O setor de bebidas ficará sujeito ao Imposto Seletivo (IS). A alíquota do IS ainda não foi estabelecida, mas terá como base o teor alcoólico de cada produto, bem como a essencialidade e o seu nível de nocividade.

“As projeções feitas indicam que a cerveja, por exemplo, não terá mudanças significativas com aumento de tributação, mas as demais bebidas – como vinho, gin, vodca, refrigerantes e energéticos – pagarão uma alíquota bem elevada”, prevê Marcio Miranda Maia, sócio do escritório Maia & Anjos Advogados.

Construção Civil

O setor, anteriormente favorecido por regimes especiais e desonerações, enfrenta um aumento na carga tributária com a transição para um regime uniforme de tributação.

Eduardo Natal, sócio do escritório Natal & Manssur, diz que é preciso dividir o setor em duas modalidades. Um deles é dos serviços de construção civil geral, que entra no regime do IBS e não terá nenhum benefício.

“Vai aumentar o custo da construção civil porque o grande insumo desse segmento ainda é a mão-de-obra própria, que não vai gerar crédito, ou seja, ele vai sair de uma alíquota de 8,65% para 26,5%”, diz Natal.

A outra modalidade é voltada para incorporação e construção de imóveis, locação e arrendamento, que exige regime específico. Esse segmento, diz o especialista, segue o regime especial de tributação conhecido RET.

“As alíquotas praticadas chegam, em média, a 4% do valor do faturamento das vendas, mas a nova proposta prevê redução de apenas 20% da alíquota final, o que desagradou e muito o setor”, diz Natal.

Educação

Os serviços de educação serão positivamente afetados com a reforma tributária. “O setor terá desconto de 60% nos impostos e faz parte dos segmentos que estão dentro das exceções da alíquota geral, ou seja, vão pagar menos”, afirma Marcio Miranda Maia, sócio do escritório Maia & Anjos Advogados.

O desconto de 60% contempla todas as etapas, da educação infantil (incluindo creche e pré-escola) ao ensino superior, incluindo o ensino técnico. Cursos de línguas, porém, terão de pagar alíquota máxima.

Exportação

O setor foi beneficiado, uma vez que as exportações serão isentas de impostos sob o novo sistema, para manter a competitividade internacional dos produtos brasileiros.

“Apesar desta vantagem, a unificação desafia as empresas exportadoras a adaptarem seus sistemas de ERP para alinhamento com as novas regras e processos, especialmente a cobrança no destino dos produtos”, diz Renato Munduruca, sócio-fundador do escritório RVM LAW.

Indústria

É um dos setores mais beneficiados pela reforma tributária, graças à eliminação da cumulatividade do sistema tributário. O advogado tributarista Renato Munduruca estima que os investimentos possam crescer até 16,4%, com um impacto direto e robusto no PIB.

Outro especialista, Felipe Peralta, do escritório CSA Advogados, adverte para os efeitos para o setor de máquinas e equipamentos.

“Por se tratar de bens de valor significativo, cuja amortização tende a levar anos, a recuperação do imposto via crédito pode gerar um cenário em que o adquirente não detenha débitos suficientes para recuperá-lo no curto prazo, com aumento o seu custo de capital”, diz Peralta.

Indústria automobilística

Trata-se de um segmento da indústria que deve ter aumento de impostos, com repasse de preços ao consumidor.

Isso porque, à exceção de veículos “sustentáveis” – categoria que inclui os carros elétricos –, os veículos movidos a gasolina estão sendo inseridos na categoria de Imposto Seletivo. Não há uma estimativa de qual será essa alíquota.

Atualmente, o IPI, o ICMS e o PIS/COFINS correspondem, em média, a 24,3% do preço de um veículo de passeio. O IBS e a CBS, sozinhos, terão uma alíquota de no mínimo 26,5%, o que já representaria, em tese, um aumento.

“Então, se colocarmos uma alíquota a mais a título de Imposto Seletivo, o aumento seria ainda maior”, prevê Thúlio Carvalho, do escritório Dias de Souza Advogados Associados.

Planos de Saúde

A reforma tributária vai atingir em cheio o sistema de saúde suplementar. Isso porque as empresas que oferecem plano de saúde corporativo aos funcionários terão de pagar alíquota cheia do IVA (que deve ficar acima de 27%). Nos demais países que utilizam o IVA, o setor é desonerado.

Os planos de saúde suplementares são um dos casos que tiveram sua essencialidade negada pelo PLP do governo. “Como plano de saúde não gera crédito de PIS-COFINS, não deverá gerar crédito de CBS e IBS e, portanto, vai ter de pagar alíquota cheia”, diz Francisco Leocádio, do escritório Souza Okawa Advogados.

Saneamento

Um dos setores mais prejudicados, apesar do nítido caráter social em que está inserido. Atualmente, a carga tributária é de 9,25% e, com as mudanças, deve ter um aumento exponencial para 27,5% - alíquota padrão estimada, o que deverá impactar diretamente na conta de água e esgoto dos contribuintes.

Na visão do governo, que negou no PLP a essencialidade dos planos de saúde suplementares, o aumento se deve ao fato de que atualmente o setor não recolhe o ICMS e o ISS, arcando apenas com PIS e COFINS.

Após a reforma, portanto, os planos suplementares terão de arcar com a alíquota cheia dos novos tributos, incluindo o IBS (que reúne o ICMS e o ISS).

“Com isso, será necessário revisar o equilíbrio nos contratos de concessão, de forma que o setor possa manter as atividades”, afirma Carlos Marcelo Gouveia, do escritório Almeida Prado & Hoffmann.

A questão do reequilíbrio de contratos por causa de aumento tributário também pode ocorrer em outros setores de infraestrutura que trabalham com concessões. Vários tributaristas acreditam que, na regulamentação, ao menos a taxação do saneamento possa ser rediscutida.

Varejo

O varejo pode se beneficiar da simplificação dos processos tributários e da redução da carga administrativa, mas enfrenta o desafio da uniformização das alíquotas, que pode levar a um aumento dos preços ao consumidor.

“A adaptação das estratégias de preço e promoção será crucial para manter a competitividade sem comprometer as margens de lucro”, diz Renato Munduruca, sócio-fundador do escritório RVM LAW.