A reforma tributária entrou nesta quinta-feira, 25 de abril, em uma nova e complexa etapa no Congresso Nacional, para discutir e aprovar a regulamentação da Emenda nº 132, aprovada em dezembro, que muda o sistema tributário nacional após 40 anos de expectativa.
A grande novidade da reforma é a criação de um novo modelo de tributação, o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), usado em mais de 170 países. O IVA será dividido em dois novos tributos. Um federal, que se chamará Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e vai unificar os tributos PIS, Cofins e IPI. Já o imposto estadual, chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), vai reunir o ICMS (estadual) e ISS (municipal).
Tributaristas ouvidos pelo NeoFeed elogiaram, de forma geral, o equilíbrio técnico do Projeto de Lei Complementar (PLP) enviado pelo governo federal ao Congresso Nacional na quarta-feira, 24, com seus 499 artigos, 24 anexos e 360 páginas. São cerca de 70 pontos que dependem de algum nível de detalhamento legislativo na atual fase.
Eles apontam alguns aspectos que devem monopolizar a atenção nos próximos meses. Um deles são as discussões em torno das exceções, tanto produtos que terão alíquotas diferenciadas, mais baixas, quanto os que terão alíquota maior por serem enquadrados no Imposto Seletivo (IS) – batizado de “imposto do pecado”, espécie de punição por fazerem mal à saúde ou ao meio ambiente, como bebidas alcoólicas e cigarros.
Não será uma missão fácil, levando-se em consideração o elevado grau de complexidade. O IVA exige a necessidade e o compromisso de a regulamentação não aumentar a atual carga tributária – na verdade, o objetivo é diminuí-la.
Por isso, na discussão sobre as exceções e as alíquotas de produtos enquadrados no Imposto Seletivo será necessário atingir um equilíbrio - concessões de alíquotas menores de determinados produtos deverão ser compensadas por aumento de alíquota de outros.
No PLP enviado ao Congresso, o governo estimou uma alíquota máxima do IVA em 26,3%, abaixo dos 31,5% da carga tributária bruta total do País no ano passado.
Nesta quinta-feira, o Ministério da Fazenda atualizou a estimativa do IVA para 26,5%, pois esse cálculo compreende a soma do IBS (17,7%), imposto estadual e municipal, com a CBS (8,8%), federal.
“Sem dúvida, o custo das exceções, ou seja, como serão definidas as alíquotas dessas categorias, deve nortear o debate e as disputas por grupos de pressão no Congresso”, afirma o tributarista Francisco Leocádio, sócio da área tributária do escritório Souza Okawa Advogados e professor do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e da PUC-SP.
Ele destaca o tamanho e a complexidade dessa nova legislação. “Ela impõe a necessidade de regular vários assuntos de um mesmo setor com diferentes camadas de tributação, como o setor de serviços médicos, que pode ter tributação de zero, 30% ou 60%, por exemplo, dependendo da área.”
Leocádio prevê uma grande discussão em torno do Imposto Seletivo. Segundo ele, o IS não substitui o IPI e é um imposto novo e diferente. “O IPI tem seletividade voltada para a essencialidade, como a tributação sobre uma joia ou um iate, mas o IS diz respeito a efeitos maléficos dos produtos enquadrados”, observa.
O IS também é destacado por outro tributarista, Aristóteles de Queiroz Câmara, sócio do escritório Serur Advogados, mas por outra razão: as contradições que marcaram a inclusão de bens e serviços supostamente prejudiciais à saúde e ao meio ambiente na categoria.
Câmara cita o exemplo dos automóveis, que tem benefícios fiscais antigos, que foram renovados antes da reforma tributária, como os concedidos pelo governo para a Stellantis, em Pernambuco, válidos até 2032. Outros foram dados via Zona Franca de Manaus até 2050.
“Teremos, de um lado, incentivos que não são decorrentes da atual reforma tributária e que vão continuar e, de outro, possivelmente a cobrança de imposto seletivo de automóveis, conforme a proposta atual”, diz. “São políticas fiscais contraditórias.”
Câmara também prevê embates entre categorias do mesmo setor em torno do imposto seletivo. “Para o setor de bebidas alcóolicas, por exemplo, será decidida uma entre duas opções de tributação: ou por meio de uma alíquota geral pelo valor do produto ou por gradação alcoólica”, diz. Ou seja, haverá disputa entres os setores cervejeiro e de destilados.
Cashback e cesta básica
Além do imposto seletivo e dos regimes específicos – que terão regras de tributação diferenciadas dentro de um setor, como financeiro (incluindo ramo de seguros) –, a regulamentação terá definir alíquotas para itens da cesta básica, categorias de profissionais liberais e como será feito o cashback - mecanismo de devolução de parte do imposto pago às famílias de baixa renda.
Os grupos de pressão já estão atentos. A coalizão formada por 24 frentes parlamentares já tem protocolados 13 projetos de lei na Câmara dos Deputados com pontos pendentes de regulamentação mencionados pela Emenda Constitucional 132, que aprovou a primeira parte da reforma tributária.
Vários setores do ramo de alimentação, por exemplo, brigam para serem incluídos na lista de tributação zero ligada à cesta básica, mobilizando grupos de pressão antes mesmo do texto do governo chegar ao Congresso.
O PL 35/2024, assinado pelo deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), estabelece que a Cesta Básica Nacional tem um conjunto de 19 alimentos destinados ao consumo humano. A lista inclui de proteínas animais a produtos hortícolas, café, molhos preparados e condimentos; açúcares, sal, óleos e gorduras e castanhas, além de foie gras, carne de coelho e bacalhau, entre outros.
Outro ponto de atenção, e não menos importante, é o calendário político. Por causa das eleições municipais deste ano, o Congresso estará desmobilizado no segundo semestre. Daí a pressa pela sua aprovação.
Carlos Marcelo Gouveia, advogado tributarista do escritório Almeida Prado & Hoffmann, afirma que o PLP enviado pelo governo veio bem organizado, o que em tese facilitaria a tramitação. Mas é preciso correr no debate sobre exceções.
“Quanto mais demorar para aprovar as leis complementares, mas vai intensificar o debate, por isso tudo deve estar definido até o final do primeiro semestre, senão fica difícil aprovar a reforma tributária este ano”, adverte Gouveia.